quarta-feira, abril 01, 2020

Morrer de saudades


Um colunista não é, necessariamente, alguém que sabe mais do que aqueles que o leem. É apenas uma pessoa que tem a pretensão de pensar que aquilo que coloca no papel pode ser interessante para ajudar à reflexão dos outros.

Nesta crise, em que vejo pouca televisão e me protejo da catadupa de notícias que nos chegam de toda a parte, tenho a certeza de que muitos dos leitores estão bastante melhor informados sobre o quotidiano do que eu.

Face às flagrantes hesitações de quantos são tidos por especialistas nestes assuntos, e que se recusam sabiamente a dar opiniões definitivas, ficou implicitamente autorizada a vinda à tona dos “técnicos de bancada”, dos que juntam dados colhidos em várias fontes e se atrevem a formular teorias sobre o vírus, a mandar bitaites sobre a tal “curva” e coisas assim. Muitos são antigos escribas de generalidades, outros são políticos em “pousio”, a maioria são os “tudólogos” do costume. Põem um ar grave e aí vai disto!

Há ainda os das redes sociais. Prolíficos nas sinistras “partilhas”, se acaso têm “uma prima no Curry Cabral” que lhes deu umas dicas em privado, passam a oráculos. Fujo deles a sete pés. Não me “infetam” com as suas teorias, sejam pseudo-científicas, sejam de natureza conspiratória (“sabia que há um site búlgaro que anunciou que o que ‘eles’ não querem é pôr cá fora a vacina que já existe?”)

Sou um cidadão comum. Nada sei de relevante sobre esta pandemia, pelo que entendo dever ter a humildade de me deixar guiar por quem, embora não sabendo tudo, e estando também a aprender dia-a-dia, sabe seguramente muito mais do que eu poderia alguma vez saber - mesmo que me desse ao trabalho de ouvir tudo (e não ouço), que andasse a coscuvilhar na internet sobre o muito que se especula pelo mundo (e não ando). Nesta matéria, vivo a serenidade de quantos confiam apenas no que as autoridades de saúde nos dizem para fazer, somado àquilo que o bom-senso me aconselha. E, como se dizia noutros tempos, o que for soará.

É sobre o bom-senso, a única coisa em que posso pronunciar-me, que gostaria de deixar uma nota. Imagino que as angústias da solidão, somadas às tensões do confinamento, leve uns tantos a uma ideia: se se passou uma quarentena de mais de meio mês, sem sintomas, o mais provável é que se não esteja infetado. Daí a pensar dar uma saltada à terra ou à casa da família mais íntima, para uma Páscoa discreta, o passo é pequeno e a tentação é grande. Não faça isso! Pode ser trágico. Vale mais morrer de saudades do que morrer.

4 comentários:

Falcāo disse...

Tempos inédits e complexos.
Compartilho o seu comentário pleno de bom-senso.

P.S.: Viu por aí a Europa ?

Com a devida vénia,
C.Falcao


José Sousa disse...

Olá sr. Embaixador
Vê-se bem que é a sua "mentirinha" do 1º de abril mas que mostra as saudades que tem das "coisas boas" que o confinamento lhe tira.

Renato Rodrigues Pousada disse...

Sr Embaixador, na verdade hà boas fontes de informação... São as oficiais: OMS, o John Hopkins Institute por exemplo.... Se o sr ou os seus leitores estáo interessados posso referir um link de uma entrevista feita ao responsável pela task-force Covid-19 sul coreana no dia 24/03 que apesar de ser em coreano com subtitulos em inglês achei muito interessante. Calmo pausado e esclarecedor...

A verdade é que os "experts" tem muitas dúvidas porque a Ciência é feita de muitas dúvidas e quase jamais de certeza absolutas. Talvez por isso seja dificil de perceber, para quem não tem uma preparação cientifica (e aqui poderiamos iniciar um off topic tremendo sobre a falta de cultura cientifica mas não só), as discussões que esses mesmos experts fazem... O que é quase normal para uma plateia cientifica automaticamente torna-se motivo de escárnio e mal-dizer para quem não sabe bem do que fala (mas é muito seguro!) dizer: Vêem não pode ser coisa séria se nem eles sabem...

São uns mediocres sofistas como os que Sócrates atacava porque giravam a verdade na direcção que mais aprouvavam...

Renato (de Roma)

eli disse...

Mui grata. Partilho.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...