sexta-feira, janeiro 15, 2016

Bola ao centro

Recomeça o jogo no CDS. Um novo líder agarra o testemunho de uma formação que o destino condenou a nunca poder ser o maior partido.

Num dia de dezembro de 1974, uma delegação do CDS expôs ao Movimento das Forças Armadas o problema existencial que afetava o partido. O CDS fora estimulado a organizar-se pelo presidente Spínola, Freitas do Amaral integrara o Conselho de Estado, mas o CDS não ingressara nos governos provisórios (não viria a fazer parte de qualquer deles, até 1976). A sua legalidade era indiscutível e o seu programa era compatível com os princípios da Revolução (teria graça relê-lo hoje). No entanto, o CDS defrontava crescentes dificuldades de organização (comícios boicotados, sedes assaltadas, militantes ameaçados), sob a aparente indiferença das forças da ordem.

Recordo bem a intervenção de Vitor Sá Machado: o CDS pretendia acolher quem não se reconhecia à esquerda (na altura, afirmar-se "de direita" era quase tabu), dar a esse setor um espaço democrático de expressão e, por essa via, "servir o 25 de abril”. Porém, para tal, necessitava de saber se as Forças Armadas estavam dispostas a dar garantias para a sua existência, se o partido poderia, ou não, ter condições de se estruturar em liberdade. Deixou subentendido que, se acaso o CDS desaparecesse, haveria o risco de determinados meios mais conservadores poderem optar por se colocarem violentamente fora do sistema

A delegação do MFA era chefiada pelo (então) tenente-coronel Franco Charais (eu estava lá como militar). Assegurou que o CDS tinha todas as condições para continuar a existir, parte das dificuldades do partido deviam-se ao facto de muitos dos seus aderentes serem antigos apoiantes da ditadura. Fixei uma frase: "Um outro partido de direita, como o PPD, também tem esse problema"...

O CDS fez entretanto o seu percurso. Enquadrou o desespero dos "retornados", escapou à "poluição" das derivas bombistas do MDLP e do ELP, conjugou verdadeiros democratas com reacionários assumidos. Integrou governos, esteve em riscos de apagamento parlamentar (fase do "taxi"), vagueou por lideranças contraditórias. Foi do federalismo europeu ao discurso eurocético radical, da democracia cristã ao neo-liberalismo. Defendeu pensionistas e justificou os cortes que os atingiram, diabolizou os impostos e subscreveu a mais violenta carga fiscal. Às vezes, as caras que titularam essas fases políticas foram diferentes, outras vezes, o mesmo figurante fez os dois papéis.

Uma coisa o CDS nunca fez: assumir causas de extrema-direita, xenófobas, racistas, ultra-securitárias ou discriminatórias, nomeadamente no plano religioso. Só podemos esperar que a nova liderança seja digna deste património.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

8 comentários:

Anónimo disse...

E agora até se reclamam de anti Salazaristas acusando a esquerda de defender uma estrutura “criada” por Salazar, que eles (CDS de Portas) querem destruir, quanto mais não seja por ser Salazarenta!
Isto não lembra ao diabo (independente)…
Não entendo, também, por quê que ainda não propuseram a demolição da ponte! Estará alguém, aí de Lisboa, a mamar?…
Onde se pode chegar…
O Duriense

Anónimo disse...

A descrição que faz do CDS é exatamente a descrição que faço de PP.

Ajeita-se conforme a conveniência do momento.

Como pode um partido, ao longo de 40 anos, ser tão antagônico?

Anónimo disse...

Ò Embaixador, sei que tem uma enorme inteligência, mas por vezes e desculpe o termo falta-lhe alguma honestidade intelectual. Atenção que sou uma pessoa de esquerda, de esquerda mesmo, não daquela que também cheira a bidé miguelista que é aquela esquerda que nada se diferencia da direita, falo daquela esquerda elitista que muitas vezes começou lá no MES e no MRPP e que depois deram em elitistas anos mais tarde, muitas vezes mais reacionários que os ditos da direita. Mas dizia eu, quando fala ai nos programas de 74, por acaso eu até possuo nos meus arquivos e que pertencia ao meu Pai a declaração de principios de 1973 do PS, sei que nessa altura o senhor ainda andava pelos partidos da moda, e lá está entre outras coisas com quem Portugal deveria ter relações privilegiadas e era com a URSS, China e por ai vai. Acho desonesto intelectualmente falar de programas dos partidos em 74 ou 75. Como digo, sou de esquerda, mas da esquerda que não tem vergonha das nacionalizações, da esquerda que não dá a mão aos capitalistas contra os trabalhadores, da esquerda que não privatizou de forma vergonhosa como no tempo do Guterres, de modo a prejudicar o Estado em favor dos capitalistas, quem não se lembra de um tal Pina de Moura, outro embuste que andou camuflado no Partido Comunista e que hoje lambe as botas aos capitalistas.

aamgvieira disse...

Não sendo de esquerda, concordo plenamente com o texto do Anónimo das 11:44.

As novas gerações, não sabem o que se passou no PREC, os "iluminados" seguidores das ondas-da-altura.

Muitos deles ainda andam por aí no actual Governo, outros conformam-se com a babugem !

Retornado disse...

O CDS e todos os partidos portugueses têm cada um as suas zonas de conforto.

O CDS snte-se bem especialmente em Trás-os-Montes e Alto Douro.

Terras de Guerra Junqueiro e Adriano Moreira e de muitos Retornados.

aamgvieira disse...

"O IGCP veio esta semana colocar uma etiqueta de preços na política de António Costa: são 11 mil milhões de euros."

Anónimo disse...

O retornado, conhece muito mal o País. Em Trás os Montes o CDS nem tem uma votação por ai além, lá que me diga ali na região de Aveiro, E em algumas zonas do Minho talvez.

Retornado disse...

O anónimo das 10.34 deve ter razão, pelo menos no que toca a conhecer mal o país.

Conheço de facto melhor é os portugueses, principalmente os portugueses retornados como eu.

E também os emigrados...como eu fui.

De facto a maior número de retornados foram de origem transmontana, e foi isso que me levou ao engano.

Eu devia falar só do que sei, e sei que os retornados em maioria íamos pelo cds do Adriano Moreira.

Conhecemos em Luanda Adriano Moreira como M. do Ultramar, figura simpática, orgulho dos imensos transmontanos de Luanda.

Eram os melhores que o Estado Novo escolhia, ouro 24 K.

Obrigado, anónimo

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...