quarta-feira, março 24, 2010

Diplomacia pública

Há dias, a imprensa deu conta da decisão do governo israelita de promover grandes ações internacionais de "diplomacia pública", com vista a contrariar a imagem, que considerava distorcida, que o país usufruía nos media internacionais. 

A este propósito, lembrei-me de uma (vá lá! ousada e pouco disciplinada) atitude que tive, nos anos 90, quando desempenhava funções de encarregado de negócios, na nossa Embaixada em Londres.

Na televisão britânica, tinha passado um filme sobre o trabalho infantil em Portugal, na área do têxtil. Era um retrato infelizmente então muito verdadeiro, espelho de pobreza, de alguma complacência oficial e de falta de empenhamento das estruturas empresariais do setor. Porque os britânicos eram nossos concorrentes no mercado de certos produtos têxteis, havia uma fundada suspeita de que, na origem da promoção do filme, pudessem estar interesses da indústria britânica, o que provavelmente seria verdade.

Do meu Ministério, de Lisboa, recebi uma pergunta: o que é que eu achava que poderíamos ou deveríamos fazer para atenuar o efeito negativo do filme na imagem do nosso país? Que tipo de reação seria mais adequada?

Numa atitude que, por pouco, me não valeu uma reprimenda disciplinar, tive o topete de sugerir, por via oficial, que, sendo irreversível o efeito da imagem entretanto criada, era minha opinião que a melhor forma de evitar, futuramente, a exploração mediática do trabalho infantil em Portugal era... acabar com o trabalho infantil.

A verdade é que, nos dias que correm, com uma ação repressiva e de formação muito eficaz, envolvendo as associações profissionais e o setor educativo, Portugal deu passos gigantes nesta área, diminuindo radicalmente os casos de trabalho de crianças e adolescentes - que eram correntes no têxtil, no calçado e nas obras públicas. Nem tudo está feito, mas imenso se tem conseguido avançar neste domínio, para honra do nosso país, como é internacionalmente reconhecido.

Deixo aqui a nota da "impaciência", quiçá intempestiva, do nosso então diplomata londrino...

8 comentários:

Anónimo disse...

Lucidez, isso sim...
Não tapar o sol com a peneira.
Assertividade e transparência, no uso do poder para poder fazer a coerência do discurso com as práticas.
Obrigado, pelas Nossas crianças...
Isabel Seixas

Anónimo disse...

No caso de Israel, está-me cá a parecer que nem com toda a "Diplomacia Pública" do Mundo a imagem do país deixará de estar distorcida. Por razões mais do que óbvias.
Albano

Helena Oneto disse...

1- A imagem de Israel nunca esteve tão degradada. No "Le Monde" de hoje lê-se :
«…Barack Obama a reçu, mardi, Benyamin Nétanyohou dans l’espoir de relancer les relations entre Israël et les Etats-Unis, et de sortir de l'impasse diplomatique au Proche-Orient... "L'annonce, il y a deux semaines, d'un projet de construction de 1 600 nouveaux logements pour des colons juifs à Jérusalem-Est a amené les Palestiniens à suspendre leur accord pour des pourparlers indirects sous l'égide de l'émissaire de M. Obama au Proche-Orient. George Mitchell. Elle a également suscité une crise sans précédent depuis vingt-cinq ans dans les relations israélo-américaines, la secrétaire d'Etat Hillary Clinton l'ayant jugée insultante pour les efforts de paix américains."
"Quelques heures avant sa rencontre avec le président Obama, M. Nétanyahou avait planté le décor de sa rencontre devant les dirigeants démocrates et républicains du Congrès en jugeant que l'insistance des Palestiniens à obtenir un gel de la colonisation juive était de nature à retarder le processus de paix. "Si les Américains soutiennent les demandes déraisonnables présentées par les Palestiniens concernant un gel de la construction à Jérusalem, le processus politique risque d'être bloqué pendant un an", a-t-il dit. "Les relations entre Israël et les Etats-Unis ne doivent pas être hypothéquées par les divergences sur le processus de paix avec les Palestiniens", a-t-il ajouté. Au moment même où se déroulait la rencontre, plusieurs médias israéliens ont annoncé que la municipalité israélienne de Jérusalem avait donné son feu vert final à la construction de vingt logements à l'emplacement d'un hôtel palestinien à Jérusalem-Est. » …
2- O filme sobre o trabalho infantil em Portugal também passou cá. A imagem que deixou “desse Portugal” que nos envergonha, também aqui deixou marcas.
3 - "... numa atitude que, por pouco, me não valeu uma reprimenda disciplinar" ???! por ter, nos anos 90 (!!! ), condenado o trabalho infantil ? num país democrata e membro de CEE ?? ...
Como o Senhor Embaixador diz, “Portugal deu passos gigantes... diminuindo radicalmente os casos de trabalho de crianças e adolescentes ” Ouff ! ja era tempo. Mas o mal esta feito! (Lembro-me o que há tempos li neste blog sobre un artigo do “Libération” e da imagem “peu flatteuse” do nosso país...)

