segunda-feira, abril 13, 2020

Notas da rotina


Desde que me reformei, isto é, desde que passei a ”ex-reformado”, a minha vida profissional deixou de ser “from-nine-to-five”, como até então fora, por décadas.

Os dias da semana passaram a ser sempre atípicos: em alguns, com reuniões de manhã bem cedo, outras vezes da parte da tarde. Numas ocasiões, torna-se essencial usar gravata, mesmo fato completo, às vezes chega um traje mais leve, até jeans. Muitas vezes havia viagens, “lá fora” ou pelo país.

Quando dava aulas em universidades, havia horários a cumprir - uns matutinos, outros ao final da tarde, outros noturnos, alguns até bem tarde. Um dia, cansei-me de dar aulas. Ponto final, de vez. O mesmo aconteceu com um programa que regularmente fazia na RTP. No termo de uma gravação, uma tarde, saiu-me: “Foi o último! Não me apetece fazer isto mais!” E, desde então, não fiz.

Já tentei assumir uma atitude idêntica face outras atividades que me tomam muito tempo e paciência, mas fui dissuadido, com amiga insistência, de ir avante com a minha decisão de parar com elas.

Há ainda, é claro, as palestras, as conferências, as aulas esparsas - mas essas são isso mesmo, esparsas, “quando o rei faz anos”. Isso, às vezes, até pode ter alguma graça, outras vezes implicam um trabalho prévio pesado. Estou a começar a aprender a dizer que não. Até nas idas às televisões, para comentários; só vou quando (julgo que) possa ter alguma coisa a dizer.

As tertúlias, essas, variavam: cheguei a ter uma às nove e meia da manhã, as restantes eram (e voltarão a a ser, ora essa!) à mesa, ao almoço ou ao jantar. Mas, com duas exceções, era tudo aperiódico. Por isso, cada dia meu era diferente do outro. O facto de, de quando em quando, eu almoçar em casa acabava por ser tão raro que se chegava a abrir um vinho, só para celebrar essa raridade. Talvez só a escrita no blogue (e, por tabela, no Facebook e no Twitter) e nos jornais se aproximasse de uma rotina - mas, mesmo essa, sem horas marcadas.

Neste mês que passou, percebi, finalmente, o que podia ser ter uma rotina de vida. É claro que há teleconferências, relatórios a ler, textos a produzir, pareceres a dar. Há ainda telefonemas, que nos caem no meio de tudo (como caíram enquanto escrevia este texto), como se o tempo tivesse parado e eu tivesse de estar “on call”, em permanência. 

Mas, no essencial, por estes dias, vivo, cada vez mais, com rotinas simplórias. Até no uso alternado das dependências da casa, no regar do jardim (quando a chuva não faz isso por mim), no pôr comida à passarada (só agora percebi que os melros não deixam comer os pardais, há por ali uma “luta de classes”), na ajuda em algumas tarefas da casa, no (demasiado lento) destruir dos papéis antigos. Ando com uma vida muito mais arrumada. Mais calma? É. Mas, acreditem, estou mais do que “morto” por desarrumá-la!

1 comentário:

Anónimo disse...

Os diplomatas não tem um horário nine to five, tanto trabalham a méis noite como as 4 da manhã if need be so...
Fernando Neves

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...