domingo, novembro 07, 2010

Jill Clayburgh

Jill Clayburgh não era uma atriz de topo, mas era uma figura do cinema que eu apreciava bastante. A isso não seria indiferente o facto de, em algumas das suas personagens, ela combinar um perfil de elegância discreta com um olhar de onde, muitas vezes, transparecia uma tristeza trágica, às vezes presente no próprio sorriso. E isso, sei lá porquê!, dizia-me alguma coisa.

Que seria dos artistas se não os "lêssemos" cada um ao nosso modo?

Jill Clayburg acaba de morrer aos 66 anos, vítima de leucemia.

sábado, novembro 06, 2010

Sá Carneiro

Há quase um ano, falou-se aqui da figura de Francisco de Sá Carneiro. Dentro de dias, em 4 de Dezembro, passarão 30 anos sobre a sua trágica morte, uma daquelas escassas datas em que todos nos lembramos onde estávamos no momento da notícia.

Há dias, ouvi dizer que tinha saído uma biografia de Sá Carneiro, da autoria de Miguel Pinheiro. Consegui comprá-la no aeroporto, antes do regresso a Paris. Em 48 horas, devorei as suas quase 800 páginas, escritas num estilo quase "fílmico", com um ritmo jornalístico e um excecional rigor investigativo. Ao que parece, Miguel Pinheiro demorou cinco anos a recolher os dados para este trabalho. Mas valeu a pena.

Com algumas escassas, embora valiosas, exceções, o género biográfico não tem, entre nós, grandes cultores. A tendência para a hagiografia das personagens sobrepõe-se. muitas vezes, à desejável independência na avaliação dos factos e das interpretações. Noutros casos, a vaidade intelectual dos autores torna o tratamento das figuras escolhidas um mero pretexto para a defesa de uma tese pessoal. Finalmente, numa terceira categoria, aparecem obras de uma qualidade de investigação e/ou escrita lamentável.

Este trabalho de Miguel Pinheiro revela-o um autor de mérito e traz-nos dados novos sobre uma das personalidades mais marcantes do imaginário político da democracia portuguesa. Para quem, como eu, tem o "vício" de procurar ler tudo quanto pode sobre a contemporaneidade política doméstica, este livro revelou muitas coisas novas, confirmando também muitas outras.

O mais interessante neste trabalho - para além de dados curiosíssimos sobre a génese da "ala liberal" do marcelismo e sobre as tensões no seio do então PPD - é talvez a luz nova que se projeta sobre a personalidade de Francisco de Sá Carneiro, vista à lupa naquilo que são as suas fraquezas, a sua determinação, o seu carisma e a sua propensão para a rutura, no plano político mas também pessoal. 

O autor privilegia a "cedência" dos factos ao leitor em detrimento de uma versão predominantemente interpretativa - o que pode desagradar a alguns críticos -, concedendo-nos uma maior liberdade na leitura. Esta pode, aliás, levar a duas conclusões contraditórias, o que não deixa de ser uma grande qualidade, abonatória da honestidade do trabalho executado.

Para os que admiram Sá Carneiro, o livro confirmará os traços de inconformismo que o tornaram popular e que conduziram à saudade de um certo tipo de liderança, frontal e arrojada, sem receio de colocar na ação executiva medidas corajosas, ao serviço de um ideário de denúncia aberta do que entendia serem as distorções que um radicalismo esquerdista introduzira no Portugal pós-abril.

Quem não aprecia a personagem encontrará no livro argumentos para reforçar a sua visão de um político egocêntrico e vaidoso, com tiques autoritários e populistas, com uma agenda de confronto feita de teorias conspirativas, que induziram tensões eventualmente gratuitas, por ausência de um espírito de compromisso e por uma dificuldade de relacionamento pessoal com os adversários..

Este é um livro que, francamente, recomendo e que deve ser lido por quem tem interesse em perceber melhor o Portugal contemporâneo.

Sucesso português

Ontem, numa conversa a propósito da nomeação de António Horta Osório para a chefia do Lloyds Bank, depois do sucesso que teve no Santander britânico, alguém me dizia: "Não percebo por que é que, só pelo facto de alguém ser português, temos necessariamente de ficar contentes com a subida desse alguém na cena internacional".

