sábado, novembro 12, 2022

O 11 de Novembro


Ontem, acordei com a data - 11 de novembro - na cabeça. À hora de almoço, “caiu a ficha”, como dizem os brasileiros: era a data da independência de Angola, claro!

Ainda há dias, ao preparar a intervenção que, na terça-feira passada, ia fazer no Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro, tinha-me lembrado de que, com argúcia e visão estratégica, o Brasil tinha sido o primeiro país a reconhecer a República Popular de Angola, proclamada nessa noite em Luanda. Portugal, a viver o ano da “brasa” de 1975, a 14 dias de um 25 de Novembro que iria desempatar a sua luta política interna, perdeu tempo a perceber por onde ia a História. E isso iria ter o seu preço.

Ao longo da minha carreira, assisti a várias receções comemorativas da data, promovidas por embaixadores angolanos, em diversos lugares do mundo. Mas a mais memorável dessas ocasiões foi mesmo em Luanda, em 1982, poucos meses depois da minha chegada, exatos sete anos depois da independência de Angola.

Nesse dia de há precisamente 40 anos, o embaixador Silva Marques chamou-me para me informar que teria de representá-lo na receção que o governo de Angola oferecia ao corpo diplomático estrangeiro, ao final da tarde, no Hotel Costa do Sol. Não podendo ser o ministro conselheiro, Fernando Cardoso, por uma qualquer razão, a substituí-lo, competia-me a mim a tarefa.

Eu estava na carreira há pouco tempo, aquele era o meu segundo posto. Angola estava em guerra civil, a Luanda política era uma realidade política que eu procurava conhecer, pelo que a ocasião acabava por ser muito interessante para observar os circuitos diplomáticos e oficiais locais.

Em Luanda, os estrangeiros viviam em bolsas de contactos, quase sempre muito diversas e distantes entre si, as entidades políticas locais refugiavam-se em circuitos pouco acessíveis. Romper essas fronteiras era um processo complicado, pelo que encarei a tarefa com grande curiosidade. E, pela tarde, ainda com uma bela luz, lá fui, no meu vetusto Volkswagen “carocha” preto, com um buraco no chão por onde às vezes entravam baratas, que tinha sido herdado da tropa colonial, guiando pela Corimba e pela Samba, a caminho do Costa do Sol, na estrada costeira para sul.

À chegada, como era de regra, depois de uma inspeção de segurança nada rigorosa para os tempos que se viviam, fomos recebidos pelo Protocolo e encaminhados para o que recordo ser um espaço exterior. Por ali estavam os diplomatas estrangeiros e, presumo, gente do Ministério das Relações Exteriores de Angola. Algumas senhoras davam graça à festa, mas poucas.

Numa Luanda tensa, em conflito, não era de estranhar que os convidados se juntassem em grupos, por afinidades óbvias: europeus e outros “like-minded” a um lado, diplomatas dos países socialistas a falarem entre si, com alguns africanos a dividirem-se. Sendo dos mais jovens dos presentes, conhecendo ainda poucos embaixadores, devo ter acostado a alguns “encarregados de negócios” desemparelhados, suplentes como eu era.

Embora recentemente terminado, depois de anos de obras paradas, o Costa do Sol estava longe de ser o principal hotel da cidade. Acima dele, na hierarquia das unidades hoteleiras de então, estavam os hotéis Presidente, Trópico e Panorama. O edifício não deixava de ter a sua graça, situado num lugar cimeiro sobre o mar, um pouco antes do Futungo de Belas, que era o antigo conjunto turístico então ocupado pelo presidente da República.

Naquele hotel, pouco tempo depois, viriam a ser alojados militares portugueses na reserva, que foram para Angola ao serviço da Coteco, que dava treino técnico ao militares angolanos, empresa que creio ligada ao almirante Rosa Coutinho. Um desses oficiais era um amigo pessoal dos tempos do 25 de Abril, o piloto da Força Aérea, Arlindo Ferreira, que infelizmente já lá vai, há muito. Por razões a que a política da época não era alheia, esses militares, por regra, teimaram sempre em evitar todo e qualquer contacto com a nossa embaixada. A exceção era o Arlindo que, com alguma regularidade, vinha jantar a minha casa, comigo a ir uma vez ou duas ao Costa do Sol, a seu convite. Mas isso só iria acontecer meses mais tarde.

A receção oferecida pelas autoridades angolana no Costa do Sol era de pé, um cocktail tradicional. De início, surgiram canapés e, claro, bebidas. Dizia-se que, mais tarde, ia haver um jantar. O convite anunciava isso.

O dia caiu, rápido, como acontece em África. A certo ponto, já na noite, passada mais de uma hora desde que por ali errávamos, de copo na mão, enfardando alguns escassos croquetes e salgados, vagueando entre conversas, detetou-se uma agitação e correrias de pessoal, prenunciando o óbvio: a chegada das autoridades.

Foi então que vimos um grupo de uma boa dúzia de governantes atravessar, com alguma ligeireza, a zona onde nos encontrávamos, para o que abrimos alas. À frente, vinha o presidente José Eduardo dos Santos, que nos saudou com um sorriso e um gesto de cabeça, sem cumprimentar nem dizer nada a ninguém, como aliás sucedeu com todos os que o acompanhavam. Duas ou três senhoras integravam o séquito.

O grupo dirigiu-se de imediato para uma mesa que estava alinhada num dos lados da receção e abancou. Os seus componentes ficaram sentados ao longo da mesa, mas só de um lado, ficando a olhar para as centenas de pessoas presentes, num modelo “última ceia”. Perante a multidão de gente de pé, eram os únicos sentados.

De imediato, do edifício do hotel, como que por milagre, surgiu um batalhão de empregados, que serviu essas pessoas, que começaram logo a comer. Nós, imagino que algumas escassas centenas de convidados, ali ficámos, a olhar a ceia do senhor presidente e do seu grupo, com os nossos copos na mão, quiçá já vazios, porque ninguém cuidava de nós. Não voltávamos as costas à mesa presidencial, por respeito, pelo que ali ficámos impotentes espetadores do voraz assalto feito às vitualhas pelas autoridades. O nosso apetite, valha a verdade, ia crescendo, na constante visão do grupo oficial bem saciado.

E foi assim que tudo se passou durante mais de meia-hora, durante a qual alguns embaixadores, menos preocupados com as consequência de uma saída “à francesa”, foram abandonando discretamente a cena, a caminho dos seus carros, cansados da deselegância a que eram sujeitos. Os diplomatas mais júniores - e, como é natural, o jovem primeiro-secretário de embaixada representante do poder colonial recém-cessante que eu era - mantiveram-se em jogo.

O ágape das autoridades terminou no momento em que o presidente decidiu levantar-se da mesa, com os seus restantes convivas a seguirem-no. Depois de uns instantes com seguranças em correrias, as autoridades abalaram com a prestreza com que tinham chegado, a caminhos dos Mercedes cheios de luzinhas azuis e vermelhas a brilhar que se viam ao fundo.

