Eram quatro da tarde desta sexta-feira. Tínhamos acabado uma reunião de trabalho, no Porto. Um dos meus colegas, sorridente, lançou-me: “Então?! Sentiu-se atingido pelo que o Marcelo disse?”. O que é que “o Marcelo” disse? Eu estava “a leste”! E deram-me então conta do essencial das palavras do presidente, em que mencionara a nossa diplomacia em termos que justificadamente não agradaram à “casa”. Palavras que eu desconhecia, em absoluto. Tal como, naturalmente, não sabia que a nossa associação sindical tinha já reagido ao que o chefe de Estado tinha afirmado.
Percebi então por que razão tinha no telemóvel algumas chamadas telefónicas, não atendidas, de dois jornalistas, a quem não tinha respondido, porque o meu dia de ontem foi “impossível” - entre quatro horas de aulas, escrita de dois artigos hoje publicados, uma viagem de algumas horas e outras coisas. E, no dia de hoje, com duas reuniões, não tinha ainda lido jornais portugueses (e nada vinha no FT nem no “The Economist”, que me acompanharam ao almoço solitário na “invicta”, em que ainda tive tempo para escrevinhar uma historieta de outros tempos que logo publicarei).
Que se pode dizer sobre aquilo que o presidente disse? Pouco, para sermos generosos. Creio ser óbvio que o que o presidente quis dizer é que há figuras públicas conjunturais que, pelo seu excecional impacto no mercado das imagens, levam, por vezes, o nome de Portugal mais longe do que os mecanismos oficiais e tradicionais de representação. Só que as palavras que usou não foram as melhores, “to say the least”. Toda a gente tem direito a um momento infeliz, pelo que não devemos privar o presidente da República dessa nossa “bula” de desculpabilização. Fez muito bem a Associação Sindical em reagir, nos termos elegantes, mas firmes, em que o fez. Dignificou-se e mostrou que está atenta e atuante. Parabéns!
Quem me conhece sabe que passei a vida profissional, às vezes numa incómoda solidão, a reagir aos ataques feitos à nossa diplomacia - em artigos, comentários na imprensa ou nas redes sociais, intervenções públicas. Sem falsa modéstia, não conheço ninguém que, nas últimas décadas, tenha dado sistematicamente a cara por esta questão da forma como eu o tenho feito.
Da última vez que “fui a jogo”, não há muitas semanas, recebi vários apoios à determinação com que denunciei mais um ataque, soez e mentiroso, contra os diplomatas portugueses. Acho que não estarei a fazer uma inconfidência grave se revelar que um desses “abraços” escritos, felicitando-me pelo modo como tinha ido a terreiro defender a dignidade da carreira diplomática, que ele era dos primeiro a prezar e muito estimar, tinha uma assinatura: Marcelo Rebelo de Sousa. Porque sei que o fez com uma sinceridade que corresponde ao que intimamente sempre pensou, acho que este assunto deve agora ser encerrado, com honra para todos.