Passei lá, hoje, naquela pequena praça no centro dos Arcos de Valdevez. E lembrei-me de uma cena, ali ocorrida, vai para 50 anos.
Era um tempo em que rareavam informações escritas sobre os bons restaurantes que havia pelo país. Apenas “A Mosca”, o suplemento que vinha, aos sábados, com o “Diário de Lisboa”, fazia esse “serviço público” sobre a capital e arredores. No resto, vivia-se do “boca-a-boca” de conhecidos, de preferência se fossem conhecedores.
Um dia cinzento de outono, íamos dois casais a passar, de carro, no meio dos Arcos de Valdevez, bem tarde sobre a hora do almoço. Já não dava para ir à “Miquelina”, em Paredes de Coura (onde até o “Conselheiro” já se foi), nem havia tempo para um salto ao “Panorama”, em Melgaço (que também entretanto se esfumou).
Onde diabo se podia comer por ali? Olhei à volta e vi um cavalheiro num passeio. Tive um pressentimento e disse, para quem me acompanhava: “Aquele é o tipo certo para nos indicar o melhor restaurante aqui perto”. Meu dito, meu feito! Saí do carro e fui falar com ele. Um minuto depois, regressei e, com um “já sei!”, arranquei, com um ar decidido, pela estrada para Monção.
Uma onda de curiosidade instalou-se nos meus companheiros de jornada: porquê aquele tipo? Foi então que expliquei, sobranceiro, com uma elaborada sociologia de pacotilha, uma regra acabada de criar, numa ciência gerada por um estado gastronómico de necessidade. Desde então, tenho-a utilizado, em especial no estrangeiro (cá pelo país, já não preciso de indicações), quando, por um qualquer azar das arábias, arribo a uma localidade e não levo comigo um guia de confiança (e não me falem nunca do inútil “Tripadvisor”, por favor!).
Qual é essa regra? Deve perguntar-se um conselho para refeiçoar a alguém que cumule quatro requisitos básicos: que tenha mais de meio século de vida (um saber de experiência feito), que seja gordo ou, no mínimo (como o leite) meio-gordo (há lingrinhas bons garfos, mas são raridades descartáveis), que tenha um ar de pessoa abastada (alguém que tenha cabedais para ir com frequência às boas mesas da sua terra) e, finalmente, que esteja trajado com bom gosto (os abrutalhados, mesmo que tresandem a dinheiro, não servem para este teste!).
De preferência, alguém que ainda use gravata, evitando sempre essa malta modernaça, de camisa aberta até ao oitavo botão, que logo nos recomendará um lugar de sushi e coisas assim, por cozinhar, ou as doses homeopáticas, em pratão imenso, de uma “nouvelle cuisine” para matar cara a fome. Essencial é que seja sempre pessoal que se veja, à légua, que gosta de uma bacalhauzada à maneira, de um bom cabrito, de uns “leves” rojões, de uma feijoada bem apurada, tudo lindamente regado. Gente ainda com aspeto de quem pode facilmente fechar a cena gastronómica com uma bagaceira velha ou um malte de qualidade!
Com os anos, somei um quinto critério, que pode ser cruzado com os anteriores e que, neste período eleitoral em que estamos, talvez convenha ser lembrado: perguntar qual é, na localidade, o restaurante preferido do presidente da Câmara. É que este, por gosto próprio ou por ter sempre de convidar em serviço para sítios decentes, é obrigado a fazer as escolhas mais adequadas. Tudo somado, garanto, nunca falha!
O que é que o homem dos Arcos de Valdevez nos recomendou, naquele dia sombrio? O excelente “Costa do Vez”, onde entretanto regressei mais vezes e que parece que continua a dar cartas por ali. (Hoje, não precisei: vinha de uma bela refeição no magnífico “Carvalheira”, na sua bela segunda encarnação, em Fornelos, na estrada de Ponte de Lima para Braga). E lá continuei, pela lindíssima estrada do Extremo, por este espetacular Alto Minho, que alguns sulistas teimam em ainda não conhecer.