terça-feira, março 03, 2015

Yolanda Brígida

Você era uma criança. Falava à televisão, ao lado dos seus pais, emigrados na Suíça. Perguntaram-lhe o que gostava mais de ver nos noticiários. Com o olhar vivo e inocente, disse: os desastres! Essa sua resposta ficou-me para sempre.
 
Tempos mais tarde, curso tirado, estagiária da notícia, salário de recibo verde, telefonou-me para Brasília a inquirir do nome de um português envolvido num acidente. Expliquei que a ética da minha profissão não me autorizava a quebrar o sigilo. Não esqueci a sua reação: "A ética?! Deixe-se disso! Vá! Diga-me lá! É que se eu não consigo essa informação, o meu chefe põe-me na rua!"
 
Um dia, num jornal com mais de cem anos, na "silly season", li uma peça sua sobre um senhor chamado Eça de Queirós. Explicava, pedagógica, que era "um escritor realista português do século XIX", do qual citava obras a esmo. Fui ver: o texto era da Wikipedia. Fazia bem em apoiar-se em fontes prestigiadas, nessa Britannica da geração dos "shots".
 
Veja-a agora muito por aí, Yolanda Brígida ou Cátia Vanessa ou qualquer outra coisa assim que a rica imaginação dos seus pais tenha gerado. De "corneto" na mão, nos "travellings" na peugada do advogado desconcertante, à coca da casa dos "pulseirados", a perguntar como se sente à mãe que perdeu o filho no mar alto, a entrevistar o primo da vizinha de um tipo que conheceu o criminoso.
 
Vi um dia a sua glória. Uma baliza tinha caído sobre a cabeça de uma criança. O dia era “seco” em eventos. Os três telejornais abriram com a notícia, era o "seu" desastre. E lá estava você em campo, baliza ao fundo, preparada para a partida. Ao longe, as "repórteres" dos outros canais, seus heterónimos, filmavam-se comicamente entre si, debitando “buchas” para as respetivas câmaras, à espera do requestado edil local, que você entrevistava e que se prestava ao papel de alterne entre pantalhas, a todas anunciando o clássico "rigoroso inquérito". Um "must"!
 
É que onde eu gosto verdadeiramente de a ver é nos diretos, à porta de um tribunal fechado há horas, na soleira de uma urgência com uma velhinha a revelar o cancelamento da consulta numa greve, no rescaldo de um incêndio a recolher a clássica declaração sobre a "mão criminosa” no sinistro. Adoro as redundâncias em que ecoa, quase palavra por palavra, o que o “pivot” acabou de dizer, não vá alguém ter entrado na sala só nesse instante. Exulto quando se dirige, impante, à vedeta em estúdio, que mal a conhece, com um íntimo: "Daqui é tudo, Judite!'.
 
Há dias, vi-a numa de excelência. António Costa tinha acabado de falar sobre o seu "sermão aos chineses", que em ano eleitoral substitui o "sermão aos peixes", do outro António, mas Vieira. Ele saía já de cena, tenso, e você, marota, ética Cofina, reguila qb, sem esperar resposta, só para gáudio da malta lá na redação, atirou-lhe à cara: "O país está melhor, António Costa?". Eu, no caso dele, sabia o que lhe tinha atirado à cara, a si.

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

18 comentários:

Anónimo disse...

Com tanto trabalho que se pode fazer nas redacções de investigação tantas vezes me pergunto o que está a fazer esta gente em lugares que não interessam ao diabo só para aparecer durante uns segundos. Isto é jornalismo?

Anónimo disse...

Notável

Anónimo disse...

Magistral. Neste jornalismo de Sónias Vanessas, Cátias Vanessas, Susies Vanessas, Brunos Vanessos,
Rodrigos Vanessos... o ridículo e a impreparação não têm nome. E as vozes esganiçadas? E os atropelos dos microfones? E a impertinência? E a pesporrência gaiteira? Será que treinaram no Bolhão ou na Ribeira? E a expressão latina sine die (sabem lá eles ou elas, para os quais tudo é british), pronunciada à inglesa? Ainda um dia hei-de ver alguém perder a paciência e enfiar-lhe um par de tabefes.

Anónimo disse...

Não, ela não é culpada! Culpados são os que lhe pagam por isso!

patricio branco disse...

vou prestar atenção...

Anónimo disse...

Ontem, uma jornalista da SIC chamou artilharia pesada a uma bazuca...

Anónimo disse...

Excelente!

M Sá Barbosa disse...

Como sempre, elegante e assertivo.

Francisco Clamote disse...

Sem palavras. Quem sabe, sabe.

Guerra disse...

Viva Sr. Embaixador.

Deixe que lhe diga: se a ironia matasse o sr. fazia cada limpeza.

Só me custa é conseguir descodificar. Mas faço esforço.

Cumprimentos cá da Bila

Anónimo disse...

P`ra quem é bacalhau basta…
E, em geral são bonitas…ao contrário do aspeto dos questionados…
Só precisavam de uma coisita: de serem instruídas para preguntarem o que os “senhores” fazem nos lugares que ocupam e acrescentarem: São porteiros ou seguranças!? É que nunca sabem nada, ou fazem nada, ou nada lhes diz respeito…
A todos, sem dois pesos e duas medidas!

mbs disse...

há muito tempo que ninguém dizia tão bem o que eu penso...obrigada.

Anónimo disse...

Por falar em instrução: é "perguntarem" e não "preguntarem"...

lolipoppe disse...

Cátias Vanessas, Suses Vanessas, Sónias Vanessas...os pais continuam sem entender porque não gosto do meu nome.

Anónimo disse...

O mesmo se pode dizer dos comentadores políticos e desportivos que pensam sempre que sabem e tudo e nunca dizem nada. Já não há pachorra para tanto programa de comentários sem conteúdo algum.

Anónimo disse...

Por isso de vez em quando, para desenjoar,leio o Positive News.
Uma amiga psi diz que o ser humano foi programado para se lembrar do negativo para que nunca repetisse o erro de por ex comer cogumelos venenosos.

Fernando Correia de Oliveira disse...

Já me ri. Grande texto.

Anónimo disse...

E como é que avalia a prestação do seu "patrão" socialista, ontem, na rua? A indignação da personagem perante uma repórter que lhe perguntou se PPC devia de pedir desculpas ao país! Que ela nºao lhe podia fazer perguntas na rua (!) Que não podia aparecer detrás de um carro (!) Que marcasse uma entrevista se lhe queria fazer perguntas (!), entre outras.

Está a ficar nervoso...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...