Eu não conheço pessoalmente Horta Osório mas, devo confessar, sinto sempre uma grande satisfação quando o adjetivo "português" se liga ao nome de alguém com sucesso, à escala mundial. Portugal é um país conhecido pela sua história (somos um dos países mais antigos do mundo), mas não somos reconhecidos pelos outros como um país "produtor" de vencedores. E o prestígio subliminar de um país no imaginário coletivo constrói-se também, para além de muitos outros fatores, pela visibilidade positiva das personalidades que dele emergem. Seja Horta Osório, seja Oliveira, seja Saramago, seja Siza Vieira, seja Mourinho...

Church's

Um anúncio no "Le Figaro" de ontem trazia uma fotografia de uns sapatos "Church's", aquela clássica marca inglesa que tem a fama de ser eterna (não é, posso garanti-lo). Em Paris, há três lojas da marca. Hoje, investiguei o preço do produto anunciado: proibitivo! Não pude, assim, levar à prática aquela asserção do precetor austríaco do rei dom Manuel, que andava sempre equipado com os mais caros produtos de vestuário e calçado, explicando: "Não sou suficientemente rico para poder comprar coisas baratas".

Um dia, nos anos 90, em Londres, tive a jantar em casa uma colega - hoje embaixadora - e o seu pai, uma figura encantadora que, como a muitos aconteceu, recorreu aos médicos britânicos como última esperança para uma doença cancerígena que o minava. Infelizmente com razão a curto prazo, o parecer médico não deixou espaço para nenhumas ilusões. Ficou-me na memória afetiva, para sempre, a ironia triste, mas com admirável "panache", com que o pai dessa minha amiga, no final do jantar, me disse que, nessa tarde, comprara uns Church's: "Sabe, dizem-me que duram 20 anos. É tempo suficiente..."

Informação

Neste mundo de informação instantânea - onde o mais difícil é "vermo-nos livres" da informação a mais e ter acesso apenas àquela que nos é essencial - esta fotografia da delegação do jornal "O Século", no Rossio de Lisboa, nos anos 40, dá-nos uma imagem curiosa do que era a avidez pelas notícias, naquele tempo de guerra europeia. Os "takes" das agências noticiosas eram então sintetizados em notas à mão, que os passantes liam. 

Bem mais tarde, como muitos se recordarão, o sistema passou para as fitas noticiosas luminosas que eram exibidas em paredes (por exemplo, no Rossio, em Lisboa, e na Praça da Liberdade, no Porto) e que nos davam "as últimas", num estilo um pouco ao modo dos atuais rodapés dos telejornais (embora, nesse tempo, sem erros ortográficos).

Ao comparar as épocas, e, no caso português, descontadas as limitações da censura, devo dizer que fico na dúvida sobre se as pessoas desse tempo eram, de facto, menos informadas do que nós, relativamente ao que era essencial para a sua vida.

quinta-feira, novembro 04, 2010

De Lisboa a Pandora

A ideia, aprovada no último Conselho Europeu, de reabrir o Tratado de Lisboa por forma a poder consagrar, em linguagem formal, os novos mecanismos para apoio aos Estados Membros em dificuldades económico-financeiras, parece derivar de um indiscutível bom-senso. Ninguém, que conheça um mínimo da coisa europeia, negará a importância de ver vertido, em termos de tratado, um modelo funcional que teve algo de "ad hoc", que foi feito sob a pressão da conjuntura.

E, no entanto... Pode ser da idade, pode ser uma desconfiança tonta, pode ser de uma deriva injusta para as teorias conspirativas, podem ser muitas outras razões, embora todas por ora tenham de ser diplomaticamente implícitas, mas, devo confessar, esta proposta traz-me alguma inquietação. 

