O período da transição da ditadura para a democracia, no final do século passado, é um dos mais interessantes na história contemporânea de um país com tanta História como é Espanha.
Muitas personalidades contribuiram, durante essa época, para ajudar a colocar um ponto final às "dos Españas", que se haviam confrontado nos anos 30 e que a violência da repressão franquista prolongou algumas por décadas mais, à sombra da absolvição prática de ditaduras na península ibérica pelo "mundo livre", no oportunismo da realpolitik da Guerra Fria .
Mas houve, claramente, dois homens a quem, nesse contexto, a Espanha ficou a dever um serviço maior: o rei Juan Carlos e Adolfo Suarez.
Desde há muito, tenho lido tudo quanto posso sobre esse período, sobre o estertor do franquismo, sobre as tensões militares que o procuraram prolongar, sobre os difíceis passos para a reconstituição de um sistema político democrático - passos difíceis, até porque dados sob o cenário de fundo das pulsões autonómicas e da ameaça do terrorismo.
Há uns meses, numa livraria espanhola, comprei um livro de que já ouvira falar, do qual haviam sido publicadas já diversas edições: "Suárez y el Rey", uma obra de Abel Hernández, que foi prémio Espasa/Ensayo em 2009. Acabei de lê-lo há dias.
Trata-se de um relato interessantíssimo da relação entre aqueles dois homens a quem a Espanha muito deve, cujo entendimento permitiu garantir a fixação de um quadro institucional de vivência democrática em Espanha. O livro não é uma hagiografia de nenhuma daquelas personagens, deixa entrever a mutação de algumas circunstâncias, que não deixou de pesar nas relações entre ambos, na talvez inevitável contradição entre quem tem por ambição representar a continuidade do Estado e quem titulou um projeto específico para a sua gestão temporal, que as urnas viriam a rejeitar. Trata-se de um trabalho de grande seriedade, no delicado domínio da história contemporânea. Como disse, li muito sobre esse período, mas as pouco mais de 200 páginas deste livro deram-me chaves de compreensão que ainda não tinha.
Trata-se de um relato interessantíssimo da relação entre aqueles dois homens a quem a Espanha muito deve, cujo entendimento permitiu garantir a fixação de um quadro institucional de vivência democrática em Espanha. O livro não é uma hagiografia de nenhuma daquelas personagens, deixa entrever a mutação de algumas circunstâncias, que não deixou de pesar nas relações entre ambos, na talvez inevitável contradição entre quem tem por ambição representar a continuidade do Estado e quem titulou um projeto específico para a sua gestão temporal, que as urnas viriam a rejeitar. Trata-se de um trabalho de grande seriedade, no delicado domínio da história contemporânea. Como disse, li muito sobre esse período, mas as pouco mais de 200 páginas deste livro deram-me chaves de compreensão que ainda não tinha.
A fotografia deste post, de 2008, que figura na capa de algumas das edições do livro, onde se vê o rei espanhol a acompanhar um Suárez já afetado pela doença neurológica que o debilitou sem remissão, é, a meu ver, uma imagem muito comovente. No fundo, é o retrato afetivo de uma cumplicidade patriótica que salvou a Espanha de uma tragédia.
10 comentários:
No fundo, o Sr.Embaixador,um repu-blicano assumido e compulsivo,
compreende bem as vantagens da Monarquia.Neste ano em que a Embai-xada em Paris vai patrocinar um seminario sobre a Republica,nao seria desinteressante uma confe-rencia sobre as vantagens da Monar-quia em confronto com a Republi-ca,um confronto entre um projecto intemporal e outro temporal.
Vantagens da Monarquia, não. Do Rei Juan Carlos ( e da Rainha Sofia, que tinha, através do irmão, a experiência de como caem as Monarquias...), sim. Um grande Rei não faz, por si só, vantajosa a Monarquia!
Sei que vou comprar o livro...
A imagem é de facto enternecedora.