Finalmente, nós, afinal os convidados para o evento, íamos ter o nosso prémio, embora em modelo de “terminação”, como na lotaria: o tal batalhão de empregados surgiu com pratos e travessas para servir os resistentes que estoicamente tinham aguentado a sessão, diplomatas e pessoal angolano, unidos pela fome. Mas, claro, não tendo direito a mesas e muito menos a cadeiras, contentámo-nos com uma refeição volante, naquele modelo onde se tenta dar garfadas e partir a comida com uma só mão, segurando o prato com a outra, com o copo, em regra, num equilíbrio instável entre dedos sobejantes, na ausência de uma terceira mão com que a natureza, desatenta às das exigências do protocolo, não nos brindou. Mas teve de ser rápido: o recolher obrigatório já vinha a caminho. 

Foi assim o meu primeiro 11 de Novembro oficial.

Eureka!

Estava agora a olhar para o meu teclado e, finalmente, percebi, por que, quando as raízes nortenhas se impõem, troco os “b” pelos “v”: é que ficam lado a lado…

sexta-feira, novembro 11, 2022

Lula e o mercado


Nem tudo começa bem no Lula “parte 3”: declarações do próximo presidente, afetando a imagem de responsabilidade orçamental do futuro governo, deixaram os mercados inquietos. Há quem pense que é errado deixar que os mercados comandem o jogo. Liz Truss (lembram-se?) pensava assim…

e é assim!

 


Constituição

Como documentos estáticos, as constituições sofrem sempre de alguma “décalage” face à realidade. Se, pontualmente, o articulado constranger algumas questões essenciais, elas devem ser revistas, mas sempre por acordo amplamente maioritário. Se não, estejam quietos! É o caso atual.

quinta-feira, novembro 10, 2022

Desgoverno

Um governo com uma das mais confortáveis maiorias absolutas de sempre, com uma oposição de “trazer por casa”, inventa-(se) casos e casinhos, dá regulares tiros nos pés, mantendo um ruído permanente à sua volta. Seria possível fazer pior? Era, mais devia dar muito trabalho.

quarta-feira, novembro 09, 2022

Num Uber

 Num Uber, no Rio de Janeiro. Perante um trânsito intenso, lembrei-me de perguntar:

- Sabe se ainda há pessoas em frente às instalações militares, aqui no Rio? 

- Sim. E está lá muita gente.

Pausa, e continuou:

- O senhor não viu nada nos “mídia”, não é?

- Não vi nada, mas também não segui o assunto com cuidado.

- Mesmo que procurasse, não encontrava nada. As televisões não passam isso.

- Será mesmo assim? 

- É. No Brasil já ninguém acredita na “mídia”. Só acreditamos nas redes sociais. A verdade só está lá. No país do senhor, lá em Portugal, é também assim, não é?

- Nunca pensei muito nisso, mas, em Portugal, se um canal de televisão escondesse um assunto era um escândalo! Outro canal passava logo a notícia. Não me parece que as redes sociais tragam coisas escondidas pelas televisões ou pelos jornais. Ou, se trazem coisas novas, as televisões “pegam” logo nelas.

- Cá não é assim. O brasileiro já não acredita na “mídia”.

E passou a contar-me, com pormenor, uma “live” que tinha visto na internet, em que um argentino (!) descrevia como metade as urnas eletrónicas mais modernas do Brasil não podiam ser auditadas e permitiam fraudes.

- … é por isso que as pessoas acham que houve fraude e que o Bolsonaro devia ter sido reeleito.

Cansei-me:

- Mas se, por acaso, houve mesmo fraude, como é que pode ter a certeza de que a fraude prejudicou o Bolsonaro? Não pode ter havido fraude para prejudicar o Lula?

Silêncio até ao fim da viagem.

“Entre Amigos”


Quando, em 2018, no Rio de Janeiro, desapareceu o afamado restaurante de origem portuguesa “Antiquarius”, a cidade perdeu um ícone social quase sem par. Criado por Carlos Perico, chegado ao Brasil na vaga pós-25 de Abril, o “Antiquarius” passou a ser um “must” carioca, com a Lisboa que detestava a Revolução - mas não só! - a fazer dali um pouso saudosista. Mas quem gostava de Abril também por lá passava, quando podia. Eu, por exemplo.

Hoje, almocei num dos restaurantes que foram criados por gente saída da boa escola do “Antiquarius”, o “Entre Amigos”. O espaço, no meio de Botafogo, é simples, em termos de decoração. Mas tem duas coisas muito importantes: boa comida e um serviço de excelência, com uma imensa simpatia às mesas. Vivesse eu no Rio e por ali faria uma das minhas cantinas.

Carlos Perico chegou ao Brasil vindo daquela que havia sido a primeira pousada portuguesa, a Pousada de Santa Luzia, em Elvas, que tinha sido criada em 1940. Constatei que o “Entre Amigos” mantinha no “cardápio” o famoso bacalhau dourado da pousada de Elvas. Decidi arriscar e não me arrependi. Posso dizer uma coisa? Raramente tenho encontrado, em Portugal, um bacalhau dourado tão bom.

Travessuras

 


Modesta por fora, gloriosa por dentro, a Travessa de Botafogo (e lá vou eu pagar excesso de bagagem!)




“Escama”


Dela ideia dar o nome de “Escama” a um restaurante de peixe, aqui no Rio de Janeiro, junto ao Jardim Botânico. E fazer acompanhar a refeição com um “Alvarinho” local foi uma combinação bem achada.

Educação a sério!


O que se descobre no semanário salazarista “Agora”, em março de 1961!




terça-feira, novembro 08, 2022

Brasil e Portugal


Foi um belo debate aquele que tive o prazer de manter, esta manhã, no Rio de Janeiro, com o embaixador Rubens Ricupero, uma grande figura da diplomacia brasileira, docente universitário e antigo membro do governo. As nossas intervenções foram comentadas pelo embaixador Marcos Azambuja.

O evento, organizado pelo Cebri - Centro Brasileiro de Relações Internacionais, inseriu-se nas comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. Colaboraram nesta organização a embaixada de Portugal em Brasília e o consulado-Geral de Portugal no Rio de Janeiro.

O embaixador Ricupero desenvolveu uma interessante reflexão sobre a relação entre o tempo da emancipação brasileira e a eclosão da revolução liberal em Portugal. A minha intervenção assentou nos vários olhares portugueses sobre o Brasil, desde a independência do país até aos dias de hoje, na perceção pública e na atitude da elites. A conversa, atravessada por questões do público, evoluiu depois para aspetos relacionados com a situação política atual no Brasil, as eleições intercalares americanas e os desafios da segurança europeia, com o conflito no Leste do continente como pano de fundo.

“La Fiorentina”


A boémia carioca mudou muito, mas o “La Fiorentina” continua a ser um marco histórico, com a praia do Leme ali em frente.

segunda-feira, novembro 07, 2022

“Agora”


Não deve haver muitos leitores deste espaço que se recordem do jornal “Agora”. Foi preciso vir ao Brasil para encontrar uma edição encadernada do melhor que o reacionarismo salazarista sabia produzir. 

Café da manhã


 

domingo, novembro 06, 2022

Falta de respeito


Os passaportes eletrónicos foram criados para evitar filas. Agora, com imensas máquinas avariadas, há filas na zona dos passaportes eletrónicos. Chama-se isto falta de respeito pelos utentes.

"Queixe-se, se quiser", disse-me um fâmulo de t-shirt. E estamos assim...

Ainda o PCP

Acho graça que gente que detesta o PCP, que nunca lhe passou pela cabeça nele votar, se sinta no direito de mandar bitaites sobre quem os comunistas deveriam ter escolhido para líder. A regra, aliás, é muito simples: um partido nunca deve escolher para líder alguém preferido por quem é seu adversário. “Mind your business!”, diria o “Morning Star”, se isso acontecesse aos comunistas da ilha lá de cima.

