sexta-feira, julho 21, 2017

Dilemas


Há uns anos, quando era embaixador em Paris, fui convidado a estar presente num determinado evento que reunia portugueses emigrados em diversos países do mundo.

Fui falando com vários, inquirindo do modo como as nossas comunidades se integravam nessas sociedades, quais os seus principais problemas e, muito em especial, procurando recolher opiniões sobre o tipo de políticas públicas, por parte de Portugal, que entendiam por mais adequadas à promoção dos seus interesses. Tinha curiosidade em saber como avaliavam a qualidade da nossa rede consular, num tempo em que as mudanças na natureza da diáspora e a presença da União Europeia na área da proteção consular iriam necessariamente alterar alguns do parâmetros tradicionais da nossa ação externa.

Uma dessas conversas, recordo-o bem, tive-a com uma senhora que vivia na Venezuela. Era o tempo de Hugo Chávez e era evidente, não sendo isso minimamente uma surpresa, que o líder venezuelano estava longe de gozar da simpatia maioritária da nossa comunidade, "to say the least"...

Ao tempo, as coisas estavam ainda muito longe daquilo a que o sucessor de Chávez iria condenar o país. Porém, a desafetação da minha interlocutora face ao então presidente venezuelano era mais do que evidente - e isso era bem compreensível, dado que a comunidade portuguesa se sentia um elo fraco naquela sociedade, alvo de ataques aos seus interesses económicos, numa instabilidade que lhe causava angústias quanto ao futuro.

A certo ponto da conversa, a senhora disse-me: "Não compreendo como é que Portugal (era tempo do governo Sócrates) tem tão boas relações com aquele homem!" E falou-me, com alguma acrimónia, de Mário Soares e do aproveitamento político-mediático que o regime tinha retirado de declarações, simpáticas para Chávez, que o antigo presidente proferira na ocasião de uma visita que fizera à Venezuela.

Eu podia entender, com facilidade, aquela reação: a senhora detestava o mundo "bolivariano" que ia conduzindo a Venezuela ao desastre e mostrava-se chocada com os sorrisos regulares que Caracas trocava com Lisboa. Esse era também, recorde-se, um tempo em que algumas empresas portuguesas procuravam aproveitar o mercado venezuelano, visto como seguro pela garantias que o petróleo parecia conceder.

Não contrariei a senhora, mas perguntei-lhe, a título de teste: "O que é que acharia se o governo português denunciasse as violações dos direitos humanos e os atentados à democracia que são tão evidentes na Venezuela? Como sabe, há muitos países que estão a ir por esse caminho.”

"Pela sua rica saúde! Nem é bom falar nisso!" respondeu-me a senhora. "Não gosto nada de ver o Sócrates com o Chávez juntos, mas, enquanto eles se entenderem bem, pelo menos isso pode evitar que ele ataque a nossa comunidade..."

Lembrei-me agora disto, sei lá bem porquê.

16 comentários:

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

Socrates e Chaves e Maduro , tres atrasados mentais. Nem defender a sua sardinha souberam.

Joaquim de Freitas disse...

Num quadro de Goya, « Duelo ao punhal », os Venezuelanos destroem-se num combate vão, enquanto que a cada punhalada, uns e outros, se enterram nas areias movediças.
Quando a dissonância desaparece, quando os títulos e os conteúdos se assemelham em todos os media, no mundo inteiro, pode-se razoavelmente suspeitar que a Venezuela entrou na era das punhaladas da propaganda.
O jornalista que explicaria que a Venezuela é uma democracia participativa sitiada por uma direita tão violenta que a do golpe de Estado de Santiago em 1973 ou de Caracas em 2003, das quais de qualquer maneira já ninguém se recorda , ou que esta direita age hoje na rua para fornecer as imagens necessárias aos grandes grupos mediáticos, seria troçado imediatamente, tratado de louco, pró totalitário, etc. (O que me vai acontecer, eu que não sou jornalista…)

Para viver feliz, vivamos cinzentos. Todos os media não dizem a mesma coisa? O número santifica, como dizia Chaplin, no Monsieur Verdoux !

E o consumidor de actualidades europeu achará quase simpático o almirante Kurt W. Tidd, chef do Southern Command dos Estados Unidos, que acaba de sugerir uma “intervenção regional porque a instabilidade da Venezuela afecta os países vizinhos. Como Obama o disse um dia. E que Trump já começou a afiar os punhais.