Fiz parte do "grupo de reflexão" europeu que preparou a revisão do Tratado de Maastricht. Negociei, por Portugal, o Tratado de Amesterdão. Anos depois, ainda estava "morna" a ratificação parlamentar deste tratado e já estávamos na negociação daquilo que viria a ser o Tratado de Nice, que também tive a meu cargo. Passaram dois anos, e o governo português de então formulou-me o convite para o assessorar na fase final do defunto "Tratado Constitucional", o qual, com alguns arranjos de forma, foi a base real do Tratado de Lisboa que está em vigor - cuja negociação final se sabe ter sido de grande complexidade e no qual Portugal brilhou, durante a sua Presidência da União Europeia, em 2007. Por essas razões, julgo saber alguma coisa do que falo.

Reabrir um tratado, à luz de um motivo de conjuntura, vai contra uma regra que sempre ouvi aos meus amigos juristas: nunca se muda um lei debaixo da pressão de acontecimentos de circunstância. E isso, neste caso, ainda se processa em condições piores, porque as circunstâncias desta crise estão a mudar de minuto a minuto - e muito mais mudarão, ao longo dos muitos meses que esta revisão vai levar. Sabe-se como começa uma revisão de um tratado, nunca se sabe como se concluirá.

Temo que esta revisão do Tratado de Lisboa possa acabar por ser uma má notícia para a Europa. E, nesta fase do "campeonato", receio que venha a ser uma péssima notícia para Portugal. Mas, com total sinceridade, não posso excluir que esteja completamente enganado.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Partidas

Há uns tempos, uma amiga perguntou-me: "Não escreveste nada por ocasião da morte do Mário Bettencourt Resendes. Porquê?". Nesse momento, dei-me conta de que pode haver quem espere que este blogue "funcione" com o ritmo de um jornal, onde seja quase obrigatório notar a desaparição das figuras proeminentes. Não é nem pode ser assim.

A essa amiga, expliquei que, embora conhecendo pessoalmente Mário Bettencourt Resendes e tendo dele uma imagem, pessoal e profissional, muito positiva, não terei encontrado, naquele momento, um motivo de oportunidade para fazer uma nota. Porquê? Sei lá! Porque não tinha tempo, porque estava cansado, porque me não ocorreu nada que pudesse justificar uma escrita para posterior leitura, por um monte de outras razões conjunturais.

As evocações por aqui de figuras que desaparecem não têm nenhuma lógica entre si. Porquê falar de Laurent Fignon e não de António Feio? E de Pina Martins e não de Hugo dos Santos? Ou de Mercedes Sosa e não de Mariana Rey Monteiro? Ou de tantos outros?

Este blogue é e será sempre um livre exercício do acaso. Essencialmente, do tempo disponível, que não é muito. Há posts que são feitos em segundos (o que, às vezes, se reflete na respetiva escrita), outros podem derivar de uma maior elaboração. Não há regras. A única coerência que pretendo expectável diz respeito às ideias que possam transparecer do que aqui se escreve. E nem isso está, em absoluto, garantido...

Esperança

A esperada "débacle" que se abateu sobre a administração Obama, nestas eleições "midterm", culmina um período de forte erosão política, fruto dos efeitos da crise económico-financeira, da não concretização prática de grande parte do programa presidencial e do natural ressurgir da América conservadora.

Não é novidade os presidentes americanos verem a sua base parlamentar de apoio ser reduzida nestes sufrágios a meio do percurso. Aliás, se refletirmos um pouco, facilmente chegaremos à conclusão que este método de renovação parcial dos legisladores, típico de regimes presidencialistas, é uma sábia "válvula de escape" constitucional que permite atenuar o poder das maiorias e dar voz pública aos descontentes com os anos anteriores de mandato. O sistema americano pode ter muitos defeitos, mas a sua sobrevivência, num país tão complexo, prova a sabedoria de quem o desenhou.