Confesso…

 


Pecador político me confesso: nunca tinha ouvido falar do nome do novo secretário-geral do PCP. 

Vemo-nos por lá na terça-feira…


 

Jerónimo de Sousa


Acabo de ouvir, na rádio, que Jerónimo de Sousa deixou de ser secretário-geral do PCP.

Daqui a horas, vou estar no Rio de Janeiro. E lembrei-me de que foi precisamente no Rio de Janeiro que conheci pessoalmente Jerónimo de Sousa.

Em 2007, ao tempo em que ali era embaixador, tive a notícia de que Jerónimo de Sousa ia ao Brasil, a convite do Partido Comunista do Brasil (PC do B). 

O comunismo brasileiro teve, entre outras, duas linhas que se confrontaram. A mais histórica, pró-soviética, foi o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o "partidão", cujo líder foi o mítico Luiz Carlos Prestes, retratado literariamente por Jorge Amado como o "cavaleiro da esperança". Na ala pró-chinesa, veio a surgir o PC do B. Nas últimas décadas, por razões que creio ligadas à descaraterização política do PCB, o PC do B terá passado a ser o interlocutor brasileiro do Partido Comunista Português. 

Contrariamente ao que da designação e da origem se possa deduzir,  O PC do B, aliado de Lula da Silva, está muito longe de poder ser considerado como um partido radical. Quando estive no Brasil, tinha, como líder, Aldo Rebelo, um homem moderado e dialogante, que chegou a presidente da Câmara de Deputados e que, bastante a contento das chefias militares, chegou a ministro da Defesa de Lula. Curiosamente, Aldo Rebelo veio a ser uma das personalidades políticas brasileiras com quem, nesses anos que estive no Brasil, estabeleci melhores relações pessoais, que, no seu caso, chegaram mesmo a um registo de amizade. É uma figura que, ainda nos dias de hoje, convoca imenso respeito e goza de elevado prestígio no país. Nos dias de hoje, deixou o PC do B e está no PDT, o partido criado por Leonel Brizola.

Voltemos ao princípio do texto. Aquela visita de Jerónimo de Sousa a Brasília coincidia, precisamente, com a comemoração do 10 de junho, que a nossa embaixada organizava. Mandei ligar ao PCP, em Lisboa, e pedi que transmitissem a Jerónimo de Sousa o meu convite para estar presente na comemoração, lado a lado com ministros e outras figuras institucionais brasileiras. Infelizmente, fui informado de que a agenda de Jerónimo de Sousa, que só previa escassas horas em Brasília, era incompatível com uma presença no evento. Tive bastante pena, confesso.

Dois dias depois, eu tinha de deslocar-me ao Rio de Janeiro, para uma cerimónia na Academia Brasileira de Letras. Soube, entretanto, pelos jornais, que, duas horas antes dessa sessão, Jerónimo de Sousa ia proferir uma conferência na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a convite do PC do B. Sendo-me de todo impossível assistir a toda a conferência, entendi ser meu dever, como embaixador português, ir cumprimentar o líder do PCP, reiterando-lhe que a embaixada estaria à sua plena disposição para o que de dela necessitasse.

Jerónimo de Sousa, como constatei ser seu timbre pessoal, acolheu-me com grande simpatia, agradecendo muito a minha presença, para ele claramente inesperada. Devo dizer que pressenti que ficou surpreendido ao ver o principal representante diplomático português naquele país surgir naquele evento. 

A nossa ordem constitucional funciona hoje com toda a normalidade, mas arrisco afirmar, com boa dose de probabilidade, que se devem contar pelos dedos de uma mão, em quase cinco décadas de democracia, as ocasiões em que um embaixador de Portugal esteve presente num evento público em torno de um líder dos comunistas portugueses. Por mim, achei perfeitamente natural fazê-lo e, como é de regra, informei posteriormente Lisboa do facto. Contudo, a distância física não me permitiu assistir ao provável cerrar de alguns sobrolhos. Foi, porém, como compreenderão, o lado para que dormi melhor...

Jerónimo de Sousa é uma figura importante da nossa história democrática. Constituinte de 1976, é totalista de todas as legislaturas parlamentares. Depois de Álvaro Cunhal e de Carlos Carvalhas, teve um longo consulado à frente do PCP. Sente-se que é uma pessoa respeitada pelos seus adversários democráticos - e só esses é que contam. Foi um dos inspiradores da Geringonça, modelo político que apoiou até ao momento em que entendeu que, na relação custo-benefício, o PCP estava a perder com o “negócio”. 

Tenho grande respeito pessoal e político por Jerónimo de Sousa. À sua maneira, dedicou a vida a defender o que considerou serem os interesses dos portugueses. Tenho a certeza de que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa vão sentir saudades políticas de Jerónimo de Sousa.

sábado, novembro 05, 2022

sexta-feira, novembro 04, 2022

Américas


Creio que, na Europa, não existe uma real consciência sobre o que se passa na vida política americana. Dir-se-á que esse é um problema deles. Os quatro anos de Trump provaram que não é assim. A crispação entre Republicanos e Democratas acarretará consequências para a Europa.

Há hoje duas Américas e as pontes entre elas são muito frágeis. Há relevantes setores do Partido Republicano, com suporte na opinião pública, que continuam a entender que a eleição de Joe Biden foi uma fraude.

Se, como tudo indica, os Republicanos vierem a ganhar as eleições na Câmara dos Representantes, no dia 8 de novembro, há sinais de que poderão iniciar um processo de “impeachment” a Biden, sob um pretexto qualquer, para “vingar” a derrota de 2020.

Embora as possibilidades de afastamento de Biden sejam remotas, o desgaste e fragilização que um processo de “impeachment” provocará terão forte um efeito negativo sobre a sua autoridade política, nos dois anos anos que lhe restam de mandato.

O re-surgimento de Trump, até ao final do ano, como putativo candidato republicano, no caso de uma derrota clara dos democratas nas “midterm elections”, é uma forte possibilidade. Nada indica que, no campo republicano, qualquer outra opção tenha hipóteses.

Na área democrática, a tradição manda que ninguém se oponha a um presidente em busca de reeleição. Mesmo que Biden pareça hoje cada vez mais frágil, e as eleições confirmem isso, só um “landslide” catastrófico poderia abrir caminho a outro nome.

A Europa tem de começar a pensar que um cenário americano de novo com Trump não é implausível. E, por isso, vai ter de fazer pela vida. Será capaz?

Comum, não única

Há por aí uma confusão que os alemães se estão a encarregar de esclarecer. Aquilo que se afirma como “política externa e de segurança” na Europa é aquilo que é “comum”, isto é, com que todos concordam. Não há uma política externa “única”, salvo quando todos concordarem.

Ucrânia

Zelensky afirmou que Ucrânia não irá à reunião do G20 na Indonésia se a Rússia estiver presente. É compreensivel, mas convem notar que a Ucrânia não faz parte do G20 e era apenas um país convidado. “Just for the record”.

Itália no “Clube de Lisboa”

 


Daqui a poucas horas, 30 minutos com o essencial.

