quarta-feira, janeiro 24, 2018

Maria Germana Tânger


A poesia - isto é tão discutível como tudo, reconheço - não é algo que seja naturalmente fácil para o gosto comum. Não falo de rimas populares, do versejo vulgar, refiro-me a textos mais sofisticados e complexos, alguns de leitura não unívoca, que é precisamente onde pode residir a sua maior graça. 

Tenho amigos que, embora cultos, são completamente incapazes de ler poesia, não têm paciência para o que consideram ser um modo rebuscado e artificial de escrita. Quando muito, sabem de cor uns versos que os obrigaram a decorar nas seletas - como a “Balada da Neve” - e, de certo modo, fazem disso a caricatura de toda a poesia, o que no fundo lhes disfarça a falta do gosto que não educaram.

Em minha casa, na infância, a poesia fazia frequentemente parte dos nossos serões. O meu pai lia alto - e achava que sabia ler, o que é também um “estilo” para certos amantes da poesia - alguns dos seus poetas preferidos, que, curiosamente, o destino acabou por fazer com que fossem, em regra, muito diferentes dos meus. Mas “dizia” poesia com regularidade, sabendo muitos poemas de cor, habituando-me a ouvir e, por essa via, a também ler poesia. Houve um tempo - a minha fase ”política” de leitor de poesia - em que próprio tinha decorado vários poemas de Manuel Alegre e de alguns poetas do neo-realismo. Nunca agradecerei o suficiente ao meu pai por esse gosto que me transmitiu.

Ainda hoje me faz imensamente bem sentar-me com um livro de poesia na mão. Não é muito frequente isso acontecer, mas, às vezes, passo um bom par de horas saltitando, de livro em livro, “agarrando’ poemas de vários autores. Tenho imensa poesia pelas minhas estantes e tenho vindo a descobrir, um pouco por acaso, alguns poetas contemporâneos, parte deles pouco conhecidos, de muito boa qualidade. Não sou um leitor silencioso, confesso, quase sempre só consigo ler poesia dizendo-a alto, mesmo que só para mim, o que me afasta de alguma poesia de mais difícil sonoridade.

Serve isto para dizer que devo a Maria Germana Tânger, que agora desapareceu, alguma coisa do meu gosto pela poesia, pelo que também lho agradeço, nesta que foi a hora da sua morte. Foi ouvindo-a a ela, nesse outro tempo da nossa televisão, mas também a Manuel Lereno, a João Villaret e, mais tarde, a Mário Viegas e a outros “diseurs” (não apenas portugueses) que ganhei para sempre o gosto por essa forma diferente, mas magnífica, de literatura.

2 comentários:

Anónimo disse...

Em poesia, não consigo encontrar nem o ritmo nem o sentido das palavras.
Será de ter pouco ouvido para a música pois nem dedilhar num piano eu consigo. Isto dos dons e talentos com que a natureza nos brinddou é muito interessante e nem sempre se adquirem. Pode-se saber apreciar um instrumentista ou até um "diseur" mas não se pode ter nascido para isso tal como na pintura ou outra arte.
Cada cérebro cada qualidade nele postas por..... É a natureza para uns, é....para outros mas todos com características muito diferentes.
Será isso a qualidade humana.

Anónimo disse...

Já que lhe vieram à memória nomes, falta o Luís Lucas (tanto a ler poesia, comp prosa). Ainda há dias, na RTP memória, pudemos matar saudades de o ouvir, no documentário de Diana Andringa sobre Virgílio Ferreira. Talvez... o melhor, apesar de eu adorar o Mário

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...