Cada presidente é um caso, mas Obama não é um presidente "normal". A eleição de um presidente negro - ou melhor, de um negro como presidente -, ligada a uma agenda de esperança quase regeneradora, representou uma mudança de uma gigantesca dimensão. Se a gestão Obama vier a revelar-se um fracasso, que efeito poderá ter esse fragoroso ruir da esperança? E que América lhe sucederá?

terça-feira, novembro 02, 2010

"Tour de table"

Desde o início que pressenti algo de estranho na atitude daquele técnico, que Lisboa tinha enviado a uma reunião especializada, numa certa capital europeia onde eu estava colocado. Era uma pessoa oriunda de um determinado departamento ministerial português. A sua deslocação justificava-se, essencialmente, para a abordagem de um ponto particular da agenda de trabalhos, supostamente importante para os nossos interesses.

A minha estranheza prendia-se com o facto de, ao ter-lhe formulado algumas perguntas sobre aquele assunto, ter dele recebido respostas muito vagas e inconclusivas. Como era a ele que competia intervir, levei essa atitude à conta de estar a "guardar o jogo". Não insisti.

A reunião tinha lugar durante todo o dia. A mim competia-me apenas acompanhar os trabalhos. No período em que estive presente, a agenda fluiu, sem grandes intervenções. Portugal, por intermédio do nosso técnico, não teve necessidade de se pronunciar. Na parte da tarde, porque fui chamado à Embaixada, deixei o homem sozinho na delegação portuguesa. Esse era o período em que ele tinha necessariamente de intervir, para expressar a nossa posição, naquele ponto específico, que motivara a sua deslocação.

A meio da tarde, quando regressei à sala da reunião, vi o nosso técnico nervoso. Fumava imenso e parecia algo agitado. Perguntei-lhe que tal tinham corrido os debates, no tal ponto da agenda. Seco, respondeu-me: "Juntámo-nos ao consenso". E perguntou-me: "Pode assegurar o resto da reunião? Tenho de ir andando". E lá foi, de regresso a Lisboa.

No final da reunião, um colega da delegação de outro país perguntou-me: "Então vocês não tomaram posição?" Referia-se ao tal tema. Foi então que eu soube que a presidência da sessão havia, a certo passo, decidido fazer um "tour de table" (uma volta à mesa, na qual cada delegação toma a palavra). Nesse instante, o técnico português ter-se-á escapulido da sala, deixando vazio o lugar do nosso país. Claro que, ao chegar à ausente delegação portuguesa, o "tour de table" passou à frente, para a delegação seguinte. O homem terá voltado à sala depois de encerrado o debate sobre o tema. A tempo, pelos vistos, de se informar que havia sido adotado um consenso, proposto pela presidência. Estava explicada a razão pela qual Portugal "se juntara" ao consenso... 

Nunca percebi a razão desta singular atitude de "chaise vide". Seria receio de intervir? Estaria pouco preparado sobre o assunto? A verdade é que, como dizem os ingleses, aquela não terá sido "our finest hour" diplomática.

Contraditório

Uma das constatações mais positivas que faço, ao ler alguns comentários a posts publicados neste blogue, é a saudável circunstância de que muitas das pessoas que simpaticamente o continuam a consultar não estão necessariamente de acordo comigo, não se revêem em algumas das ideias que por aqui vou deixando ou que por aqui se intuem.

segunda-feira, novembro 01, 2010

Livros e bibliotecas

É impressionante a qualidade dos equipamentos públicos que, nas últimas décadas, surgiram um pouco por todo o país. A minha terra de origem, Vila Real, dispõe hoje de um conjunto invejável de estruturas, que já mudaram, por completo, a face da cidade.

No passado sábado, pude experimentar a funcionalidade da nova Biblioteca Municipal. A convite do economista Jaime Quesado, fiz nela a apresentação do seu livro "O Novo Capital", um evento que contou com significativas presenças, desde responsáveis locais até ao próprio líder da Oposição nacional.

O pretexto do livro proporcionou intervenções sobre algumas das temáticas nele desenvolvidas, em certos pontos questionando opções feitas em matéria de políticas públicas e educativas. Uma sessão que poderia ter tido um cariz meramente formal acabou por motivar reflexões que lhe conferiram um  particular interesse. 

Promoção comercial

A noite de sábado estava feroz, lá por Vila Real. Decidimos, mesmo assim, ir jantar, em grupo familiar, a um restaurante. Sob chuva e vento, saímos dos carros. Perguntámos ao empregado que nos abriu a porta:

- Há lugares?

