segunda-feira, janeiro 11, 2016

Diplomata ... de carreira!


Nem sempre as viagens regulares que, por décadas, fiz entre Lisboa e a minha terra, Vila Real, se passavam placidamente em belas autoestradas, como hoje acontece. Nos dias que correm, quaisquer três horas e pouco são suficientes para o percurso. Nos anos 60, cinco horas era já um verdadeiro "record" do Guiness.

Um dia do início dos anos 80, ao tempo em que vivia na Noruega, li num jornal que a companhia de transportes coletivos nortenhos sedeada em Vila Real, a nossa clássica "Cabanelas", inaugurara uma nova carreira "expresso", anunciada como podendo fazer o percurso a partir de Lisboa em bastante menos de quatro horas. Tratava-se de uma viagem sem paragens e, como imensa novidade para a época, a viatura tinha televisão (é uma força de expressão: só se viam fugazes e difusas imagens, logo entrecortadas por imensos riscos) e uma casa de banho, sendo que esta última era inovação era rara em transportes coletivos do Portugal de então. Numa das minhas deslocações a Portugal, decidi experimentar este "expresso".

Em Lisboa, ao entrar no autocarro, deparei com um motorista conhecido, junto de quem procurei inteirar-me da verosimilhança da informação sobre o "fabuloso" tempo de decurso da viagem. Perguntei então ao homem se sempre era verdade" que faríamos aquele horário ambicioso. O motorista, em voz baixa, foi muito claro: "nem o Sidoninho, se estivesse aqui sentado, conseguiria fazer esse horário". O "Sidoninho" era o Sidónio Cabanelas, conhecido corredor de automóveis, filho do proprietário da empresa, pessoa de quem eu era amigo e que viria a falecer, pouco tempo depois, num cobarde atentado à bomba.

A viagem confirmou-se, realmente, tão rápida quanto a qualidade das estradas de então o permitia. O condutor fez mesmo algumas verdadeiras "loucuras", tentando não se distanciar demasiado do impossível "target" horário que a publicidade da "Cabanelas" promovia. Já a viagem ia adiantada, decidi ir à tal casa de banho  um cubículo ínfimo, que implicava una coreografia complexa, para os motivos que ali nos conduziam. Não atentei, porém, em que parte do percurso estávamos. Ora nós tínhamos entrado, precisamente, numa zona hipercurvosa, à saída do Buçaco. Assim, de pé, naquele estreito espaço, vi-me de repente atirado contra uma das paredes. Mal acabara de conseguir equilibrar-me, logo me senti projetado em sentido precisamente contrário. Fiquei meio zonzo! Não entro em mais pormenores, para que o meu embaraço de então não fique por aqui mais sublinhado...

À chegada a Vila Real, uma hora e tal depois, vinha enjoado, nervoso e cansado, pelo incómodo da viagem e pela angústia que que constantemente sentira, pela pouco razoável velocidade utilizada.

Na cidade, ao sair do autocarro, aguardava-me o meu pai. Viu o meu estado destroçado, sorriu e saiu-se com esta "tirada" que guardei para sempre: "ora aqui está um verdadeiro "diplomata... de carreira"!

Ontem, numa viagem bastante rápida num pequeno autocarro por montanhas da Colômbia, lembrei-me, por qualquer razão, daquele ambicioso "expresso" da saudosa "Cabanelas", a empresa de transportes que, por muitos e bons anos, nos abria as portas de Vila Real para o mundo. Aproveito para enviar um abraço à Márcia, acabado que foi o ano em que perdeu o seu pai e fundador da "Cabanelas" e quando se aproxima a data em que, há 27 anos, perdeu também o seu irmão Sidónio.

22 comentários:

Reaça disse...

Era o papel da multa na A1 Porto-Lisboa, que arbitrava se o Maserati do industrial X bateu o record do Ferrari do empreiteiro Y, que por sinal já tinha ultrapassado o Lamborguini do vinhateiro Z...carago!

Biba a capital do norte!

Parece que agora o que dá é o GPS que nos indica também os caminhos sem portagem.

Abaciente disse...

A morte do Sidónio Cabanelas foi a 28 de Janeiro de 1985, vais fazer 31 anos.

Anónimo disse...

Excelente.

Luís Lavoura disse...

