terça-feira, março 09, 2010

África(s)

Notei que a cara do nosso embaixador não era das mais felizes. Vim a saber que o ministro dos Negócios Estrangeiros o tinha informado, logo no início da nossa visita oficial ao país africano onde estava colocado, que o seu próximo destino seria... um outro país africano. Curiosamente, um país onde, anos atrás, estivera já em posto por quatro anos.

Ter passado, em duas vezes, oito anos em África, com a perspetiva de um período idêntico numa capital africana onde já servira, aliás bastante distante de Portugal, era uma ideia que não agradava, compreensivelmente, àquele meu colega. Não obstante o grande interesse profissional dos postos, a vida em África acarreta quase sempre problemas específicos, pessoais e familiares, pelo que, muito legitimamente, ansiaria ter agora um outro destino geográfico. O ministro, contudo, não lhe dera qualquer alternativa.

À noite, no jantar na residência oficial do ministro africano que nos recebia, a conversa derivou, a certa altura, para a Revolução do 25 de Abril. Pedagógico, o ministro português explicou ao anfitrião, com algum detalhe, as motivações subjacentes à revolta contra Marcello Caetano. Dentre essas razões, elencou os problemas de carreira e as pulsões democráticas que atravessavam a tropa, para concluir: "Além do mais, os oficiais portugueses estavam cansados de fazer várias comissões de serviço em África".

Foi aí que se ouviu, num sonoro aparte em português, a voz do meu colega em posto: "Como eu os compreendo!". Dei uma gargalhada de solidariedade, cujo significado poucos entenderam, com exceção do nosso ministro. Do outro lado da mesa, o António sorriu.

11 comentários:

José Barros disse...

De facto duas vezes quatro anos são períodos bem compridos para serem bem cumpridos.

Julia Macias-Valet disse...

Claro que todos nos sabemos que nas carreiras diplomaticas ha paises que valem mais (um pouco como as ruas do Monopolio) mas dai a se ter a sensaçao que ficar mais quatro anos em Africa, é ficar mais quatro anos no purgatorio para atingir o paraiso...!?

Eu diria "ni tanto, ni tan calvo !"

E o Ministro la teria as suas razoes, nao ?

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Julia Macias-Valet: as regras de funcionamwento da carreira diplomática, para um diplomata que não fosse embaixador, não permitiriam, em princípio (salvo pedido do próprio), dois postos consecutivos em África. Nesses casos, aliás, nem é ao ministro que compete decidir a colocação, nem sequer o ministro pode sugerir uma decisão. Ela é tomada pelo Conselho Diplomático, constituído pela hierarquia da carreira e por representantes eleitos das diversas categorias de diplomatas.

Porém, a nomeação dos embaixadores para os postos depende apenas da decisão política (proposta governamental e decreto presidencial), não havendo regras de rotação entre tipos de postos. Ou melhor, há a justiça e o bom-senso.

Julia Macias-Valet disse...

Grata por tao simpatico esclarecimento.
Mas, so uma coisa nao compreendi, entao porque é que o colega, do Senhor Embaixador, em posto teve que ficar oito anos em Africa se nao era esse o seu desejo ? Nem essa "normalmente" a regra ?

Ou sera que a excepçao mais uma vez confirma a regra ?

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Júlia Macias-Valet: A resposta É:porque era embaixador. A tal "regra", como referi, só funciona para os diplomatas que não chegaram ainda à categoria de embaixador.

Julia Macias-Valet disse...

POIS ! : ()

"Elementar meu caro Watson !"

Helena Oneto disse...

Neste caso, houve justiça ou falta de bom senso ?

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena Oneto: deixo ao seu cuidado o tirar das conclusões...

Anónimo disse...

Se é quem eu penso, o Embaixador em causa - grande diplomata e ainda melhor amigo - acabou por morrer, de doença não diagnosticada no seu segundo posto africano...

Anónimo disse...

Tarda uma compilação destas estórias para A VIDA DE UM DIPLOMATA...

J.Mello

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador
Também há postos de castigo. Um familiar meu passou quase doze anos ininterruptos em dois "maravilhosos países de Leste"!
Para a época, vá o Diabo e escolha, se me permite o jargão popular.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...