A resposta foi um "must" de promoção comercial:

- Montes deles! Com uma noite destas, só os malucos saem de casa...

Para a história: comeu-se bem.

domingo, outubro 31, 2010

Dilma

Quando cheguei ao Brasil, em 2005, Dilma Rousseff era ministra de Minas e Energia, uma área decisiva dentro do executivo brasileiro. Dos mais de trinta ministros que o Governo brasileiro então possuia, Dilma Rousseff era talvez a única personalidade que combinava uma comprovada capacidade técnica com uma história política pessoal significativa, da qual fazia parte a prisão e a tortura, de que fora vítima durante a ditadura militar.

Embora não pertencesse ao centro do poder dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), a sua eficácia técnico-política e a crescente confiança que o presidente Lula nela claramente depositava foram-lhe garantindo o prestígio que lhe permitiu, na crise que envolveu a saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil, o estatuto necessário para ascender ao lugar que é como que o de um "primeiro-ministro" -  embora, neste caso, no sentido de um "primus inter pares". Ironicamente, pode dizer-se que terá sido o facto de não fazer então parte do "hard core" do PT, que o processo do chamado "mensalão" tinha fortemente debilitado, que lhe deu a vantagem comparativa para assumir o cargo que, como se veio a provar, seria a rampa de lançamento para o processo que iria culminar na sua eleição.

De maio a outubro

Há dias, alguém me perguntava - nessa ilusão de que um embaixador tem um ponto de vista privilegiado - como avaliava a natureza da mobilização estudantil das recentes manifestações sociais em França, comparadas com as de maio de 1968.

As observações diplomáticas valem o que valem, até porque, ao sermos obrigados a fazê-las com incessante regularidade, por dever de ofício, acabamos por multiplicar as oportunidades para nos enganarmos. Ou, pelo menos, quero viver nessa ilusão quanto à razão dos meus próprio erros.

A sensação com que fico é que, no meio do niilismo meio anarca do maio de 1968, caricaturado no simplismo imaginativo dos slogans e "affiches" nas paredes, havia ainda um sentido de alguma esperança e de algum otimismo, mesmo que este fosse produto virtual de ideologias redentoras.

Nos jovens estudantes que hoje saem às ruas francesas julgo notar, para além de uma difusa preocupação sobre o amanhã que os espera, a assunção de um pragmatismo que me parece demasiado frio para a sua idade, como se já se tivessem conformado a não terem direito ao usufruto das grandes ilusões. Nas declarações de muitos, por entre os sorrisos da idade, revela-se já alguma consciência de que não poderão ter garantias de virem a usufruir de um bem-estar idêntico ao dos seus pais.

Ora isto é uma novidade, embora não seja uma boa notícia. Até muito recentemente, os ciclos geracionais sucediam-se num registo de melhoria progressiva de condições de vida ou, pelo menos, de uma expectativa maioritária de que isso viesse a acontecer.

Alguns comentadores devem achar, com toda a certeza, que este meu tipo de observação é titulado por quem se habituou a viver num mundo mais seguro, não sendo legítimo pensar que as novas gerações vão ficar necessariamente marcadas por uma endémica inquietação, apenas porque o seu dia de amanhã pode ser mais incerto. Espero que tenham razão, porque, como alguém já disse, eu também tenho a sensação de que, no passado, o futuro era bem melhor.

sábado, outubro 30, 2010

De joelhos

Um amigo parisiense telefonou-me para Portugal, para saber da evolução do meu joelho, cujo destino repousa ainda, por estes dias, nas insuperáveis mãos de um "craque" da fisioterapia nortenha. 

E, de  passagem, convidou-me para, no meu regresso, jantarmos lá por casa um "jarret de porc" e revermos essa obra mítica de Eric Rohmer que é o "Le genou de Claire" (na imagem). Brincalhão...

sexta-feira, outubro 29, 2010

Gonçalo Ribeiro Telles

Se  houvesse um mínimo de memória pública, as inundações que hoje afetaram, de forma quase dramática, a Baixa de Lisboa, deveriam levar-nos a recordar a figura do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.

