Aquando da crise financeira, há pouco mais de uma década, o mundo desenvolvido passou a ter a súbita consciência de que todo o poderio que tinha criado uma imensa riqueza e bem-estar, que parecia sustentável com alguma segurança, era, afinal, uma realidade perecível. Em semanas, esfumavam-se fortunas, empresas desapareciam, a falta de postos de trabalho gerava miséria em vários dos seus setores. A engenharia financeira que tinha criado a “bolha” de progresso veio a mostrar-se de uma espantosa fragilidade. As consequências políticas foram óbvias: Trump, AfD na Alemanha, Marine Le Pen, o Brexit, Salvini e o estilhaçar ético-político da União Europeia.
Foi muito curioso constatar que o “clube dos ricos”, orgulhosamente reunido no G7, foi de imediato obrigado a estender a mão ao mundo emergente, situado no patamar imediatamente inferior de riqueza. Nasceu aí o G20, um conjunto muito heterogéneo que acolhia as economias de segunda linha, onde, na realidade, estavam situados os mercados em que assentava o crescimento dos primeiros. Todos nos recordamos daquelas imensas fotos de família, onde Merkel e os seus pares do “primeiro mundo” sorriam para chineses, indianos e brasileiros. Onde é que isso levou? A muito pouco, no final de contas.
Para além da pressão sobre os paraísos fiscais, onde o mundo desenvolvido tenta fazer esquecer que também alimenta “dumpings” que nunca dispensa - do Luxemburgo ao Delaware -, de um relativo esforço de transparência que, afinal, está nos antípodas daquilo que é a matriz do capitalismo especulativo, a “regeneração” pós-crise acabou por ter resultados globais muito parcos.
Nos fóruns onde a regulação económica verdadeiramente se pratica, isto é, nas instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), o novo “segundo mundo” apenas obteve algumas “migalhas” institucionais, quase sem significado. Para isso, muito contribuiu a circunstância dos “emergentes” terem ido cada um para seu lado, com a China a mudar de “campeonato”, a Rússia a claudicar económica e demograficamente, a Índia a não conseguir ter uma estratégia mínima de afirmação externa e o Brasil a regressar ao seu eterno estatuto de “país do futuro”.
Estamos hoje numa situação idêntica à de 2007/8? Alguma coisa se aprendeu, mas, ao que se sabe, nem a própria UE conseguiu ainda consensualizar medidas sólidas para enfrentar crises muitos sérias. Por estes dias, os efeitos do coronavirus irão pôr à prova a solidez do que aí está. Por que será que tenho saudades de Mario Draghi?
1 comentário:
O Clube dos Ricos está doente, Senhor Embaixador. Bastou um vírus desconhecido até então, para ver partir em fumo milhares de milhões de riqueza acumulada graças à exploração do trabalho de legiões de trabalhadores no mundo inteiro.
E ainda não é nada. O pior está para vir !
Os chineses tornaram-se os maiores credores da Terra: uma reserva de mais de 3 biliões de dólares em moeda estrangeira. Compra títulos do Estado, mas também empresas privadas, hotéis, clínicas, monumentos históricos, pinturas, castelos, infra estruturas (aeroportos, portos) etc. No final de de 2018, o Tesouro dos EUA valorizou as acções da China de dívida pública dos EUA em 1 200 000 mil milhões de dólares. A China representa agora 18% da economia mundial .. A China tem uma presença muito maior em África nos últimos anos do que a Europa em cinquenta anos. A Arte da Guerra de Suntzuii ensina o que a China está a fazer eficazmente hoje: "A excelência final não é ganhar uma batalha, mas derrotar o inimigo sem lutar."
A China recuperou toda a produção mundial ou quase. Estados como a França estão a empobrecer, desemprego, insegurança social, etc. e os défices públicos crescem. Jà começamos a agradecer ao vírus de poder esquecer a meta do 3% do défice público.
Em França, devem ser cerca de 34.000 euros por pessoa, incluindo bebés. Mais de 2000 mil milhões de euros! Todos os anos, é o equivalente do imposto sobre o rendimento. Os membros do Clube fariam bem em perguntar-se que parte do seu estilo de vida é hoje financiada pela China.
A China apoia talvez a UE, mas não pelas razões que pensamos .Se ela está interessada na União Europeia, é porque esperava que ela actuasse como um contrapeso à influência americana, tal como esperava contrariar a União Soviética até ao fim da Guerra-fria.
Mas onde estão os actores de peso da EU? Macron? Merckel? O Clube aparenta-se cada vez mais a uma casa falida.
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