quarta-feira, janeiro 10, 2018

Secretos


A hierarquia de confidencialidade das comunicações que os postos diplomáticos trocam com o Ministério dos Negócios Estrangeiros (que formalmente se designava nas comunicações por “secretaria de Estado”, em memória da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, criada em 1736) tem vários graus, de acordo com a delicadeza daquilo que é transmitido, que igualmente se reflete no âmbito de distribuição da informação.

Um dia, quando estava embaixador em Paris, enviei um “telegrama” (como se designam as comunicações remetidas dos postos, enquanto as recebidas da “secretaria de Estado” se chamavam tradicionalmente “despachos telegráficos”) a que decidi atribuir a classificação de “secreto”. 

As regras diplomáticas aconselham a que deva haver alguma parcimónia no uso da classificação de “secreto” (e muito mais de “muito secreto” e ainda mais de “telegrama pessoal para Sexa Ministro”), mas houve sempre na carreira colegas que usaram e abusaram dessa classificação, talvez porque achavam que assim eram mais lidos...

Já agora, diga-se que todas as comunicações com classificação de confidencialidade são “cifradas” (através de métodos técnicos que variaram muito ao longo do tempo, destinados a dificultar a sua leitura por curiosos exteriores), enquanto que os “telegramas” sem classificação seguem “em ostensivo”, isto é, sem serem sujeitos a “cifra”. Enfim, liturgias da casa...

Mas voltemos ao meu “secreto” de Paris. Já não faço ideia sobre que assunto era. 

Havia a regra de nunca falar do conteúdo de “telegramas” pelo telefone (para não “quebrar a cifra”), mas sempre me pareceu não haver grande inconveniente em telefonar a chamar a atenção para uma determinada comunicação, sem tocar no conteúdo, destacando-a na avalanche de “telegramas” que diariamente inundam a “secretaria de Estado”. Assim, liguei a um colega que tinha um lugar elevado na hierarquia do MNE e disse-lhe, simplesmente: “Chamo a tua atenção para um “secreto” que enviei esta manhã”.

A resposta do meu interlocutor, com quem já não falava há bastante tempo, apanhou-me desprevenido: “Secreto?! Ó meu caro! Eu saí do serviço ativo há quase um mês. Para mim, agora, “secretos” só de porco. Olha! Ainda há dias comi uns excelentes no Galito. Quando é que vens cá a Lisboa para uma incursão alentejana?”

Lembrei-me disto há pouco, ao combinar, com um outro amigo, uma almoçarada nesta quarta-feira, precisamente no Galito. Já por lá não está a Dona Gertrudes, mas sei que o meu amigo Henrique seguramente que nos vai assegurar uma refeição “à maneira”.

5 comentários:

Guilherme Sanches disse...

...E que assim deixou de ser uma refeição secreta... Abraço G.S.

Anónimo disse...

A partir do uso do Mail e peloenos até eu sair do activo, deixou de haver transmissão de telegramas em ostensivo, segundo os peritos para maior segurança do sistema. Não garanto é o cumprimento dessa norma
Fernando Neves

Anónimo disse...

Pois quando se fala de "secretos", de preferência que sejam de porco-preto do montado...

Ésse Gê (sectário-geral) disse...

Numa actividade mui menos nobre que a sua (serviços administrativos de uma estrutura equivalente a uma Direcção-Geral com "filiais" em todo o território nacional) coube-me redigir um documento que deveria ser classificado e apenas lido pela pessoa do destinatário sem passar pela 'Intelligence' do serviço. Ainda foi no tempo em que havia uns que redigiam e outros que 'batiam' na máquina. Decidi não fazer qualquer recomendação prévia quanto à classificação de segurança do referido texto e, sem, mais apenas pedi pressa e entrega imediata logo que estivesse dactilografado. Logo que o texto me foi entregue, correcto e bem apresentado, disparei de chofre:
- Conta-me lá! O que está aqui escrito no papel?
- Não sei, chefe, estava ao mesmo tempo pensando coisas cá da minha vida.

Depois de outras abordagens, certifiquei-me de que assim era: mais uma peça mecanicamente "passada à máquina".
(Ao dizer-lhe, "olha que isto é confidencial-pessoal" e sabes o que quer dizer, respondeu-me:
- Se me tivesse dito antes, daria outra atenção à coisa!

Anónimo disse...

O GALITO ainda é no mesmo local, ou mudou?
Obrigado

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...