quarta-feira, maio 22, 2024

Ubiquidade afetiva


Marcello Duarte Mathias é um diplomata português, reformado. Politicamente, é um homem assumidamente conservador, tendo Franco Nogueira como uma das suas grandes referências. Era diplomata na embaixada de Portugal no Brasil, ao tempo do 25 de Abril. Integra uma família que tem diplomatas em várias gerações, a começar no seu pai, ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar. Tem vasta obra publicada e é, reconhecidamente, uma das melhores "penas" oriundas do Palácio das Necessidades. 

Amândio Silva, que nos deixou há três anos, vivia exilado no Brasil, ao tempo do 25 de Abril. Havia sido combatente na luta contra a ditadura, tendo estado envolvido na Revolta da Sé e feito parte da LUAR, sendo um dos operacionais do sequestro político do voo da TAP entre Casablanca-Lisboa, em 1961. Nos anos 80, foi conselheiro social na embaixada de Portugal em Brasília. Até ao fim dos seus dias, em 2021, esteve envolvido numa multiplicidade de iniciativas para a promoção das relações luso-brasileiras. 

Não sei se Marcello Mathias alguma vez se cruzou com Amândio Silva. Conhecendo-os a ambos, de uma coisa estou em absoluto seguro: em termos políticos, não podiam ser duas pessoas mais diferentes. 

Marcello Mathias lançou hoje, em Cascais, mais um volume de seu diário, que foi apresentado por José Pena do Amaral. As memórias de Amândio Silva foram hoje apresentadas em Lisboa, por Manuel Pedroso Marques. Os lançamentos ocorreram quase à mesma hora. Tinha-me comprometido a ir ao lançamento do livro do Marcello, quando soube da publicação do livro do Amândio, pelo que, naturalmente, me vi obrigado a faltar ao lançamento deste último. 

Em toda esta história, noto que sou amigo do Marcello, que fui amigo do Amândio e que se dá ainda o caso dos apresentadores de ambos os livros serem também bons amigos meus. 

Constatei hoje, uma vez mais, uma insuperável limitação: não consigo atingir a ubiquidade física, isto é, estar em dois lugares ao mesmo tempo. Mas registo, com gosto, que tenho andado por esta vida com uma orgulhosa ubiquidade afetiva.


1 comentário:

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

...e essa ubiquidade afetiva é do melhor que se pode ter na vida.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...