Caramba, que bela vida, António, aquela que tu tiveste! Ainda há semanas, falávamos de Moçambique, em que tu recordavas uma infância feliz. Essa África que voltaste a reencontrar na Guiné, a esquina da vida onde esbarraste com a tua felicidade, sob o nome de Paula, para sempre. Antes, tinha sido a Lisboa das avenidas que só foram novas quando nós também o éramos, o teu Vává, o Cénico de Direito, a barra do Gambrinus, a Tilt (ainda alguém se lembrará?). E, claro, o “eme-erre” que nunca deixavas cair, face às minhas teimosas ironias. Só te conheci no MNE e, a partir daí, no teu trajeto pelo mundo - um mundo a que um dia ambos demos uma volta completa, para inveja de muitos (essa ninguém nos tira!). Tu, António, eras um viciado em amigos - muitos, diversos, bons e alguns assim-assim - para quem tinhas uma tolerância que, às vezes, me parecia que não rimava com a tua extrema exigência contigo mesmo. Logo tu, que rimavas tão bem. Qualquer dia, prometo que faço uma antologia do “Malta da Rima”, esse efémero e secreto blogue a três em que tu e um amigo que agora está ministro me davam abadas de qualidade poética, que me levaram a sair de cena, cabisbaixo de modéstia. Ainda antes, lembras-te?, falhámos o projeto de criar um site sobre trívia, uma arte nobre a que, por uns anos, nos dedicámos e em que trocámos boas descobertas, pelas livrarias que lá fora cruzávamos. No dia de hoje, acho que já podemos revelar que éramos só nós os dois o irreverente “Luís da Cunha”, o “coletivo de diplomatas” que, no fechar dos anos 80, assinou no “Expresso” dois artigos que criaram fúrias no terceiro andar das Necessidades (o do poder de turno, para quem não saiba). Resta muito, resta quase tudo, restam os livros e os filmes, resta o que foi o Procópio, a “dois”, o imenso Nuno, a festa noturna, o “Espírito de Xabregas”, o poder da tertúlia, as conversas em cacho, pela madrugada dentro e, claro e sempre, a política, onde muitas vezes divergimos no que me parecia acessório. E quantos jantares nossos pelo mundo (Brazzaville, Cantão, Honolulu, Viena, Bangkok, Estrasburgo, Sidney, Maurícias, Paris, Fidji, Serajevo, Los Angeles, sei lá bem onde mais!) e um longo almoço nosso em Lisboa, que guardo para sempre, com o Zé Correia Pinto, ouvindo o Carlos Antunes a pintar as suas romagens clandestinas com o Cunhal pelos idos de Leste. Para o mundo e para a história irónica do nosso grupo, ficará nos anais do YouTube a tua imagem televisiva, o teu colete bege (o Nuno teimou sempre que “lhe cheirava” a Armani, eu achava que era apenas Coronel Tapioca), no tornear elegante do carro em que, lá por Bissau, levaste um dia o Nino Vieira para porto seguro. Agora, só para mim, caro António, ficará para sempre aquela chamada que me fizeste, dois minutos após as badaladas da entrada em 2018. Um telefonema que me alegrou tanto quanto me entristeceu profundamente, porque a tua voz revelava que este ia ser o ano em que a tua bela e extraordinária vida iria ter a longa e eterna pausa.
sexta-feira, janeiro 19, 2018
Que bela vida, António!