Aquele que foi o pioneiro da consciência ambiental em Portugal, e a quem ainda não foi prestada a grande homenagem nacional que também por isso lhe é devida, alertou, em devido tempo e de forma enfática, para as consequências que o tipo de construção que então se promovia na Avenida da Liberdade, em Lisboa, iriam ter em termos de limitação do escoamento subterrâneo das águas, quer em caso de intempéries quer no tocante à necessidade de contínua humidificação da estacaria em que assenta a Baixa pombalina. O arquiteto Ribeiro Telles não foi ouvido, as obras continuaram a fazer-se da mesma forma e o resultado aí está, à vista de todos. Sem culpados, claro. Era o que faltava!

quinta-feira, outubro 28, 2010

Tarek Aziz

Reconheço que pode haver algo de "corporativo" na forte impressão que me faz a condenação à morte de Tarek Aziz, o antigo chefe da diplomacia de Saddam Hussein. Para além de ser, por princípio e como é óbvio, adversário feroz da pena de morte, em qualquer circunstância.

Aziz foi, durante muitos meses, uma das caras mais "apresentáveis" da ditadura iraquiana. Circulava nos meios diplomáticos, jogava todas as manobras dilatórias possíveis face às pressões da comunidade internacional, e assegurava, perante a incredulidade de muitos, que o Iraque não tinha armas de destruição maciça. E não tinha, como se veio a provar... 

Não sei se Aziz tem todas as responsabilidade que se lhe assacam. Algumas terá. Mas nenhuma delas justifica que venha a passar por essa prova de medievalismo judicial que é a forca.

A União Europeia vai inaugurar, daqui a um mês, com pompa, circunstância e ambição o seu Serviço Europeu de Ação Externa. Sobre ele falaremos em breve. Gostava de dizer que seria um gesto de grande dignidade - e de mostra clara de princípios - se a nova cúpula diplomática bruxelense fosse capaz de obter autoridade para dizer aos iraquianos, alto e bom som, que a Europa irá retirar todas as necessárias consequências, no relacionamento bilateral com Bagdad, se o seu regime prosseguir com bárbaras execuções, nesta lenta "révanche" política em que se está a transformar o processo condenatório dos antigos líderes do país.  Muitos europeus morreram em solo iraquiano para ajudar a implantar o seu atual regime. Alguma autoridade a Europa tem para se pronunciar sobre as práticas bárbaras que o mesmo regime leva a cabo.

Vale a pena recordar que, se acaso se tratasse de um pobre país da Convenção de Cotonou e não do Iraque, a "voz grossa" de Bruxelas há muito que já estaria no ar. Mas como o Iraque atual é, para a Europa, fonte de petróleo e negócios, o caso muda de figura. Além disso, os eurodiplomatas sabem que Bagdad tem, na matéria em causa, as "costas quentes" de Washington, onde a pena de morte se mantém, sem vergonha nem escândalo, apenas sob a tibieza de umas burocráticas declarações bruxelenses em "caixa baixa".

Um diplomata é a última pessoa que deve mostrar-se surpreendido pelo exercício da realpolitik, eu sei! Mas, às vezes, também devemos poder exprimir o nosso direito à indignação. Ele aqui fica.

Periferia?

Entrar numa tabacaria em Vila Real, antes de almoço, e poder comprar o "Le Monde" com data "Jeudi 28 octobre 2010" (sim, eu sei que o "Monde" sai na véspera, a meio do dia, com a data do dia seguinte, mas mesmo assim...) é a prova provada de que a periferia já não é o que era.

Sem nostalgia (antes pelo contrário...), recordo-me dos tempos - final dos anos 60 e durante os anos 70 - em que disputávamos, da parte da tarde, os muito escassos "Diário de Lisboa" da véspera, que eram destinados à venda na cidade.  Os mais atentos sentávamo-nos então no café "Pompeia", de olho na tabacaria do "Bragança", logo em frente, à espera de ouvir o barulho da motocicleta do Fernando "Choco", em cuja caixa traseira chegavam os rolos com os "Lisboas", trazidos da estação. O Neves da "Pompeia" ficava furibundo quando via abalar, de sopetão, esses clientes oportunistas, motivados apenas pela geografia citadina, em direção à pastelaria "Gomes", onde um mais generoso consumo, a leitura e a conversa de tertúlia dos universitários em férias iria prosseguir.