No ponto a que se chegou, não há duvida nenhuma que o calendário se organiza, se elabora e se executa para o golpe futuro de Caracas.
A resolução da OEA de 3 de Abril, foi o apito da partida de novos afrontamentos que se arriscam a ser tão violentos como em 2014.

Fundamentalmente, a razão desta manobra contra a Venezuela, é a decisão deste país de impedir que sejam violadas as suas instituições. Precisa-se dinamitar o Estado venezuelano, perante a exigência da OEA, para que seja reconhecida uma situação de “ poder abandonado” como já foi feito no passado.

O regime chavista cometeu erros de gestão no tempo das vacas gordas, isto é, quando o petróleo rendia bem. Não investiu noutros campos económicos, o mesmo erro doutros países produtores no mundo, Angola por exemplo, e agora não pode sobreviver.

O exemplo que o Senhor Embaixador cita, dessa Senhora Portuguesa, e a sua posição anti chavista é normal. Os Portugueses emigrantes nunca aceitaram o poder chavista, obtido democraticamente nas urnas. Não o aceitaram, como o resto da direita , porque a vitoria de Chavez foi obtida graças ao votos daqueles que ele fez cidadãos venezuelanos, após séculos de ostracismo : os Índios, que são o seu povo. O acesso ao estatuto de cidadão, com o direito de voto, foi a arma de Chavez. Basta ler os resultados das várias eleições. O Bolivarismo é isso.
Chavez reduziu a miséria consideravelmente, criou um sistema social nos “barrios”. Levou as crianças para a escola.
Mas o que é que tudo isso interessa aos emigrantes Portugueses? Por acaso, os nossos compatriotas foram um dia interessados pelo problema do Apartheid na África do Sul, e ao combate de Mandela? Não, eles satisfaziam-se da situação. Como na Venezuela antes de Chavez.

Os Portugueses emigrantes em França, que ousaram votar pela Le Pen, xenófoba e anti estrangeiros, para não dizer mais, e mesmo candidatar-se sob as suas cores, são da mesma semente. Claro que tinham o direito de o fazer, porque aqui, em França, vivemos numa verdadeira democracia. Mas na Venezuela, a democracia só existiu quando Chavez deu o mesmo direito a TODOS os Venezuelanos.

Os erros de gestão económicos vão, infelizmente, por em perigo esta democracia. Mas os Portugueses, com uma experiência própria de meio século de ditadura vão acostumar-se rapidamente. São masoquistas ou incultos políticos.

Joaquim de Freitas disse...

Não sei porque escrevi « xenófoba » e anti estrangeiros… Pleonasmo, claro, mas devia antes ter escrito racista ! E mesmo muito mais.

Luís Lavoura disse...

Bem, mas entre as dois caminhos - fazer sorrisos e visitas à Venezuela, e acusar a Venezuela de faltar aos direitos humanos - há um terceiro caminho possível, que é ignorar totalmente a Venezuela. Possivelmente seria isso que a dita senhora preferiria.

Anónimo disse...

Não foi o sucessor do Chávez que condenou o país ao estado actual. Foi o próprio Chávez.

Anónimo disse...

O grande problema da Venezuela actualmente é que a oligarquia criada por Chavez e os seus apaniguados mais não faz do que roubar e destruir o país.

Maduro e "sus muchachos" não respeitam minimamente os direitos humanos e as liberdades e o seu controle e intimidação estão a ajudá-los a perpetuarem-se no poder.

Não podemos esquecer a imensa riqueza em petróleo da Venezuela, que se tivesse sido bem gerida pelos que desgovernam actualmente aquele país, teria permitido um desenvolvimento equilibrado e não situações onde não há medicamentos nem alimentos.

Maduro já deu provas de não ser democrata e intimidar a oposição. A UE e a OEA devem aplicar de imediato sanções económicas à Venezuela, para que ele seja forçado a demitir-se e convocar eleições.

Joaquim de Freitas disse...

Senhor Augie Cardoso : Quando se vive num país dirigido por Donald Trump, que só 26% dos Americanos apoiam hoje, que o Senhor elogiou e defendeu aqui neste blogue, creio que seria razoável de pensar duas vezes antes de escrever o seu comentário, sobre outros dirigentes estrangeiros. Embora eu compreenda o sindroma do qual sofre.

