segunda-feira, julho 31, 2017

Baez e o Chile


Há pouco, na madrugada televisiva, a repetição do espetáculo dos 75 anos de Joan Baez levou-me subitamente de volta a Oslo, há quase 40 anos, onde a ouvi uma noite cantar ao vivo. 

Nunca fui um fã incondicional da música de Baez, mas, naquele tempo, na cidade bastante provinciana que era a capital norueguesa, a visita de alguns nomes internacionais era um escape cosmopolita que procurava não perder, não obstante o meu parco salário, para os elevados preços locais. 

No caso da cantora americana, eu também juntava por ali muita da memória afetiva da agitação da juventude americana anti-Vietnam com a pertença a uma geração que por cá fizera abril e que então atravessava as interrogações de quem saía de uma experiência de tempos esquerdistas para uma democracia "burguesa". 

E, assim, ao ouvir a Baez cantar o "Gracias a la vida", de Violeta Parra, surgiu-me inevitavelmente o Chile no encadeado da memória.

Um dia, nessa Noruega, numa apresentação da argentina Mercedes Sosa, conhecemos um casal de refugiados chilenos que o país acolhera, depois da tragédia de 1973. Tempos mais tarde, num grupo em que eles estavam, fui ouvir Joan Baez e, depois, Donovan. Acabávamos essas noites, invariavelmente, a comer umas coisas vagamente sul-americanas numa cave esconsa, onde um cantor espanhol se passeava entre as mesas e, quando nos reconhecia, cantava uma música com o estribilho "Ay Portugal! Por qué te quiero tanto?"


Que será feito desses e de outros amigos chilenos? Terão ficado na fria Noruega, que os acolheu na tragédia? Terão regressado ao Chile democrático? Que aconteceu ao Fermin, irmão da mítica "Payita", secretária de Salvador Allende, um homem agitado e cordial, que habitava um modesto apartamento de Oslo e que, generosamente, nos convidava, em alguns domingos, para partilhar garrafas de "Casillero del Diablo" (a que juntávamos "Dão - Porta de Cavaleiros", o vinho português que o "Vinmonopolet" vendia), que lhe atenuava as saudades do Chile, entre resmas de propaganda do MIR? Trabalhava numa fábrica de discos e, graças a ele, tenho uma invejável colecção dos "Rolling Stones", em vinil de 33 rotações. E chorava, ao ouvir Violeta Parra, Victor Jara e até Zeca Afonso...

1 comentário:

Joaquim de Freitas disse...

Neste texto, como em muitos outros da mesma qualidade, e sobretudo nas recordações que aqui evoca, Senhor Embaixador, reside o meu indefectível interesse pelo seu “blogue”. Uma espécie de sentimento de pertença a uma mesma barricada…Muito obrigado.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...