quinta-feira, janeiro 18, 2018

O Portugal de Leste


Há dois dias, estive em Castelo Branco, num debate promovido pela Caixa Geral de Depósitos, em articulação com a Rádio Renascença, em que foram debatidos os temas da interioridade, trazidos à realidade próxima pela tragédia dos incêndios.

Lembrei-me então de um artigo que escrevi, vai para dois anos, no saudoso “Diário Económico”. Chamava-se “O Portugal de Leste”. Reli-o e acho que representa muito do que continuo a pensar. Aqui o deixo, de novo:

Há dias, numa conversa com alguém com responsabilidades políticas, fui surpreendido pelo raciocínio de que "o interior é hoje um mito", de que "com as acessibilidades agora existentes, em menos de duas horas qualquer pessoa se desloca das zonas de fronteira até ao litoral e vice-versa", pelo que é "um imenso erro estar a despejar dinheiro em áreas onde ninguém quer viver".

A regionalização é um tema divisivo na sociedade portuguesa e eu próprio nunca me senti muito seguro sobre a bondade da criação de um modelo organizativo que implica novas e dispendiosas estruturas, cuja relação custo-eficácia está ainda por estabelecer. Mas tenho de reconhecer que o preço da "não regionalização" é hoje também muito elevado, no que isso significa em termos de expressão da vontade e interesses de certas regiões do país.

Foi A.H. de Oliveira Marques quem fez notar que, já desde antes da criação da nacionalidade, se estabeleceram no território do que é hoje Portugal redes viárias que vieram a favorecer a divisão vertical do país. Com os séculos, foi-se criando cada vez mais no país um "muro", em termos de desenvolvimento, que hoje separa o "Portugal de Leste" do litoral desenvolvido. Um tanto surpreendentemente, a democracia e a integração europeia não contribuíram para contrariar esta realidade, que também não foi alterada, como se esperava, pela cooperação transfronteiriça.

Quando passei pelo governo assisti, com algum espanto, à explanação de propostas estratégicas que tinham no seu centro modelos de desenvolvimento exclusivamente assentes no litoral, na criação de uma espécie de "metrópole" ao longo da costa, concentradora das atenções, dos recursos e, naturalmente, de pessoas. O interior, se não era "só paisagem", não ficava muito longe disso.

O modelo das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional hoje existentes é uma aberração que favorece o prolongamento desta discriminação, que traz consequências trágicas em termos de ordenamento do território.

Que tem a zona industrial do Porto a ver com a desertificação do nordeste transmontano, qual é a similitude de abordagem das questões que afetam Aveiro e Coimbra com as zonas fronteiriças das Beiras? Não estará a região transmontana muito mais próxima, em matéria de interesses, da Beira interior (ou mesmo, no limite, do Alentejo oriental)? Precisamente porque hoje existe uma multiplicidade de evidentes interesses comuns, não seria de estabelecer uma Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Interior Norte e Centro, amputando para tal as duas CCDR dessas áreas?

Mais difícil do que lutar contra interesses instalados é combater mentalidades enquistadas em modelos mentais que alguns se obstinam em não abandonar. É preciso lutar para derrubar o “muro” que separa internamente o nosso território, é necessário lutar pelo "Portugal de Leste" e, de uma vez por todas, caminhar para a unificação do país.“

1 comentário:

Anónimo disse...


Ai ai!!
Quando li o título deste "post" até me arripiei.
Querem lá ver que ainda vão querer que sejamos como os que eram chamados os "países de Leste"? [Isto para quem viveu aquela época já sendo não-politizado seria obra de monta. Obrigar este corpo a viver aquilo outra vez e já na terceira idade......]
Felizmente o tempo nunca volta para trás mas se voltasse era desta que faria das tripas coração e me mandava. Já nao teria mais saco para assistir novamente ao que assisti.
Isto, quando se fala de Leste em Portugal para uns é o inferno, para outros foi o paraíso que afinal, como o D.Sebastião nem numa manhã de nevoeiro chegou mas... há nostálgicos de ambos os lados.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...