Sobretudo sabendo que muitos americanos desejam que ele seja examinado por psiquiatras.

Joaquim de Freitas disse...

" Não foi o sucessor do Chávez que condenou o país ao estado actual. Foi o próprio Chávez.", escreve o anonimo das 10:55.

Claro, se esquecemos a queda brutal das rendas do petroleo que foram divididas por dois, criando sérios problemas de aprovisionamento. Vimos em Angola, os constructores portugueses repatriar os seus funcionarios por falta de devisas dos angolanos. O problema é o mesmo: o petroleo.

Mas o problema é mais vasto. Correndo o risco de me repetir, confirmo que as classes dominantes venezuelanas querem uma desforra social, liquidar a “revolução bolivariana”, ou o que resta, afim que o povo dos antigos “invisíveis” não possa levantar mais a cabeça.
A oligarquia quer que “estes filhos de nada”, aos quais o chavismo deu estatuto e dignidade, regressem ao nada.
Pode-se e deve-se criticar a gestão, a estratégia de Maduro. Mas foi eleito, portanto legitimo. Ele propõe o diálogo e tem o direito de se defender contra os revoltosos.

A maioria dos média venezuelanos e estrangeiros, como escrevi antes, encarniçam-se a dar uma imagem caótica do país, a meter em cima dos chavistas as exacções cometidas por grupos violentíssimos, mascarados; sempre armados, os “guarimbas” que incendeiam mesmo os armazéns de alimentação para aumentar a penúria e querem a guerra civil.

A oposição venezuelana, não é toda favorável a este golpe de Estado permanente, que vai acabar num massacre. Mas os sectores que dominam a oposição conseguiram radicalizar, instrumentalizar o descontentamento de certos sectores populares.

Eles são maioritariamente de ultra-direita. Querem desafiar o governo e rapidamente..
Abertamente encorajados pelo bruto “va-t-en-guerre- Donald Trump, redobram de exacções, sabotagens, destruição de edifícios e de serviços públicos, de violências sem conta.

O regime é, diz-se, socialista! Imaginemos se ele fosse aliado da NATO como a Turquia de Erdogan, e se as mesmas violências fossem cometidas todos os dias.

O país ainda é em grande parte capitalista, a oligarquia, os proprietários, os possuidores, organizam a guerra económica sobre os produtos alvo.

Anónimo disse...

Chavez e Maduro são dois claros exemplos da falência da doutrina marxista, que consegue facilmente arruinar um país e tem medo do voto dos cidadãos.

Triste Venezuela e coitados dos nossos compatriotas que lá vivem. Esperemos que o seu calvário não dure muito mais.

Anónimo disse...

@Joaquim de Freitas

So quem é acefalo não vê a guerra hibrida e economica que esta a ser feita a Venezuela porque quem la esta no poder não convem a alguem e no bem sabemos que.

A assinatura do que esta a decorrer na Venezuela não tem nada de novo, é apenas mais do mesmo, so não ve quem e tolo.

Foi o que se viu na Ucrânia. Ainda me lembro de ouvir o Macaco Obama (digo macaco por ser manhoso nao por causa da raça) que se houvesse acção da policia sobre os manifestantes seria o pisar a linha vermelha. Apos a mudança de mandantes la por aquela terra ter o exercito com esquadroes de neonazis a matar e bombardear a populacao ja nao e problema. Veja-se agora como esta a Ucrania, um estado falhado e falido.

Anónimo disse...

@Joaquim de Freitas
Foi o que se viu no Brasil, quando tudo comecou com aquela palhacada das manifestacoes por causa do aumento de um centimo nos transportes.
Como grande parte da populacao estava com Dilma e Lula a encenacao das manifestações nao resultou e tiveram de usar um golpe palaciano e la conseguiram destituir Dilma (que nao cometeu nenhum crime) e substitui-la por um grupo de bandidos enterrados ate ao pescoço com processos criminais.
Veja-se o descredito em que esta agora o Brasil, pais sem rumo a afundar-se prodigiosamente.

Anónimo disse...

@Joaquim de Freitas

Foi o que se viu na Libia , tambem tudo comecou com o choradinho e as manifestacoes contra o terrivel ditador.
O que e certo e que antes a população Libia vivia bem e depois da intervençao da nato ficaram com um pais falhado, falido e como bonus ainda receberam uma incubadora de terroritas.