“A Arte da Guerra”


“A Arte da Guerra”, cerca de meia hora de conversa semanal, com o jornalista António Freitas de Sousa, sobre temas internacionais, para os meios digitais do “Jornal Económico”, aborda esta semana a eleição presidencial no Brasil, as expectativas nas “midterm elections” nos EUA e as resultantes, em termos de futuro governo, das eleições legislativas que acabam de ter lugar em Israel. Pode ver e ouvir clicando aqui.

Prova fotográfica


Geraldo Alckmin, o nome que Lula foi buscar para vice-presidente, é um homem afável, uma figura serena, com muito bom “trânsito” (a expressão é brasileira) em vários meios sociais e políticos. 

Disputou contra Lula as eleições presidenciais de 2006, com os debates televisivos a processarem-se com elevação, não obstante as picardias próprias desse tipo de ocasiões. Médico de profissão, regressou à vida comum depois de sair dos anteriores cargos políticos, o que muito lhe preservou a imagem. Foi um claro valor acrescentado para a candidatura de Lula.

Aquando dessa eleição de 2006, Alckmin veio a Portugal, numa deslocação pela Europa. E pediu para ser recebido pelo primeiro-ministro José Sócrates. 

Lisboa consultou o embaixador em Brasília: devia o primeiro-ministro português receber, em audiência, o opositor do chefe de Estado brasileiro, um presidente que se estava a destacar por uma imensa atenção para com Portugal. Não seria isso considerado, por Lula, um gesto inamistoso? 

Expliquei que não havia maneira de saber, excluindo eu, em absoluto, a hipótese, que nem sequer foi colocada, de se sondar o gabinete de Lula a esse propósito. Essa teria de ser uma decisão nossa.

Disse "a Lisboa" que o primeiro-ministro português não podia deixar de receber o candidato do partido de Fernando Henrique Cardoso. Alckmin era um democrata que, no termo da eleição, que tudo indicava, aliás, que ia perder, representaria quase metade do eleitorado brasileiro, no qual se inseria uma parte significativa da comunidade portuguesa ou luso-descendente.

Lisboa - “Lisboa” é aqui o símbolo do meu interlocutor de então, pessoa que, confesso, já nem sei quem foi - questionou: “Mas não será desagradável para Lula deparar, nos jornais, com uma fotografia de Sócrates e Alckmin, a cumprimentarem-se com sorrisos, a poucos dias das eleições?”

Tive que concordar que sim, da mesma maneira que também achava inevitável que o encontro tivesse lugar. E, nesse instante, tive uma ideia: “Não deixem entrar fotógrafos”. E assim aconteceu…

quinta-feira, novembro 03, 2022

Onde isto chegou!


Numa rede social cujo nome, de momento, me escapa, acabei de ler isto. É a prova do ambiente de degradação cívica que atualmente se vive no parlamento francês.

Listen…


A república de Listenburgo começa, finalmente, a ter o devido reconhecimento internacional. Depois das manifestações por parte da Sildávia e da Bordúria, espera-se, a todo o momento, uma reação por parte dos pujantes Estados de Khersen e de Zaporizhzhya. (Ver o governo aqui: https://listenbourg.org). A mim, confesso, continua a preocupar-me a difícil gestão da fronteira entre Portugal e Listenburgo, situada perto das Fisgas de Ermelo.

Quem seria?

“Every politician in the world knows who committed sabotage in the Baltic Sea against the Nord Stream and Nord Stream 2 gas pipelines, but everyone hypocritically stays silent” disse o presidente sérvio Aleksandar Vucic.

A Dinamarca e a Suécia, junto de cujas costas passam os gasodutos, fizeram já uma apuração de responsabilidades, mas, estranhamente, recusam-se a divulgar as conclusões a que chegaram. Por que será?

Israel

Em Israel, tiveram lugar as quintas eleições legislativas em pouco mais de três anos. O sistema político israelita exige apenas 3,25% dos votos para que um partido possa estar representado no parlamento, o que faz que haja um imensa fragmentação partidária, obrigando, desde sempre, a governos de coligação. A estabilidade política ressente-se imenso, mas obviamente que não haverá nunca um entendimento maioritário para mudar esse ponto da lei, porque, ao fazê-lo, alguns partidos “suicidar-se-iam”.

Um dia, comentei esta bizarra situação com uma judia americana que vivia em Israel. Achei curiosa a resposta que me deu. Na sua opinião, o sistema israelita acaba por ser muito mais democrático do que o sistema americano. Neste último, uma qualquer causa temática que se procure impor, no seio de um dos dois grandes partidos, tem uma grande dificuldade em ser acolhida, por se perder na amálgama daquelas grandes máquinas. 

Em Israel, há partidos “de causas”, até de micro-causas. Desde que obtenham aquela base mínima, essa causa passa a ter voz no parlamento. Mas, claro, não podia deixar de reconhecer que havia o outro lado da moeda, a instabilidade por esse motivo induzida na governação do país, pelo facto de ter praticamente deixado de haver grandes partidos.

quarta-feira, novembro 02, 2022

“It’s the economy, stupid!”

Jair Bolsonaro re-emergiu nas redes sociais. Num tom sereno que não costuma ser o seu, falou para os manifestantes que saíram às ruas, a apelar à reversão do resultado das urnas, que não fizessem bloqueios nas estradas, os quais provocaram, em três dias, imensos prejuízos, lançando um ambiente de desordem e tensão, fora da legalidade, por todo o pais. Bolsonaro acabou por ser sensato? É bom que as pessoas tenham consciência que, se o presidente cessante tivesse, de imediato, reconhecido a sua derrota, nada disto se teria passado. Fê-lo agora sob pressão dos aliados e dos meios económicos, prejudicados nos seus interesses pelo bloqueio das estradas. 

(Dei a este texto o título de “It’s the economy, stupid!”, mas não tenho a certeza de que algumas pessoas saibam que esta é uma frase que ficou histórica, há precisamente 30 anos, por parte de um assessor de Bill Clinton, James Carville.)

Brasil

Amigos brasileiros mostram a sua surpresa ao terem conhecimento de que as televisões portuguesas estão a dar uma imensa cobertura à situação política no Brasil. Não conseguem perceber porquê, tanto mais que isso nunca aconteceu no passado. Eu sei por que é, mas não lhes digo.

Bolsonaro

Ao não reconhecer explicitamente a derrota, aceitando, contudo, que se inicie o processo de transição institucional, Bolsonaro pretende evitar que os seus apoiantes o vejam “deitar a toalha ao chão”. No fundo, é uma postura “à Trump”, tentando garantir-se como líder futuro da oposição “de direita”. Há, porém, uma sensível diferença, face ao caso americano: na América, o Partido Republicano é só um, no Brasil há uma constelação de formações, parte das quais poderão realinhar-se com o novo poder.

O novo Brasil

A assunção de uma postura de abertura e responsabilidade na sensível questão climática , nomeadamente no tocante à Amazónia, por parte de Lula da Silva, mesmo a montante da sua tomada de posse em 1 de janeiro de 2023, pode garantir-lhe uma visibilidade positiva da maior importância, prenunciando o regresso do Brasil como ator internacional. Mais complexa será a gestão da atitude futura da nova administração face à questão ucraniana.

