Alguns espíritos sensíveis escandalizaram-se com o facto de António Costa ter considerado “repugnante” o comentário do ministro das Finanças holandês sobre a dívida espanhola. E alguns, por cá, apenas porque não gostam do primeiro-ministro que temos, logo avançaram que Costa teria sido “pouco diplomático” e que isso, a prazo, poderia vir ter consequências negativas para os interesses do país.
As relações entre os Estados obedecem a um conjunto não escrito de regras que se destinam a preservar um terreno último de entendimento, por forma a manter abertos canais de contacto, muito importantes em tempos de divergência e até de conflitualidade aberta. Os diplomatas são aliás treinados para servirem como última linha de defesa desse diálogo. Os políticos, sendo os primeiros a dever estar atentos aos interesses dos países que lhe cabe representar, devem ser particularmente atentos à preservação desses canais. Pelo que, nas intervenções que fazem, devem ter sempre o sentido da medida.
Há uns tempos, como alguns recordarão, um ministro holandês das Finanças, de nome impronunciável, fez no Parlamento Europeu algumas considerações preconceituosas sobre os países do sul da Europa. Agora, um seu sucessor, foi no mesmo sentido, desta vez cumulando, ao preconceito, uma imensa falta de sensibilidade, perante a situação trágica que a Espanha atravessa.
Como nota pessoal, não é nada que me espante, vindo de alguma gente da Holanda, que agora quer ser chamada apenas “Países Baixos” - e, às vezes, como o foi neste caso, até merece ser qualificada assim, embora não sei se a tradução em holandês do que isto por cá pode significar será entendida na Haia.
António Costa é um político com grande traquejo, nomeadamente internacional. Ao dizer o que disse, sei que mediu bem as palavras. Mais do que isso: sabia que estava a traduzir a forma de sentir, não apenas de muitos dos seus compatriotas, mas igualmente de muitos outros europeus, que não estão dispostos a conviver com a impunidade de um discurso marcado pela frieza cruel de um calvinismo cínico. Quem não se sente, não é filho de boa gente e, nós, portugueses, somos. A frontalidade é também uma das armas da diplomacia.
Fez assim muito bem António Costa ao considerar “repugnantes” as declarações do ministro holandês. Porque o foram. E espero que o embaixador dos Países Baixos em Lisboa, meu vizinho de bairro, diga à sua capital que o país que tão generosamente o acolhe no seu seio partilhou visivelmente a indignação do seu primeiro-ministro.
Nos últimos anos, aprendi muito mais sobre a Holanda do que aquilo que já sabia do contacto profissional com muitos diplomatas holandeses, com que a vida me fez cruzar. Um excelente escritor transmontano com muitos anos daquele país, Rentes de Carvalho, explicou-o bem em alguns dos seus livros. Por tudo o que sei, e sei alguma coisa, a Holanda merece melhor do que esse senhor que transitoriamente lhe trata das contas. E merece que lhe respondam à letra, como António Costa fez.
14 comentários:
Os nacionais que não se sentem com as afirmações dos "Países Baixos"são os mesmos que, durante o "governo da troika" acharam por bem a receita da "austeridade expansionista"! que deu no que deu.Valha-nos São Draghi.
O que me repugna é a completa falta de bom senso,do minitro e dos nossos conterrâneos.Se calhar,no intimo acham bem,mas lá vão dizendo agora, com toda a garganta e falta de escrúpulos, que é necessário gastar dinheiro já e agora........É verdadeiramente extraordinário.
São chatos os tempos que António Costa e a esquerda em geral se preparam para viver. Rebentar-lhes uma crise nas mãos e agora ter que geri-la, é coisa que só se deseja a tipos detestáveis como, por exemplo,... Passos Coelho.