O mesmo guião estava reservado para a Siria mas a coisa correu de maneira diferente. Mas mesmo assim conseguiram deixar o seu rasto de morte e destruicao.

Viva putas finas e caras para a malta de wall street e cocaina com fartua

Anónimo disse...

@Joaquim de Freitas

Por fim termino com a minha manifestação de comoção para com o carinho que aqui demonsraram para com a defesa dos direitos humanos na Venezuela.
Mas lembrei-me da Arabia Saudita em que as mulheres teem uma vida penosa inclusive ha poucos dias uma foi presa por tirar fotos em mini-saia.
Ou dos homicidios arbitrarios da policia dos eua.
Ou a repressao policial dos eua durante as manifestacoes Occupy Wall Street em 2011.
Bando de hipocritas

Anónimo disse...

Anónimo 21 de julho de 2017 às 22:58

Sim... claro e a doutrina aqui pelo "mundo ocidental" faz-nos prosperar.
Tirando a austeridade, os bancos falidos, as seguradoras falidas, os estados endividados com dividas impagaveis.
Lembra-se da falencia da AIG, do Lehman Brothers, da Merrill Lynch, do Washington Mutual. Das trafulhices do barclays na manipulacao das taxas de juro.
Do que passamos aqui em Portugal, na Irlanda, na Islandia e na Grecia.
Mas ja que tem tiques Marxistas deixo-lhe a China para ver se aprende alguma coisinha

Joaquim de Freitas disse...

O anónimo das 10.59 tem razão de sublinhar a amnésia ou a cegueira de todos aqueles, aqui mesmo neste blogue, que não sabem ou não querem admitir as causas reais da situação actual na Venezuela. Mas talvez seja necessário acrescentar também a falta de cultura destes anti Chavistas primários.

Que não sabem que foram as décadas de políticas liberais falhadas e as repressões governamentais que abriram a via à eleição democrática de Chavez em 1998.
Chavez lançou uma campanha vigorosa contra a pobreza e a exclusão social, enorme nos sectores afro-venezuelanos da população.

Em 2010 estes programas tinham reduzido a pobreza de metade e a extrema pobreza de dois terços. Em 2005, a ONU declarou a Venezuela livre de analfabetismo, tendo levado à escola mais de 1,5 milhão de venezuelanos, que aprenderam a ler e a escrever;

Milhares de médicos cubanos e de profissionais da saúde foram enviados nas comunidades rurais e pobres, oferecendo a milhões de cidadãos um acesso sem precedente aos cuidados de saúde gratuitos.
Mais de 6 000 clínicas de saúde comunitárias foram construídas e milhões de consultas gratuitas foram dispensadas.
Um programa maciço de alojamentos sociais, a redistribuição de títulos de propriedade de terras comunais às comunidades autóctones e uma democratização dos media graças a uma explosão do numero de estações de rádio e de televisão.
Encontramos nos seus programas muitos aspectos similares aos de Lula no Brasil, que retirou da miséria 21 milhões de brasileiros, Lula da Silva, saído ele também da miséria do sertão de Pernambuco.

Mas a luta de Chavez e de Lula contra a miséria não interessa à classe dominante. A luta contra as conquistas sociais está na moda, mesmo nos nossos países ocidentais, em nome da competitividade. O ultra liberalismo não tem os mesmos objectivos neste vasto mundo, onde uma ínfima minoria possui já mais de dois terços da riqueza planetária. Mas aparentemente, não basta.

Veremos cada vez mais as forças reaccionárias, apoiadas por uma legião de incultos políticos, agir contra o progresso social, que não traz dividendos.

Enfim, se o anónimo das 22:58 estivesse melhor informado, saberia que Chavez foi eleito varias vezes em eleições democráticas, e que haverá um voto no fim deste mês, que será seguido no próximo ano de eleições legislativas e presidenciais.

Anónimo disse...

@Joaquim de Freitas

Joaquim... é bom saber que ainda há pessoas com clareza de visão, conhecimento, noção dos acontecimentos enquadrados no tempo e espinha dorsal. Bem para além dos hipocritas, rastejantes, invertebrados e ignorantes que por ai ladram. Se hoje a China fosse a maior potencia mundial aposto que a grande maioria dessa gente (para nao dizer vermes) ia a correr filiar-se no Partido Comunista Chines para ter um cartão partidario.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...