Na República em que vivemos, mesmo contando os momentos de reeleição dos quatro anteriores presidentes (Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco), nenhuma outra campanha terá contribuído mais fortemente para criar um sentimento de irrelevância da função presidencial.
O desinteresse que se instalou na opinião pública em torno da escolha do chefe do Estado tem vários responsáveis e o principal chama-se Cavaco Silva. Foi-o pela forma como se comportou no exercício do cargo (as sucessivas sondagens são inequívocas), em particular neste segundo mandato e, muito em especial, pela sua catastrófica gestão da agenda política em 2015.
Parte da responsabilidade cabe contudo às principais forças políticas. Habituámo-nos ao discurso de que esta eleição é unipessoal, que os partidos políticos surgem apenas como coadjuvantes da vontade dos candidatos. Mas todos sabemos que as coisas, sendo formalmente assim, na prática são diferentes. O envolvimento das forças políticas organizadas é essencial para garantir a mobilização popular que transforma a escolha de uma pessoa e na sua legitimação política pelo sufrágio. E os partidos notaram-se pela sua ausência.
A sucessão temporal entre as eleições legislativas e a campanha presidencial, cumulada com a circunstância da solução governativa ter assumido contornos atípicos, criou uma conjuntura bizarra, a que os partidos não souberam dar a volta. Isso acabou por instalar na opinião pública um alheamento que se somou também à ideia de que estávamos a escolher apenas, perdoe-se-me a simplicidade, “o sucessor de Cavaco”. E isso, percebe-se, não era a coisa mais estimulante do mundo.
Os figurantes não ajudaram? Convenhamos que a direita não tinha muito melhor para apresentar. Na esquerda socialista, as figuras com melhores condições cedo se colocaram fora da contenda e as que apareceram a jogo desempenharam o papel que as circunstâncias permitiram. Nas restante forças políticas com expressão, as escolhas foram “honorables”. E os “espontâneos” e os “cromos” são, hoje como sempre, apenas isso mesmo.
A função presidencial não sai elevada desta campanha. Ironicamente, a responsabilidade de quem vier a ser eleito será grande, porque lhe vai competir – se souber e puder – retomar a importância da instituição Presidência da República no quadro interinstitucional. Se o não conseguir fazer, o risco é claro: é a possibilidade de, no seio das principais forças políticas, vir a gerar-se um consenso no sentido de rever a Constituição, por forma a reforçar o pendor cada vez mais parlamentar do regime, passando o Presidente a ser eleito na Assembleia da República, como acontece, por exemplo, na Alemanha ou na Itália. Ou na Grécia.