Caro Anónimo das 16:26,
Se bem me recordo, a crise não teria tido a dimensão que teve e teria sido José Sócrates a ter que lidar com ela se o PSD tivesse aprovado o PEC IV. O PSD até poderia ter exigido eleições para o Outono como aconteceu na Irlanda, mas em vez disso, Passos Coelho não resistiu à ameaça de um tal Marco António Costa e precipitou a queda do Governo e o pedido de auxílio.
Inicialmente foi tudo conduzido com grande fervor, com o Catroga a dizer que iam ser muito mais radicais do que a troika. E até foram, pois, até à demissão do Gaspar, seguida da do irrevogável Portas... Depois, foi o que se viu...
E a Esquerda tem bem a experiência da gestão de crises, em 1977, depois dos disparates do Gonçalvismo e de novo em 1983 depois dos disparates da AD, pontificava no MF um tal de Silva das Finanças, Ministro do Cavaco...
Para que conste...
Senhor Embaixador: Entretanto descobri na Holanda e nos holandeses alguns pontos positivos, mas o que é curioso é que a Holanda, talvez por influência dos tempos da escola, nunca me foi simpática, e durante um certo tempo detestei mesmo essa gente…
A razão é que no curso da nossa História, encontrei-os sempre a “chatear-nos” por toda a parte onde as nossas caravelas abordavam. Tive sempre a impressão que eles corriam atrás de nós, em permanência, para ver onde íamos e nos roubar em seguida as nossas conquistas. Vimo-los em Angola, no Brasil, na Africa do Sul, na India, em Ceilão (Sri-Lanka) em Timor, em Malaca, nas Flores, etc.
Reconheço que são grandes negociantes mas igualmente uns insensiveis ...
Por esta é que eu não esperava! O Freitas com raiva dos holandeses por estes nos roubarem as riquezas... coloniais! As "nossas conquistas"! Isto vindo de um comunista, internacionalista é de deixar uma pessoa arrepiada. Ou não...
Bem dito Francisco!
a) Biscaia
Caro Jaime Santos
Não vou agora esmiuçar a origem da crise de 2008. Tenho é bem presente a falta de solidariedade do PS em momentos-chave e críticos para o país. Desejo-lhes o mesmo. E já agora, a latere, como se pode confundir frontalidade com um insulto dirigido a um ministro de outro país? Mas isto entre países resulta ou é já o desespero a falar, perante o descalabro que se receia?
Anónimo das 16.26
Costa esteve bem. Não se podem permitir posturas daquele jaez numa situação destas e numa coisa que se chama União Europeia. Não vale tudo. Mas o vale-tudo que não permitimos aos outros, não podemos usá-lo também como arma. Ou perdemos a razão. Usar o nome do país ou a sua mudança para ataques ou associações infelizes, vinculando todo um povo, parece-me perder completamente a razão. E já nem falo de trazer assuntos coloniais para cima da mesa ou a ideia de que os do Norte são todos uns "nazis". Haja juízo, noção e decoro.
Anonimo de 27 de março de 2020 às 18:22
Este anónimo, não ousando, neste momento, defender o seu herói yankee, portanto atacado mesmo no seu país pela sua incomensurável incompetência e estupidez, resolveu defender os holandeses, que se fartaram de matar portugueses durante dezenas de anos, nas terras que estes descobriram além mar.
A ignorância do anónimo não lhe permite de saber, porque não leu a sua História, que a Guerra Portugal Holanda foi caracterizada por ataques holandeses às possessões portuguesas particularmente quando Portugal tinha perdido a sua independência e estava sob domínio espanhol, isto é sob o poder dos Habsburg.
A punhalada nas costas, fácil, porque Portugal tinha perdido a sua força. Nunca teriam ocupado Luanda antes de 1580.
Os Portugueses defendiam-se quando eram atacados nas suas fortalezas, quanto mais é por mercenários. Nada de mais normal.
Quando os mercenários expulsaram os Portugueses das terras que estes ocupavam, foi para recuperar o comércio que estes tinham organizado.