Para além da velocidade excessiva, note-se o tempo excessivo de condução. Atualmente um condutor de camioneta não é autorizado a estar mais de três horas ao volante sem fazer uma pausa de uns quinze minutos (não sei os valores exatos, mas é qualquer coisa assim).

Luís Lavoura disse...

Uma interessante recordação do assassinato, por meio de uma carta-bomba, de Sidónio Cabanelas pelas Forças Populares 25 de Abril.

Gonçalo Pereira disse...

Muito bom! Tenho um incidente semelhante num voo de longo curso durante o qual apanhámos um poço de ar no preciso momento em que me deslocara aos sanitários para fins que se podem adivinhar.
Embaraço é pouco para descrever o incidente.
Um abraço.

ARPires disse...

Revi-me totalmente nesta viagem de peripécias mil.
Mas que boas gargalhadas...
Ainda há gente que acha que se fizeram auto-estradas a mais!... Pois acham porque nunca tiveram de fazer 12 horas (doze horas) para que não haja dúvidas, num autocarro de Lisboa a Vila Real.
Quero deixar aqui a minha gratidão a todos sem excepção que contribuíram para encurtar e unir distâncias.
Falta ligar Coimbra a Viseu em autoestrada para resolver os constrangimentos ainda existentes no IP3.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Luis Lavoura. Eu sei que, para alguns, dá jeito" instrumentalizar tudo o que for possivel contra a esquerda. Mas ficou provado, em tribunal, que a morte de Sidónio Cabanelas nada teve a ver com as FP25, nem com a extrema-esquerda, tratando-se de uma motivação pessoal. Por que diabo tentar distorcer as coisas?

Luís Lavoura disse...

Francisco, não tentei instrumentalizar nada. Que eu saiba, essa morte foi, pelo menos inicialmente, atribuída às FP25. Isto é, se bem me lembro, Não tinha conhecimento de que afinal tivessem sido outros os autores.

Anónimo disse...

Nos dia de hoje, essa viagem faz-se com "uma perna às costas". Com um DVD a passar o filme A Gaiola Aberta, e um pouco mais, já se está em Vila Real. Nem precisa WC...

JOAQUIM BARREIRA GONÇALVES disse...

Belo texto. Parabéns.

JOAQUIM BARREIRA GONÇALVES disse...

Tem razão o Senhor Embaixador.
Ajuste de contas, foi o que foi.

Anónimo disse...

Embaixador, uma correçao, o Sidónio foi assassinado em 85,lembro como se fosse hoje. Nessa época eu andava no 9 ano da Sao Pedro e andava na explicaçao da dona Mariazinha Platas na Avenida, que era como sabe a esposa do Platas das bombas da Bp na Avenida.

Anónimo disse...

Nada de FP 25, quem o matou foi um antigo funcionário da empresa que trabalhava na Lixa.

jose Martins disse...

Senhor Embaixador,
Eu também fiz carreira.... Da minha terra (Gouveia) a Fátima há 67 anos! Não havia estradas alcatroadas e entrava pó por todos os buracos da carripana. Um martírio de carreira que demorou dois dias a chegar à Cova da Iria.
Saudações de Banguecoque
JM

Isabel Seixas disse...

Nós por cá íamos umas "poucas de caminete Chaves Vila Real um ror de tempo", até que encurtassem a distância Chaves Vidago, aí umas duas horas e meia...Ai casa de banho, que luxo bem íamos "apertadas", se fosse o caso, claro.
O post está o máximo.
Oh se subscrevo o comentador ARPires.

Márcia Cabanelas disse...

Francisco
Só hoje li o teu artigo razão por estar apenas agora a agradecer o te lembrares dos meus queridos e saudosos pai e irmão.
Aproveito para prestar alguns esclarecimentos sobre o falecimento do Sidónio.
Foi no dia 28 de janeiro de 1985 que o meu irmão recebeu uma encomenda armadilhada (qualquer individuo que tivesse pertencido aos comandos de Lamego sabia fazê-las, segundo a PJ) enviada por um empregado da zona da Lixa que foi julgado e condenado por um período de tempo muito reduzido. Acabou por ser preso devido a ter usado o mesmo processo para tentar matar tanto a mulher, como um engº que trabalhava na Lixa. É verdade que até aí a policia judiciária dizia umas vezes ter sido as FP-25 de abril, outras a ETA por não se ter pago um imposto revolucionário (devido ao serviço internacional), o que não era verdade, como acabou por ser demonstrado. Alguns jornais da época passavam estas notícias daí a confusão gerada pelas pessoas que retiveram uma informação em detrimento de outra, além de que, já lá vão 31 anos, desde que este triste acontecimento ocorreu.
Quanto ao serviço entre Vila Real e Lisboa olha que foi uma grande inovação na época. Também eram servidas refeições dentro do autocarro, tipo avião, por uma menina destacada para o efeito.
Lamento o embaraço porque passas-te no WC mas ainda hoje o tamanho é idêntico... as estradas é que são muito melhores.
Um abraço .