Coreia

Um desafio estratégico cada vez mais complexo é o comportamento errático da Coreia do Norte, com posturas militares provocatórias, não apenas face ao seu vizinho do sul mas, igualmente, no tocante ao Japão. Torna-se difícil, para os interlocutores, gerir a imprevisibilidade do seu líder, tanto mais que não surge, da sua parte, um corpo coerente de propostas em que possa assentar uma discussão racional.

terça-feira, novembro 01, 2022

À vida…

Quando Getúlio Vargas se suicidou no Catete, deixou escrito, numa frase de compreensível vaidade: “Saio da vida para entrar na História”. Bolsonaro, se alguém o tivesse ensinado, poderia ter dito: “Saio da História e regresso à vida”. É que ele foi, de facto, à vida…

As Forças Amadas do bolsonarismo

 

Re-Obama?

Barack Obama mostra-se tão, mas tão, entusiasmado em empunhar, por estes dias, a bandeira dos democratas americanos que muitos, na América, perguntam-se se uma candidatura presidencial da sua mulher, Michelle, não poderá ainda vir a estar nas contas de 2024. E isto apenas porque, contrariamente ao Brasil, a Constituição americana impede mais de dois mandatos.

Um herói improvável

A democracia brasileira pode ter ficado a dever a sua preservação a um homem de coragem, o juíz Alexandre de Moraes. Daqui a uns anos, assente que seja a poeira levantada por estes tempos desaustinados, os livros de História talvez venham a reconhecer isso.

segunda-feira, outubro 31, 2022

Lula e o traumatismo ucraniano


O mundo ocidental reagiu positivamente à vitória de Lula. Trata-se de alguém reconhecido como nunca tendo posto minimamente em causa a estabilidade democrática, no seu país, nos oito anos em que passou pelo poder. Alguém que, durante esse período, levou à prática, sem a menor turbulência, um corpo de políticas sociais sensatas, que as instituições internacionais reconheceram ir no sentido certo. Alguém que desenvolveu uma ação externa tida como altamente responsável, quer bilateralmente, quer nos quadros regionais ou multilaterais em que se envolveu. 

Muitos, inevitavelmente, continuarão a alimentar para sempre reticências sobre o seu percurso controverso pelos terrenos da justiça: essa é uma sina que não o abandonará, para sempre. O efeito Bolsonaro foi, contudo, tão negativo, tendo tornado de tal modo infrequentável o Brasil por todos estes anos, que o regresso de Lula ao Planalto, através da legitimação pelo voto, como que acaba por absolvê-lo em definitivo, sendo uma notícia a festejar.

Este ambiente vai manter-se? Posso estar enganado, mas não é de excluir, em absoluto, que esta possa ter sido uma alegria breve, em que emergirão “mixed feelings”. Por que é que digo isto? Porque o mundo em que o Brasil de Lula se moveu, entre 2003 e 2011, já não existe, nos seus equilíbrios básicos. O tempo sereno dos BRICS e do IBAS, dos abraços à hora do café do G7, dos consensos fáceis no G20, já lá vai. Hoje, há por aí uma guerra, sedeada na Ucrânia, na qual os EUA, os seus amigos íntimos europeus e outros Estados dependentes estão de um lado e, do outro, está uma Rússia acossada, com grande parte do sul a abster- se de tomar posição. 

Para os EUA, bem como para uma União Europeia que hoje vive sob a sua, uma vez mais óbvia, tutela de segurança, não parece haver espaço para dúvidas: quem não está por nós está contra nós. A Lula, que já emitiu sinais de que o seu Brasil desejaria poder permanecer sobre o muro (nisso não diferindo muito dos sinais emitidos por Bolsonaro), apoiado em alguma ambiguidade, vai ser pedido, seguramente, que desça dessa posição equívoca e que diga, com total clareza, em qual dos dois lados se situa. Posso estar enganado, mas a diplomacia brasileira vai, nos tempos mais próximos, ser sujeita a um traumatismo ucraniano.

Entre bênçãos

Custa-me dizer isto com esta crueza, mas, por muito que entenda que a eleição de Lula foi um facto imensamente positivo para o Brasil, sinto que o afastamento de Bolsonaro foi uma benção ainda maior - para o Brasil e para o mundo.

Brasis

Lula faz muito bem em sublinhar que “não existem dois Brasis”. É que alguma narrativa “sulista”, azeda com a derrota, que se observa em setores preconceituosos do Rio ou S. Paulo, sustenta que este é um presidente “nordestino”.

Números

1,8 % de votos foi a percentagem que separou Lula de Bolsonaro. Foi muito próximo? 

Em 1974, Giscard ganhou a Mitterrand por 1,62%. 

E, já em 1960, Kennedy tinha ganho a Nixon por 0,17%. 

Bizarro, mas são as consequências do sistema, foi, em 2000, Bush filho ter derrotado Gore, embora este tivesse obtido mais 0,5% de votos.

domingo, outubro 30, 2022

… e foi assim!

 


É tudo muito simples


O general Villas Boas foi a figura militar que, na ascensão de Jair Bolsonaro, teve o papel central na mobilização dos “impedidos” castrenses que acolitaram o candidato. Sabia-se, no essencial, o que pensava. Agora, numa implícita assunção da iminência de uma derrota, Villas Boas colocou um texto no Facebook que é auto-explicativo, pelo que recomendo muito a sua leitura.

Feliz


Há coisa melhor do que castanhas e uma ginjinha? Pode haver, mas quando se anda pela Baixa lisboeta, com o Outono a sentir-se no corpo, comprar uma dúzia de castanhas assadas, embrulhadas em cartuxo de jornal velho, ir medindo o passo até não sobrar mais nenhuma (com irritação breve, quando alguma sabe a “má”) e, por fim, coroar tudo numa ginjinha (com elas) no largo de S. Domingos é, para mim, a definição de tempo feliz. Mas será talvez defeito meu, que me contento sempre com pouco…

“A Mesa”

 


Quem estiver interessado em conhecer o restaurante de um novo hotel em Lisboa - “Restaurante de hotel? Que horror!”, já estou a ouvir - deve clicar aqui. Podem guardar o preconceito, porque é um sítio recomendável, a preços razoáveis. 

Como “brinde”, faço no texto um guia rápido da restauração que acho que vale a pena na zona Lapa / Estrela / Santos / Madragoa.

sábado, outubro 29, 2022

Mil Lulas

Depois do debate de ontem entre os dois candidatos presidenciais, é-me algo penoso escrever sobre o momento político no Brasil. Não tenho a mais leve dúvida de que a derrota de Bolsonaro é, a grande distância, o melhor que pode suceder. Contudo, o que se passou naquelas quase três horas foi um espetáculo político lastimável, ajudado pela incompetência que desenhou um modelo de debate feito por uma cobarde abstenção jornalística. Linguagem baixa, insultos, demagogia, populismo, mentiras repetidas e ausência total de novas ideias foi o que se ouviu e viu. Bolsonaro é o “grau zero” da política e é um susto (e também uma imensa tristeza) pensar que metade do Brasil parece disposta a dar-lhe uma oportunidade para renovar o mandato. Lula é um figura do passado, que apela incessantemente à memória dos anos dourados, em que uma muito diferente conjuntura económica e política lhe permitiu inegáveis brilharetes. Agora, parece cansado e sem trazer nada de novo. Mas não caiamos na tentação simplista de dizer “venha o diabo e escolha”. Não! Face ao patético ocupante atual do palácio do Panalto, apetece-me dizer como os maoístas: que mil Lulas floresçam!

sexta-feira, outubro 28, 2022

A Ana do Poço

Fala-se por aí bastante da “Ana dos Olivais”, que me dizem que saiu do Poço, deduzo que do Bispo. Não conheço. Mas, ali perto, recomendo muito a ”Delícia de Moscavide”. Aqui fica a lista de hoje.