Caramba, que bela vida, António, aquela que tu tiveste! Ainda há semanas, falávamos de Moçambique, em que tu recordavas uma infância feliz. Essa África que voltaste a reencontrar na Guiné, a esquina da vida onde esbarraste com a tua felicidade, sob o nome de Paula, para sempre. Antes, tinha sido a Lisboa das avenidas que só foram novas quando nós também o éramos, o teu Vává, o Cénico de Direito, a barra do Gambrinus, a Tilt (ainda alguém se lembrará?). E, claro, o “eme-erre” que nunca deixavas cair, face às minhas teimosas ironias. Só te conheci no MNE e, a partir daí, no teu trajeto pelo mundo - um mundo a que um dia ambos demos uma volta completa, para inveja de muitos (essa ninguém nos tira!). Tu, António, eras um viciado em amigos - muitos, diversos, bons e alguns assim-assim - para quem tinhas uma tolerância que, às vezes, me parecia que não rimava com a tua extrema exigência contigo mesmo. Logo tu, que rimavas tão bem. Qualquer dia, prometo que faço uma antologia do “Malta da Rima”, esse efémero e secreto blogue a três em que tu e um amigo que agora está ministro me davam abadas de qualidade poética, que me levaram a sair de cena, cabisbaixo de modéstia. Ainda antes, lembras-te?, falhámos o projeto de criar um site sobre trívia, uma arte nobre a que, por uns anos, nos dedicámos e em que trocámos boas descobertas, pelas livrarias que lá fora cruzávamos. No dia de hoje, acho que já podemos revelar que éramos só nós os dois o irreverente “Luís da Cunha”, o “coletivo de diplomatas” que, no fechar dos anos 80, assinou no “Expresso” dois artigos que criaram fúrias no terceiro andar das Necessidades (o do poder de turno, para quem não saiba). Resta muito, resta quase tudo, restam os livros e os filmes, resta o que foi o Procópio, a “dois”, o imenso Nuno, a festa noturna, o “Espírito de Xabregas”, o poder da tertúlia, as conversas em cacho, pela madrugada dentro e, claro e sempre, a política, onde muitas vezes divergimos no que me parecia acessório. E quantos jantares nossos pelo mundo (Brazzaville, Cantão, Honolulu, Viena, Bangkok, Estrasburgo, Sidney, Maurícias, Paris, Fidji, Serajevo, Los Angeles, sei lá bem onde mais!) e um longo almoço nosso em Lisboa, que guardo para sempre, com o Zé Correia Pinto, ouvindo o Carlos Antunes a pintar as suas romagens clandestinas com o Cunhal pelos idos de Leste. Para o mundo e para a história irónica do nosso grupo, ficará nos anais do YouTube a tua imagem televisiva, o teu colete bege (o Nuno teimou sempre que “lhe cheirava” a Armani, eu achava que era apenas Coronel Tapioca), no tornear elegante do carro em que, lá por Bissau, levaste um dia o Nino Vieira para porto seguro. Agora, só para mim, caro António, ficará para sempre aquela chamada que me fizeste, dois minutos após as badaladas da entrada em 2018. Um telefonema que me alegrou tanto quanto me entristeceu profundamente, porque a tua voz revelava que este ia ser o ano em que a tua bela e extraordinária vida iria ter a longa e eterna pausa.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Genial
Devo dizer que, há uns anos, quando vi publicado este título, passou-me um ligeiro frio pela espinha. O jornalista que o construiu deve ter ...
5 comentários:
Caríssimo Chicamigo
Não conheci o fulano mas pelo que escreves devia sem um bacano. Mas a vida é assim, madrasta, ninguém fica cá para semente...
Abç do teu grande amigo
Henrique, o Leãozão (Este ano parece que a "coisa" vai! Mais a mais com o Fredd Moreno e Ruben Ribeiro. Verá-se como diz o cego...)
_____
Porque tu mereces quero explicar-te o motivo desta minha grande ausência: ao cabo de uma longa desgraçada malditas doenças que penso que as já conheces mas resumo, um cancro na próstata do meu irmão Braz que vem-se arrastando dolorosamente desde há um ano e meio; a doença pulmões-fígado da minha cunhada Lena que vive nos Açores e vem decorrendo há onze meses e outras, coube-me agora a mim. Fui internado no Hospital de Santa Maria com uma pneumonia agravada por vírus ou bactéria que andam por aí. Estive lá onze dias até me darem alta. Sublinho que fui tratado nas palminhas por médicas e médicos, enfermeiras e enfermeiros e auxiliares, com profissionalismo, simpatia e até carinho. Se alguém me disser al no SNS vou-lhe às trombas!
Aqui a minha homenagem ao António Russo Dias.
Permita-me deixar, por seu intermédio, a todos os familiares e amigos do Embaixador Russo Dias a expressão sentida da tristeza pela partida de alguém que passei a admirar quando em Estrasburgo tive a oportunidade de conhecer o magnifico trabalho que ali desenvolveu.
Cabral Barreto
Eterno descanso para o António Dias, com quem convivi nalguns almoços, muito agradáveis, com outros amigos comuns, sempre que estava por Lisboa, nos intervalos, da sua vida diplomática. Morreu mais um gajo porreiro. António Andrade.
Que belo texto !
Enviar um comentário