Aquele embaixador era conhecido por ser uma figura um tanto bizarra. Isso também se refletia na decoração, bem eclética, que espalhava por toda a sua residência oficial. A avaliar pela diversidade das peças, fruto de andanças por vários mundos, o nosso representante diplomático era um colecionador de recordações, muitas das quais de gosto muito mais do que discutível. O facto de ser solteiro, de não ter a seu lado uma sensibilidade feminina que o ajudasse a equilibrar o conjunto, resultava em óbvias e não felizes consequências no aspeto decorativo das suas salas.
Se havia um ponto dessa mesma decoração que se salientava como mais chocante esse era, sem dúvida, o colorido pavão, de "papier maché", adquirido no México, que ocupava um lugar central no salão de entrada, num pedestal colocado sobre um horrível tapete retangular, de cor bem forte e sentido estético bem fraco.
Um dia, o ministro-conselheiro, um tanto a medo, atreveu-se a dizer ao embaixador que, porventura, a colocação do pavão talvez fosse demasiado impositiva para o equilíbrio estético do salão. E adiantou, como sugestão, que podia ser interessante colocá-lo num canto da sala, num lugar mais discreto.
A resposta do embaixador desarmou-o: "Ó homem, você não percebe a razão por que tenho aqui o pavão? Eu sei que as pessoas podem sentir-se um pouco surpreendidas com esta peça, mas ela tem um função muito importante. Quando tenho um almoço ou um jantar, à medida que os convidados chegam, é sempre preciso encontrar um tópico para iniciar a conversa. Ora nada melhor do que este pavão para servir como "point for talk". Nem você imagina a quantidade de pessoas que, olhando para o pavão, começam logo a inquirir onde o comprei, de que é feito, etc. Ora isto é precioso: garantir um tema de arranque de uma conversa é muito importante, o que evita logo falar do clima, do tráfego ou outros temas artificiais de circunstância. E, do pavão, podemos logo passar às questões de arte, de geografia ou dos costumes. O pavão dá-me imenso jeito!".
O ministro-conselheiro ficou rendido ao argumento e mais valorou a "tática" do seu chefe quando este adiantou, com subtil e auto-flagelatória ironia: "E fique você a saber que não me preocupo nada pelo facto de algumas pessoas poderem, no seu regresso a Lisboa, falar do "pavão" do nosso embaixador..."