António Costa

Faço parte das pessoas - e somos bastantes, a maioria, como se tem visto - que vivem muito confortáveis com o facto de António Costa estar hoje a liderar o governo. Não vislumbro, no “mercado” político doméstico, ninguém que junte em si mais qualidades para gerir o nosso país. 

Não esqueço, e agradecerei sempre, a serenidade firme com que nos conduziu durante a pandemia. O peso que tem vindo a ganhar no plano europeu - um prestígio cujos efeitos desejo que se esgotem exclusivamente no plano nacional - é a prova provada do seu êxito. 

Até na gestão do “tandem” que tem feito com o presidente da República, dossiê bastante mais complexo do que parece, António Costa tem revelado uma sábia habilidade. E faço parte de quantos valorizam bastante este último conceito.

Chegado a este ponto, os leitores devem estar à espera daquela frase com que os ingleses relativizam o que acabam de afirmar: “Having said that…” Ela aqui vai: não aprecio, mesmo nada, o tom que, crescentemente, António Costa tem vindo a adotar nas suas intervenções parlamentares. 

Era expectável que, com o reforço de dois partidos da direita radical nas últimas eleições, o parlamento entrasse em crescente crispação. Com ambos a apelar ao pior dos sentimentos dos portugueses - um pelo populismo mais baixo, outro pela arrogância a-social -, posso perceber que António Costa se sinta frequentemente irritado e propenso a uma reação vocal mais robusta. Mas é aqui que reside o seu erro. 

O primeiro-ministro de Portugal deve demonstrar, em todas as ocasiões, que se recusa a descer ao patamar dos preconceitos, rasteiros ou sobranceiros, com que aqueles grupos de representação ideológica extrema ali sustentam as suas intervenções. Fazê-lo é entrar numa chicana que só confere visibilidade e relevância a quem procura ganhar protagonismo à sua custa. 

Tratá-los com educada frieza de Estado, oferecendo-lhes os mínimos de tratamento democrático, deveria ser a posologia a adotar. É que, contrariamente ao que as Seleções do Reader’s Digest defendem, rir, mesmo que deles, nem sempre é o melhor remédio.

Esta é a minha opinião. E, pelo que vou ouvindo, não estou sozinho, mesmo em quantos, como eu, continuam a apreciar muito António Costa.

… mas faz!

Nas últimas horas, começa a ser estranha a ausência de um abaixo-assinado aplicando a Oeiras o velho lema de Ademar de Barros. Receio ver vários conhecidos a subscrevê-lo.

Brasil

Pergunto-me se alguns amigos que, no Brasil, tiveram a experiência de viver os oito anos em que Lula esteve no poder acreditam, com sinceridade, que uma eventual nova vitória deste vai descambar numa inevitável “venezuelização” do país. 

E pergunto-me, ainda mais, se acaso eles se sentem confortáveis com o facto de Bolsonaro poder vir a continuar a ser a ”cara” do seu país pelo mundo.

Nova China

O conteúdo, deliberadamente divulgado, da conversa telefónica entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da China revela que o tom com que, no XX Congresso do PC chinês, o ocidente foi tratado está já a ter uma tradução concreta na política externa de Pequim. 

“À suivre!”

quinta-feira, outubro 27, 2022

“A Arte da Guerra”


Com o jornalista António Freitas de Sousa, em “A Arte da Guerra”, uma produção audiovisual do “Jornal Económico”, faço esta semana um balanço do congresso do Partido Comunista chinês, analisámos o governo de Giorgia Meloni em Itália e as escolhas de Rishi Sunak, o novo chefe do governo britânico.

Pode ver aqui.

Terapêutica experimental


Se a combinação experimental de Bushmills e Azitromicina que estou a fazer, para curar uma quase afonia, vier a dar resultado, inscrevo-me para o Nobel da medicina e para os World Whiskeys Awards...

Pontualidade


Há pouco, no Facebook, chegou-me um pedido de “amizade” de um velho amigo brasileiro, René de Mesquita Júnior. 

Sei lá bem porquê, lembrei-me de uma historieta antiga.

Era na Noruega, creio que em 1980. Um colega, diplomata brasileiro, ia regressar ao seu país. Havíamos decidido fazer-lhe, em nossa casa, uma festa de despedida, com colegas de outras nacionalidades, além de seus conhecidos locais. 

Acontece que ele era famoso pelos seus históricos atrasos, em todos os jantares e atos sociais para os quais era convidado. Numa certa “tradição” brasileira...

(Uma grande tolerância em matéria de horários, em ocasiões sociais, faz parte dos hábitos brasileiros. Aprende-se a viver com ela e, no Brasil, é essencial interiorizá-la, saber interpretá-la e segui-la. Recordo-me de, pouco tempo após a nossa chegada ao Brasil, termos sido convidados para uma festa de aniversário. Era uma sexta-feira ou um sábado, dias da semana em que a flexibilidade nos horários costuma ser ainda maior. O convite dizia 20.30. "Maçaricos" das práticas locais, chegámos cerca das 20.40. Entrámos na sala vazia, onde ficámos por cerca de dez minutos, sendo servidos de uma bebida pelos empregados. Chegaram entretanto outros convidados? Não, chegou o dono da casa, pedindo desculpa pela sua mulher, que ainda não estava "arrumada". Todos os convidados, vá lá!, antecedidos da pessoa aniversariante, chegaram bem depois das 21.00. Foi uma instrutiva lição!)

Só que nós não estávamos no Brasil. Estávamos na Noruega. E, na Noruega, os convidados costumam entrar nos jantares ao bater da badalada da hora que está escrita no convite. Nem um minuto mais tarde. E os restantes colegas diplomatas, se bem que sem o rigor local, iriam chegar, seguramente, dentro dos quinze minutos posteriores a essa hora.

Ao organizar a festa, começámos a preocupar-nos: se o nosso amigo brasileiro mantivesse os seus hábitos, isso quereria dizer que chegaria muito depois dos convidados para a sua festa, o que era um pouco desagradável, até para ele próprio. E dissemos-lhe isso mesmo. Ele assegurou que não, que dessa vez faria um esforço para vir a horas. Mas nós não acreditámos. "Old habits die hard". 

(De uma coisa tinhamos a certeza: aquele amigo iria chegar no seu carro, de um amarelo feiíssimo, como ele próprio reconhecia, ao ter atribuído à viatura o perfumado nome de “P…o”. Ele explicava porquê: “Só o dono é que gosta!”)

No dia da festa, o nosso amigo brasileiro chegou... com 20 minutos de atraso! Desfez-se em desculpas. Nós sorrimos: ainda ninguém tinha chegado! Nos convites enviados aos convidados tínhamos informado que os esperávamos... meia-hora depois daquela hora a que tínhamos dito ao nosso amigo brasileiro que a festa começaria.

Lembras-te, René? 

Um abraço aí para o Brasil! E vota bem, no domingo! Queres beber um copo, no Rio, no dia 6 ou 7 de novembro? Vou estar aí.

Clareza

Fernando Henrique Cardoso decidiu anunciar hoje o seu voto em Lula, na eleição do próximo domingo. Um estadista percebe bem a distinção entre o essencial e o acessório.

