Acabo de saber que morreu Carlos Heitor Cony. Durante todo o tempo em que vivi no Brasil, e muitas vezes depois disso, fui leitor das suas curtas mas “sumarentas” crónicas no “Estadão”. Li, além disso, alguns dos seus livros. Era um magnífico contador de histórias, num português de lei, com humor e ironia culta. Um imenso cronista, na escola de Nelson Rodrigues ou de Luiz Fernando Veríssimo.
Um dia, no Rio de Janeiro, numa das minhas visitas à Academia Brasileira de Letras, fui-lhe apresentado. Ele era um dos 40 "imortais" daquela casa.
Por coincidência, uma semana antes desse encontro, tinha acabado de ler a sua autobiografia, intitulada "Quase memória". Disse-lho. O escritor, com aquele ar benevolente de quem acredita pouco que os diplomatas possam ler muito, retorquiu: "Ah! sim? Espero que tenha gostado..." E passou adiante. Aí eu insisti: "Diga-me uma coisa! Ao ler o livro fiquei com uma curiosidade: quando fala daquela falsa viagem do seu pai a Itália, para enganar os amigos, isso passou-se mesmo assim?". Cony abriu muito os olhos, "viu-me" pela primeira vez e exclamou: "Oh! Mas o embaixador leu mesmo o livro!"
Quem escreve morre “menos”. Deixa a escrita em herança e, como usufrutuários, quem o quiser continuar a ler.
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