Isabel Seixas
Senhor Embaixador este seu post comoveu-me. Ando a ficar piegas...
Comoveu-me, porque tendo sangue espanhol, escolhi ser portuguesa.
Mas, também por essa escolha, senti sempre a obrigação de conhecer tudo o que se relaciona com Espanha. Leio os seus diários de referência e acompanho, com o mesmo empenho, as duas realidades da Península Ibérica.
O livro que refere é, a muitos títulos, exemplar. E o seu post de hoje, também! Muito obrigada pela sua capacidade de tão bem entender o que é diferente. Mesmo daquilo que possamos pensar!
Nos dias que correm bem que precisavamos em Portugal duma figura como o Rei Juan Carlos. Atingimos um (baixo) nível impensável e não temos uma única referência. Olhamos em Portugal para os que "lá estão" e sentimo-nos completamente desolados.
Precisavamos duma figura como a do Rei Juan Carlos nem que não fosse para mostrar que determinados valores perduram e que há um passado e um nome a preservar.
Há e continuará a haver duas Espanhas não e sabe até quando, mas seguramente enquanto todos os crimes franquistas não forem trazidos para a praça pública, sem contemplações. Não foram quando deveriam ter sido, por culpa dos socialistas e agora...por culpa dos fascistas do PP.
Duas Espanhas...não compreendem a Catalunha, nem o País Basco, que não são Espanha.
Quanto ao papel do "Rey" na transicção ...e dos socialistas, ver "Anatomia de un instante", de Javier Cercas, livro do ano em Espanha.
É bom relembrar o que vai sendo esquecido, pelo tempo: o papel, como aqui muito oportunamente refere FSC, de Juan Carlos e Adolfo Suarez na transição da Ditadura para a Democracia. Foi de facto primordial o desempenho de ambos, nesse sentido. Uma transição sem grandes turbulências, gradual, mas que deu resultados. Como se viu. E como aqui se diz, “cumplicidade patriótica entre ambos, que salvou a Espanha de uma tragédia”.
P.Rufino
...de tudo isto o que mais me comoveu foi a menção ao "...já afectado pela doença neurológica que o debilitou sem remissão..."
As debilidades neurológicas são tremendas...; conviver com o progressivo alheamento, o apagar de quem se é, a noção do mundo é...devastador.
Foi isto.
É isto, helás.
Depois resta a esperança que a História faça justiça a quem foi grande.
Melhor.
Até a pequena história de cada um de nós; que nos faça a justiça de testemunhar que, pelo menos, tentámos.
De coração.
Admiro as qualidades humanas e a coragem de (El Rey) e gosto de Juan Carlos pelas mesmas razões evocadas pelos Senhores Alcipe e Rufino.
Admiro-o caro (permite-me ?) Senhor Embaixador pela sua "clairvoyance"!
Franco falece em Novembro de 1975 desencadeando a transferência da chefia de Estado ao Rei Juan Carlos tal como tinha sido estabelecido nas Cortes em 1969. Naquele momento crucial da história de Espanha, o novo Chefe de Estado escolhe, entre diversos candidatos, Adolfo Suárez como a pessoa idónea para liderar o novo governo e substituir Arias Navarro. Esta opção revelou-se crítica dado que Suárez sendo um "insider" do sistema franquista tinha firmes convicções democráticas, permitindo organizar a transição desde dentro do próprio regime. Nos anos seguintes Suárez legaliza os partidos políticos, incluíndo o Partido Comunista e vence as primeiras eleições democráticas e livres naquele país desde 1936 com a UCD. Anos mais tarde, em 1981, o Rei revelar-se-á novamente como um elemento providencial na consolidação da transição política ao conseguir abortar a tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro. É necessário e justo ter sempre presente a importância do papel desta dupla que protagonizou o desmantelamento de 40 anos de repressão franquista e abriu o caminho da democracia e posterior adesão europeia.
João Morais
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