Aliás, foram duas companhias de mercenários, que com o acordo do governo holandês, se lançaram ao ataque dos Portugueses: a (WIC e a VOC, as Companhias das Índias Ocidentais e Orientais.
Esta guerra iniciou o declínio do império colonial português, que, mantendo o Brasil e as suas mais importantes colónias africanas, perdeu a sua preeminência na Ásia.
Mas aparentemente, para o ignorante da Historia, as riquezas que não nos pertenciam é justo que os nossos inimigos no-las roubem. Ao preço do sangue português.
Foi esta página da História que o aluno da escola reteve na memória. O “colonialismo” e as suas taras, ainda não faziam parte dos seus estudos. Mas o julgará severamente sem dúvida.
Só muito mais tarde é que ele descobriu que existem no mundo indivíduos que, envenenados, sob a influência dum discurso fascista instilado durante cinquenta anos, nostálgicos desse tempo imperial, vão procurar numa utopia ideológica aquilo que pensam ser um insulto, o argumento fatal.
O fascismo veste-se com muitos trajos, e rasteja por aqui sob o manto da ignorância histórica.
Não quero avaliar a atitude do primeiro-minsitro nestes moldes, em que se defende que se torna necessário alguém falar com frontalidade, sem "papas na língua". Aliás, tenho aprendido aqui no blogue, através da pena do nosso embaixador, que as coisas, nas relações diplomáticas, não são assim. Por isso me espanta esta aparente conivência com a a atitude emocional (e pouco argumentava) de António Costa, quando nem o próprio Sanchez se indignou tão tonitruantemente. António Costa poderá estar aqui a tentar almejar uma liderança no seio do espaço mediterrânico. Afinal, um (bom) político é aquele que vê mais além.
Costa esteve muito bem. Só quem não tem a mínima noção das relações internacionais pode não compreender. É aliás necessário daqui para a frente ser muito mais duros com os 4 países que se opõem aos Eurobonds e não percebem que podem destruir a Europa
Fernando Neves
A diplomacia também é isso: saber pôr os pontos nos ii na altura certa.
Caro anónimo das 19:52, Falta de solidariedade? Refere-se provavelmente ao facto de Costa não ter servido de muleta de Passos e Portas... Só se fosse parvo. Isso já tinha feito Seguro, com os resultados que se viram...
Quanto a insultos, não vi nada dirigido ao Ministro da Finanças Holandês. Costa classificou as suas declarações como repugnantes, coisa que foram, como é que alguém pode vir sugerir nestas circunstâncias que a Espanha deve ser investigada porque não dispõe de capacidade para manter um sistema de saúde em rotura por uma contingência absoluta? Quero de ver o que diria se o mesmo acontecer (espero que não, por Deus) na Holanda...
Os Países Baixos são um grande País que construiu uma civilização empreendedora e tolerante que entre outras coisas protegeu os nossos judeus quando estes tiveram de fugir.
Bento Espinosa, porventura o maior filósofo do sec. XVII, era filho de judeus da Vidigueira e na sua casa falava em Português. Mas nunca teria escrito o que escreveu tivesse ficado ele em Portugal.
Dizer que eram piratas ignora o facto simples de que nós também o éramos, assim como todas as potências europeias na época dos Descobrimentos...
Não são as palavras de um Ministro ou dois que anulam isso... Agora que fazem mossa, fazem...
O Freitas, quando apanhado em contradição, tem uma espécie de ataques de Tourette. Desata a insultar e a colar etiquetas, esperneia (não sabemos se dançará), eventualmente, cospe tudo à volta na sua fúria arrogante. Personagens destas, lacaias de teorias radicais e adoradoras de regimes ditatoriais são piores do que vírus. A democracia, felizmente, defende-nos da hipótese desta gente nos forçar a aceitá-la mas, por outro lado, nada nos impede de levar com ela e a sua má educação.
Há duas coisas santas: a estupidez e a paciência para a aturar!
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