Os bois pelos nomes

Respeito muito quem, à direita, se afirma, sem disfarces, de direita, não se refugiando no “centro-direita”. Mas respeito ainda mais quem, estando à direita, trata, sem rebuços, a extrema-direita por esse nome: Trump, Bolsonaro, Meloni, Orbán, Ventura, Abascál, Le Pen.

Diversidade

Num programa humorístico americano, ouvi há pouco uma (provável) incómoda verdade: muitos britânicos votaram a favor do Brexit pelo seu horror a “descaraterização” do Reino Unido, provocada pela imigração. Agora, poucos anos depois, um “brown” (é o termo usado para si mesmos pelos próprios indianos do RU, sem o menor sentido pejorativo) surge como seu primeiro-ministro.

Atrás dos factos

As revistas semanais que assino, portuguesas e estrangeiras, contam cada vez menos para a informação sobre a atualidade, salvo através dos seus “sites”. Hoje, a sua eventual relevância assenta, essencialmente, na reflexão “não perecível” pelo tempo que nos consigam trazer, que vá para além da “espuma das semanas”. O excelente “The Economist”, que persiste bastante no acompanhamento do quotidiano, tem tido semanas de tragédia, correndo atrás dos factos.

quarta-feira, outubro 26, 2022

Quarta-feira santa

Não há quarta-feira santa? Passa a haver. Hoje, decidi nada colocar por aqui. É que há dias tão cheios, tão cheios, em que as tarefas se sucedem e se acumulam que acabamos por quase não ter tempo para uma coisa simples e sem a menor importância como é fazer um simples texto para um blogue. Criei hoje um feriado nesta dimensão lúdica da minha vida. Até amanhã.

terça-feira, outubro 25, 2022

O teatro do sorriso


A imagem de marca de Rishi Sunak era o seu sorriso. Mesmo nos tempos duros do Covid, quando por ele passaram as medidas com que o governo de Johnson tentou atenuar os efeitos negativos da pandemia na vida económica e social do Reini Unido, Sunak, para surpresa de muitos, manteve, em geral, um sorriso aberto, completado por um certo “boyish style”, até no modo desengonçado de andar.

No caminho político para Downing Street, nos últimos dias, Sunak não tinha abandonado o seu sorriso e esse seu estilo. 

Isso só veio a acontecer hoje. A coreografia da sua chegada ao nº 10 foi precisa, desenhada ao milímetro. Desde o momento em que saiu do carro até que entrou na porta negra, passando por todo o tempo do discurso, o seu registo facial endureceu. O passo perdeu a jovialidade quase adolescente. Sunak ganhou ”gravitas”. Era preciso transmitir ao país um ar de Estado. O sorriso aberto podia revelar ligeireza. Como a “profund economic crisis” a servir de pano de fundo à sua ação, Sunak pôs o sorriso de lado e tornou-se mais grave. Era expectável? Talvez. O contraste revela algum artificialismo, mas, também, um certo profissionalismo.

O teatro ao serviço da política.

Russos lá por casa


”Vou aí falar com os russos”. Quem me dizia isto, de Lisboa, pelo telefone, era o meu colega António Monteiro.

Eu estava então em Londres, na nossa embaixada, nessa primeira metade dos anos 90. A discreta conversa que ele ia ter com uma delegação russa, vinda expressamente de Moscovo, era sobre Angola, nesse tempo em que Portugal estava a ter um papel central nas tentativas para a paz naquele país, tarefa de que António Monteiro foi o grande obreiro negocial, no caminho para o Acordo de Bicesse.

“Tens de nos arranjar um lugar calmo para a conversa”, disse-me o António. A minha sugestão de que fosse na embaixada não lhe pareceu uma boa ideia. “Pensa numa outra solução!”

O António chegou no dia seguinte. “Então onde é que podemos reunir?” Em minha casa, sugeri, num pequeno almoço de trabalho. 

António Monteiro achou bem. Era preciso avisar os russos: lembro-me de termos ido deixar o meu endereço num hotel num “crescent” onde eles se instalavam, perto de Marble Arch.

Como a minha mulher estava em Portugal, fui eu quem deu as instruções práticas à nossa empregada para preparar as coisas para o pequeno almoço, no dia seguinte. Só que quando lhe disse que, além de três portugueses, ia haver na mesa três russos, foi o bom e o bonito! 

A Adelaide assustou-se: “Vêm russos?” Expliquei-lhe que os russos, ao contrário do que se dizia, não “comiam criancinhas” ao pequeno almoço, pelo que o menu ia ser mais ligeiro. Mas a Adelaide, em face do anúncio da presença dos “vermelhos”, os quais, por essa época, já tinham a sua cor muito desmaiada, mantinha ainda reflexos antigos. 

Na manhã seguinte, sempre desconfiada, lá serviu a reunião. Mas o olhar que deitava aos russos, quando passava o chá, o café ou o sumo de laranja, era digno dos ambientes da Guerra Fria, coisa que ela nem desconfiava que tinha acabado algum tempo antes.

Nos dias que correm, não tenho dúvidas que a boa da Adelaide, uma amiga que ficou em Londres e que nos telefona algumas vezes ao ano, de cujo filho Francisco sou padrinho, deve ser uma fã acrisolada de Zelensky e, lá por casa e para os amigos, deve dizer agora dos russos aquilo que não teve coragem de dizer alto há 30 anos.

Time to go?

 

Que futuro?

 

domingo, outubro 23, 2022

Na morte de um cavalheiro


Com 100 anos completados há pouco, desaparece hoje Adriano Moreira. 

O ISCSP editou, há semanas, um belo livro em sua homenagem: “Adriano Moreira - Para Além da Espuma do Tempo”. Nele se inclui o texto “Pedagogo Inquieto”, da autoria de Paulo Martins, para o qual, com outros antigos alunos de Adriano Moreira, prestei um depoimento que ajuda a recortar a sua figura de professor e dirigente universitário.

Há um ano, já havia deixado aqui o meu testemunho sobre aquele que foi meu professor no final dos anos 60 e que, a partir de então, voltei a cruzar bastantes vezes. Tendo-lhe sido chamada a atenção para o meu escrito, Adriano Moreira teve a amabilidade de me telefonar, há cerca de dois meses, a agradecer a nota. Era já uma voz frágil, débil, aquela que me chegou, transportando palavras simpáticas. Depois de desligar, como muitas vezes nos acontece na vida, tive pena de não ter aproveitado para lhe dizer algumas coisas positivas que recolhera das vezes em que o tivera como interlocutor. E, em especial, de um episódio de que, muito provavelmente, ele próprio já nem se recordaria.

Foi em 1972. Adriano Moreira já havia sido afastado de diretor do Instituto que criara, a escola na Junqueira que tinha procurado converter, de centro de formação para quadros coloniais, numa faculdade de ciências sociais. A vingança política de Marcelo Caetano, pela mão de José Hermano Saraiva, tinha sido exercida sobre Adriano Moreira. Saraiva, como ministro da Educação, tambem não lhe tinha perdoado não ter dado asas às suas desmesuradas ambições académicas. 

Por esse tempo, eu vivia uma situação kafkiana, um impasse absoluto no meu curso, com um processo disciplinar às costas, movido pela sanha persecutória do sucessor de Adriano Moreira no cargo. Sem soluções e sem conhecimentos pessoais, atrevi-me a ir procurar Adriano Moreira. Fui vê-lo à Standard Elétrica, onde era administrador. 