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Márcia
Sei bem o mês e a data da morte do Sidónio porque é o meu aniversário. Eu estava em Angola e os meus pais não me quiseram dizer isso no telefonema de felicitações, "para me não estragarem o dia". Talvez não saibas que o teu irmão, o meu primo Rui e uns outros tantos, todos como eles mais novos que eu, foram "vítimas" voluntárias de tentativas minhas de "doutrinação" política esquerdista, em madrugadas em casa dos meus pais, andava eu pela universidade e eles pelo liceu. Não consegui "catequizar" nenhum deles, confesso!
Tens razão no serviço alimentar inédito desse "expresso", com uma "menina". Já nem me lembrava! O que talvez não saibas (isto já prescreveu!) é que a jovem se desembaraçava dos restos nos tabuleiros... abrindo a janela! Mas claro que foi uma grande inovação! E quem é que me mandou a mim ir à casa de banho no Buçaco?
Tenho imensas memórias ligadas às camionetes "Cabanelas", de idas e vindas ao Porto, pela estrada velha do Marão, com paragem no largo do Arquinho, em Amarante, para "atestar" uma "sandocha" de carne assada no Príncipe, regada a verde tinto.
Um beijo, meu e da Gina, para ti
Francisco

Márcia Cabanelas disse...

Pois Francisco o meu irmão e o teu primo Rui eram unha e carne. Não sabia das andanças por casa dos teus pais, mas o João Bouquet conseguiu convencer o meu irmão a alguma coisa...pelo menos a ir com ele colar cartazes durante a noite.
Lembro-me de, um dia, a minha mãe ter descoberto na cave lá de casa dentro de um armário uma série de cartazes e ter ficado muito arreliada com a história.
Desculpa lá o "passa-te" em vez do passaste.
Um beijo para os dois
Márcia

Anónimo disse...

Com tanto esclarecimento, até parece que se importou muito com a morte do irmão...

José Carlos Magalhães disse...

Exma. Sra. D Maria Cabanelas

Gostava de expressar a minha tristeza pelo sucedido a seu irmão Sidónio.

Sidónio era um grande piloto, que amava a competição automóvel. Era como disse um grande piloto, do mais leal que havia em pista. Foi uma perda enorme para o automobilismo nacional.

Fiquei muito abalado na altura com o sucedido, e ainda hoje me toca, quando penso no assunto.

Perdoe-me dirigir-me a si, sem nos conhecermos.

Cordiais cumprimentos

Anónimo disse...

Sr. Embaixador, acho que com a idade ficou um pouco equivocado! A referida “menina” não despachava os restos de comida de todos os passageiros pela janela fora, porque a “menina” colocava-os num saco plástico para levar para casa para dar aos seus cães. É que ela não tinha vida de “diplomata” trabalhava desde as 9 horas da manhã e regressava à Vila Real com sorte á 01 da manhã do dia seguinte, sempre a trabalhar continuamente e nesse mesmo dia ás 09 horas partia novamente para outra viagem Vila Real Lisboa e regresso, sempre continuamente só com uma folga semanal que era o Domingo, ganhando o salário mínimo que na altura eram 14 contos! Voltando ao assunto dos restos, a menina aproveitava-os para levar para os cães que tinha em casa se poderem alimentar, pois tinha muito amor por eles, mas não podia conviver muito com eles pelos motivos descritos. Por último o senhor tem razão ela apenas despachava janela fora apenas os restos de um tabuleiro, que era do seu, apenas e digo apenas porque o senhor no final das refeições cospe no prato! E ela tinha nojo de levar os seus restos para os caesinhos! Assinado: “a menina”.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...