A poesia - isto é tão discutível como tudo, reconheço - não é algo que seja naturalmente fácil para o gosto comum. Não falo de rimas populares, do versejo vulgar, refiro-me a textos mais sofisticados e complexos, alguns de leitura não unívoca, que é precisamente onde pode residir a sua maior graça.
Tenho amigos que, embora cultos, são completamente incapazes de ler poesia, não têm paciência para o que consideram ser um modo rebuscado e artificial de escrita. Quando muito, sabem de cor uns versos que os obrigaram a decorar nas seletas - como a “Balada da Neve” - e, de certo modo, fazem disso a caricatura de toda a poesia, o que no fundo lhes disfarça a falta do gosto que não educaram.
Em minha casa, na infância, a poesia fazia frequentemente parte dos nossos serões. O meu pai lia alto - e achava que sabia ler, o que é também um “estilo” para certos amantes da poesia - alguns dos seus poetas preferidos, que, curiosamente, o destino acabou por fazer com que fossem, em regra, muito diferentes dos meus. Mas “dizia” poesia com regularidade, sabendo muitos poemas de cor, habituando-me a ouvir e, por essa via, a também ler poesia. Houve um tempo - a minha fase ”política” de leitor de poesia - em que próprio tinha decorado vários poemas de Manuel Alegre e de alguns poetas do neo-realismo. Nunca agradecerei o suficiente ao meu pai por esse gosto que me transmitiu.
Ainda hoje me faz imensamente bem sentar-me com um livro de poesia na mão. Não é muito frequente isso acontecer, mas, às vezes, passo um bom par de horas saltitando, de livro em livro, “agarrando’ poemas de vários autores. Tenho imensa poesia pelas minhas estantes e tenho vindo a descobrir, um pouco por acaso, alguns poetas contemporâneos, parte deles pouco conhecidos, de muito boa qualidade. Não sou um leitor silencioso, confesso, quase sempre só consigo ler poesia dizendo-a alto, mesmo que só para mim, o que me afasta de alguma poesia de mais difícil sonoridade.
Serve isto para dizer que devo a Maria Germana Tânger, que agora desapareceu, alguma coisa do meu gosto pela poesia, pelo que também lho agradeço, nesta que foi a hora da sua morte. Foi ouvindo-a a ela, nesse outro tempo da nossa televisão, mas também a Manuel Lereno, a João Villaret e, mais tarde, a Mário Viegas e a outros “diseurs” (não apenas portugueses) que ganhei para sempre o gosto por essa forma diferente, mas magnífica, de literatura.