Recebeu-me com muita simpatia. Perguntei-lhe se me podia ajudar. Estava bem informado do meu caso, que era público e notório na escola, reconhecia haver uma forte injustiça na questão que me envolvia, mas disse-me que nada podia fazer: a sua influência, no contexto que me importava, era nula. Percebi a sua posição. O que me aconselhava ele que eu fizesse? “Tente fazer a sua vida por outro lado, deixe que o tempo passe. Melhores dias acabarão por vir, vai ver”, disse-me. Isso coincidia com aquilo que pensava fazer. Empreguei-me, passei a estudante voluntário, o processo contra mim caducou, por falta de objeto, fui entretanto para a tropa e, por lá, apanhei o 25 de Abril. Melhor solução não poderia ter havido.

Tenho pena de nunca ter relembrado este episódio a Adriano Moreira.

Deixo agora o meu sincero pesar à família de Adriano Moreira, na pessoa da sua filha, Isabel Moreira.

sábado, outubro 22, 2022

Hare Krishna

 


Nos anos 60 e 70, os adeptos do movimento indu Hare Krishna apareciam com frequência pelas cidades europeias que eram então os destinos das nossas viagens de juventude. Em Amsterdão, paravam no Dam, em Paris, ocupavam passeios no cruzamento de St. Germain com St. Michel, em Londres, faziam parte do cenário comum em Leicester Square e em Oxford Street. Tentavam recolher apoio financeiro para as suas comunidades, chamando a atenção por uma música dolente e repetitiva, com sonoridade oriental, como suporte de um estilo de vida que se sabia moralista e espartano. Depois de serem a novidade, passaram a banalidade e a fazer parte da paisagem. Ao ponto de já me ter esquecido da sua existência. Mas ontem, lá estava um par deles, à entrada da Rua Augusta. Gosto desta Lisboa muito diversa.

sexta-feira, outubro 21, 2022

“O Padrinho”


Um artigo de Miguel Freitas da Costa, na revista Crítica XXI, dirigida por Jaime Nogueira Pinto e Rui Ramos, tinha-me aberto o apetite para rever “O Padrinho”, um clássico de 1972. Pela noite, o filme surgiu-me no AXN. Fiquei a vê-lo pela madrugada. Continua uma delícia, 50 anos depois. 

Tirei esta imagem com legenda irónica do filme. À direita, surge Marlon Brando. Em destaque, elegantemente penteado como quase sempre acontece no seu perfil de “character” cinematográfico, na figura de um chefe da Mafia, aparece Richard Conte. Ao vê-lo, lembrei-me de uma série televisiva muito antiga, os “Quatro homens justos”. Ainda alguém se recorda disso?

quinta-feira, outubro 20, 2022

Pérfida Albion


Como não será de estranhar, foi um francês, no século XVIII, quem crismou a Inglaterra como a “pérfida Albion”. Por cá, depois da humilhação do mapa cor-de-rosa, às loas ao “mais velho aliado”, que nos tinha poupado do “abraço do urso” de Castela e dos seus sucedâneos, a acidez face a Londres só podia crescer.

Muitos portugueses não sabem, mas quando berram, masoquistamente, “contra os canhões, marchar, marchar!”, estão a entoar uma patriótica corruptela. O texto original era “contra os bretões, marchar, marchar!”. Para os menos iniciados, esclareço que “bretões” não significava habitantes da Bretanha mas, simplesmente, os ingleses.

Não deve haver classe política mais “fria” e “pérfida” do que a britânica. 

Thatcher foi arrumada numa noite de conspiração, substituída por um genérico que dava aos conservadores esse bem essencial que era a continuidade no poder.

Depois de todas as confusões e equívocos de Cameron, com Theresa May de instável permeio, Boris Johnson assegurou, em 2019, uma muito confortável maioria ao seu partido. Mesmo assim, algumas trapalhadas e poucos anos depois, esse mesmo partido pô-lo com dono.

Pela primeira vez na história dos conservadores, o sentimento maioritário no grupo parlamentar, que fora responsável por afastar Johnson, tido como uma “liability” para uma futura eleição geral, não ia coincidir com o dos militantes do partido.

Os primeiros queriam um “safe pair of hands” e, conservativamente, escolheram Rishi Sunak. Os militantes, dessa estirpe de onde saiu o Brexit, preferiram Liz Truss, uma figura que já se revelava patética mas que iria ter os seus quinze minutos de fama (“I guess under this government everybody gets to be prime-minister for 15 minutes”, disse ontem, ironicamente, o líder da oposição, Keir Starmer, citando inviamente Andy Warhol) para ter oportunidade de mostrar, em pleno, o descalabro político que representava.

Pensando ter descoberto a pólvora, com propostas de um radicalismo liberal suicida, Truss acabou por descobrir a porta de saída, em escassas semanas, nem sequer lhe tendo valido o facto de ter presidido a um funeral nacional que lhe poderia ter dado uma unção para a chefia do país.

Os mercados, essa mão visível dos poderes fáticos do mundo, mostraram quem, na realidade, manda nestas coisas e, em especial, explicaram, com a libra a cair e os juros a subir, que, em política, só permanece quem eles entenderem que deve ficar.

Sócrates, por cá, já tinha experimentado a receita, num outro contexto. Truss iria ter um curso acelerado sobre o significado da expressão bíblica “the powers that be”.

Ontem, depois de dias de “facas longas” e de uma demissão artificial de uma ministra, que conseguiu desafiar os limites da deslealdade, a crueldade, associada ao bom senso, puseram Liz Truss fora do jogo.

Agora, temerosos da convocação de uma eleição geral que, tudo o indica, os arrasaria, face a um Partido Trabalhista que sabe que vai ser governo “só não sabe é quando”, como alguém um dia disse por aí, e que se limita a esperar o esboroar do outro lado, os conservadores britânicos vão fazer a sua escolha - desta vez, no seio do grupo parlamentar, porque um regresso à longa consulta da vontade das bases seria a receita para novo desastre.

Quem será o “John Major” de turno? Rishi Sunak, para voltar à “square one” da sua vontade? Penny Mordaunt, para uma mulher com qualidades e algum apelo nas bases, embora muito divisiva entre os seus pares nos Comuns? A opção mais à mão, o atual primeiro-ministro “de facto”, Jeremy Hunt? Ou o ministro da Defesa, Ben Wallace, um nome que reune algum consenso mas com pouco carisma?

Ou, afinal, a “solução” pode ser bem mais simples: o regresso de Boris Johnson, querido das bases conservadoras e que, por vontade destas, nunca teria caído. Quando Johnson se despediu dos Comuns, deixou uma frase enigmática: “Hasta la vista, baby!”. A expressão era de um filme de Schwarzenegger. Poucos notaram que, na película, a ela se seguia outro dito: “I’ll be back!” Boris Johnson poderá querer testar o velho dito: “Atrás de mim virá quem de mim bom fará”.

Logo veremos. Uma grande frieza vai seguramente imperar, desta vez, na busca da melhor solução. Resta saber se quem aí vier terá ainda tempo para conseguir reverter a tendência, que todas as sondagens apontam, no sentido dos trabalhistas virem a mudar, daqui a tempos, para a bancada do governo na Câmara dos Comuns.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...