Alguns anos antes, muitos de nós tínhamos um ritual em tudo idêntico. Só que a moto era do Albertino "dos jornais", o local de espera eram as escadas do Banco de Portugal,  no "Cabo da Bila*", a publicação por que se ansiava era, uma vez por semana, o "Cavaleiro Andante". Outras idades e outras letras.

*Com "b", claro

quarta-feira, outubro 27, 2010

Portugal em obras

Uma rua essencial para o acesso da cidade de Vila Real ao seu hospital encontra-se bloqueada, desde há semanas, por obras de ligação da rede de águas.

Durante vários dias, nenhum operário apareceu nessas obras. Seria uma greve? Uma crise laboral? Não, parece que o empreiteiro tinha levado os trabalhadores para as suas vindimas...

País bizarro, este!

Inquietação

Das caras e dos comentários das pessoas que vou encontrando ao longo do dia ressalta um sentimento difuso de inquietação. A crise política, que se soma à crise económico-financeira, tem agora uma expressão mais concreta. O dia de hoje está a ser visto, por muitos, como uma data que inaugura uma viagem para o desconhecido, para um mundo onde já nada é seguro, a não ser as dificuldades da vida - que ninguém, contudo, sabe ou pode medir em toda a sua plenitude. Para quem tem compromissos, para quem tem pessoas a cargo, para quem não tem emprego ou o vê já precário, para quem estuda não se sabe bem para fazer o quê  - estes dias devem ser angustiantes. Não se diga que a crise é para todos, porque os seus efeitos são assimétricos, pelo que diferentes são os graus de inquietação de quem a sente. E de quem a comenta, claro.

Pode parecer um sentimento estapafúrdio, mas acho que, se todas as coisas más têm um lado bom, talvez o dia de hoje tenha a virtualidade de levar muitos portugueses a refletirem um pouco mais no país, deixando, por uma vez, a ideia de que essas coisas da política são para os outros, de que há um "jogo" em S. Bento e em Belém para o qual somos convocados, de tempos a tempos, para dar uma opinião cruzada num papel branco.

E, contudo, somos um país feliz - e alguns leitores devem achar isto uma heresia. Somos felizes por sermos uma sociedade democrática, com instituições que, por mais de uma vez, deram provas de serem capazes de enquadrar fortes tensões económico-sociais. Somos felizes porque temos liberdade, porque podemos exprimir as nossas opiniões, porque temos o direito de escolher quem queremos que nos governe. Somos felizes porque, não obstante todas as suas inesperadas limitações, estamos inseridos na União Europeia, que nos trouxe muita prosperidade e nos fornece ainda algumas das chaves essenciais para abrir as portas do nosso futuro.

A inquietação e o desespero não são bons conselheiros. Pelo contrário: são o pasto dos demagogos e dos paladinos do finis patriae, dos promotores das soluções que radicam fora do sistema, como se um salto para o desconhecido nos pudesse trazer qualquer súbita panaceia salvadora.

Os tempos estão tensos, as pessoas tendem a radicalizar posições, os antagonismos podem aumentar. É nestas alturas que temos de ser mais vigilantes sobre nós mesmos, em que devemos parar para pensar, para decidir, para optar. É nos tempos difíceis que se mede a serenidade de um país, a sua maturidade como nação. Temos quase nove séculos, passámos por crises muito mais graves e, com esforço, fomos capazes de as superar. Este é talvez um dos momentos em que se pode aplicar a frase de John Kennedy: "não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que tu podes fazer pelo teu país".

Gaudin

Um dia de 2010, quando era embaixador em França, fui alertado para o facto de uma empresa portuguesa de construção civil, sedeada em Braga e...