Anónimo disse...

Há silêncios
Descarados amortecedores
Dos gritos dos puros
Indefesos
Aí...
Há vozes
Ou pelo menos uma voz
Chama-se coragem
Desígnio de inspiração
Luz
Nas trevas da solidão
Da soberba libertinagem
Liberalizada no direito atroz
De só alguns terem direito a Voz
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Pegando no bonito poema de Isabel Seixas (IS) e no que Helena Oneto disse, nunca é demais recordar que de facto, “houve silêncios”, durante demasiado tempo, que permitiram que os tais “indefesos”, que o poema de IS refere, fossem explorados, enquanto trabalho infantil. Tal tipo de situações era mais próprio de países do Terceiro Mundo, todavia, ao que parece, nos anos 90, como bem nos recorda aqui FSC, o nosso país ainda apresentava “comportamentos económico-sociais” do género! Ou seja, ainda não há muito tempo! Vá lá, as coisas, gradualmente, melhoraram, neste particular aspecto.
P.Rufino
PS: aqui há uns 2 ou 3 anos, numa aldeia ali para a Beira-Alta, recordo-me de um dia ter ouvido um queixume de uns pais criticando os dois filhos (rapaz e rapariga, entre os 14 e 13 anos) “por quase nada os ajudarem nas tarefas do campo”, tendo meu pai replicado, e com razão, que “se o faziam era porque se dedicavam a outras tarefas, não menos relevantes, como por exemplo, estudar”. O que era verdade. E aqueles dois acabaram, muito acabrunhados, por lhe dar razão: “pois, ao menos isso!”

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador, é verdade que andámos muito. Mas quando olho as nossas crianças e os nossos velhos, no enquadramento em que nos encontramos, tenho uma sensação de mau estar tremenda.
É que, julgo, na educação se cometeram muitos erros. Que iremos pagar caro.
Quanto aos velhos, já sem poder negocial, vejo retirarem-lhes regalias na saúde e fico confrangida.
Os portugueses, Senhor Embaixador andam tristes. E têm razão para isso, porque ninguém lhes explicou, a tempo, que não somos um país rico. Venderam-lhes ilusões e aqueles que os chamavam à realidade, foram marginalizados. O resultado está à vista...Gastou-se o dinheiro e agora vendem-se as joias da coroa por tutta e meia.
Mas salvámos, claro, o BCP e o BPN que agora queremos vender. E quase ia o BPP...Por causa do risco endémico!
Helena O. acabei ontem a biografia da Golda Meir. As sua palavras são sábias, como sempre.

Helena Sacadura Cabral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Julia Macias-Valet disse...

Ao ler este post encontrei-lhe algumas similitudes com o tema inicial do romance "Equador" de Miguel Sousa Tavares.
Senao vejamos os ingredientes :
- Trabalho "fora da lei";
- Ingleses a policiarem a situaçao e a fazerem pressao através dos media.
- Envio de um Consûl para Sao Tomé para apaziguar os efeitos nefastos junto da comunidade internacional.

Dizem que a Historia é ciclica...

Poder é isto...

Na 4ª feira, em "A Arte da Guerra", o podcast semanal que desde há quatro anos faço no Jornal Económico com o jornalista António F...