O meu primeiro embaixador, quando no final dos anos 70 fui colocado em posto na Noruega, foi Fernando Reino. No Ministério dos Negócios Estrangeiros desse tempo, o transmontano Fernando Reino fazia parte de um escasso grupo de diplomatas europeístas (coisa que, à época, eu estava muito longe de ser). Culto, inteligente e cheio de iniciativa, era claramente um "highflyer", como o futuro haveria de confirmar, em postos com a importância de Madrid ou da ONU. Democrata assumido, foi um dos rostos mais proeminentes da geração diplomática que viria a fazer a transição dos regimes separados pelo dia 25 de abril de 1974.
Eu só conhecia Fernando Reino pela sua fama profissional. Por pouco nos não cruzámos na Comissão Nacional de Descolonização, de onde ele saíra antes de eu ser por lá ter sido colocado. Mas sabia que era um "workoolic" impenitente, que tinha transformado um posto periférico como era a capital norueguesa numa "agitada" unidade diplomática, bastante visível em Lisboa.
Verdade seja que, por esse tempo, entre Portugal e a Noruega havia fortes programas bilaterais de cooperação. Fruto da simpatia dos trabalhistas noruegueses pela Revolução portuguesa, os governos daquele país tinham, entre muitas outras iniciativas para favorecer o nosso país, dado forte ajuda à instalação habitacional dos "retornados", haviam oferecido um navio hidrográfico a Portugal e vieram a ser responsáveis pela criação no novo hospital da minha terra, Vila Real (mas nada tive a ver com isso, que fique muito claro). A embaixada em Oslo vivia então um "corropio" de agitação, numa certa "competição" com a embaixada norueguesa em Lisboa, a qual, com alguma naturalidade, procurava ser protagonista dos programas de cooperação. Essa tensão criativa passou a fazer parte do meu quotidiano.
A fragilidade de quem ia para primeiro posto, somada à impulsividade de Fernando Reino, conduziu-me, inicialmente, a uma dependência inusitada face ao meu futuro embaixador: à chegada a Oslo eu já tinha casa destinada e até um berrante Golf encarnado estava já à minha espera. Esta "tutela" era fruto de um simpático e generoso sentido protetor, de que custou a libertar-me...
Trabalhar com Fernando Reino não era fácil. Numa embaixada (chancelaria na imagem) tão pequena como aquela - éramos os dois únicos diplomatas, com cinco unidades administrativas -, o seu "génio" tornava frequentemente os dias um tanto tensos. Olhando em perspetiva, posso compreender que um profissional da sua qualidade se sentisse frustrado por estar a operar num posto que, decididamente, não estava ao nível das suas capacidades e legítimas ambições. Só que quem com ele colaborava era, não raramente, uma "colateral casualty" desse seu evidente mal-estar. E eu, claro, na primeira linha. Alguns conflitos tivémos, mas nenhum que tivesse afetado a amizade que entre nós se estabeleceu e a profunda admiração, pessoal e profissional, que por ele passei a ter.
Fernando Reino ficou menos de um ano na Noruega, depois da minha chegada a Oslo. Viria a ser convidado a ser chefe da casa civil do presidente Ramalho Eanes. Os nossos destinos nunca mais se voltaram a encontrar profissionalmente. Mais recentemente, por iniciativa de amigos comuns, temos-nos visto em simpáticas almoçaradas.
No dia de hoje, Fernando Reino completa 88 anos. Deixo aqui um forte abraço de parabéns, com votos de muita saúde, a um amigo que foi o meu primeiro embaixador.