quarta-feira, fevereiro 14, 2024

Ter um "flair"

Foi há cerca de 15 anos, em Paris. 

Uma colaboradora minha disse-me ter sido aproximada por um jovem francês, de origem portuguesa, que lhe vinha sugerir que a nossa embaixada pudesse dar o apoio institucional a uma estrutura ainda a ser criada, destinada a promover iniciativas luso-francesas em diversos domínios. Já não recordo pormenores do projeto, que, à partida, oferecia perspetivas interessantes. 

Acompanhado da minha colaboradora, tive um almoço com esse jovem, creio que na casa dos 30 anos. Era de terceira geração e, ao que recordo, já não falava português. Estava profundamente ligado ao então RPR, o partido de Nicolas Sarkozy. Era inteligente e muito bem falante. Transpirava ambição. Ao longo da conversa, que decorreu num ambiente simpático, ia deixando "cair" nomes de personalidades francesas importantes, de quem se dizia íntimo, manifestamente para se credibilizar. 

A certo passo, aproveitando aquele momento que os franceses designam por "entre la poire et le fromage", perguntei-lhe o que me parecia essencial: como pretendia financiar a ideia. Pareceu-me ter ficado surpreendido: estava à espera de que essa fosse a nossa "parte" na concretização do seu projeto. E foi claro: contava com apoios oficiais portugueses e com a nossa influência junto de empresas, portuguesas ou luso-francesas, para levantar os fundos necessários ao seu projeto. Ele faria "o resto". Perguntei-lhe se, pela parte dele, e dados os elevados conhecimentos que tinha, também tencionava procurar mobilizar financiamentos, nomeadamente oficiais. Deixou claro que não tinha minimamente essa intenção. Concluí que, na sua família de ascendência portuguesa, nunca ninguém lhe tinha contado a história da "sopa da pedra". 

Fiquei com um mau pressentimento daquela conversa. O meu "flair" dizia-me para não ir por ali. E não fui. O assunto não andou para a frente. 

Passaram dois anos. Vi o nome do jovem luso-descendente envolvido num famoso escândalo de faturas falsas, ligado a campanhas políticas, que tinha como principal acusado o próprio presidente Nicolas Sarkozy. 

Hoje, saiu a sentença, ainda sujeita a recurso: Sarkozy é condenado a prisão efetiva e o nosso (então) jovem a 18 meses de pena suspensa. 

Lembrei-me daquele almoço na bela esplanada do "La Gare", em Paris. Restaurante que, ao que me dizem, já não tem esse nome. Tudo muda, não é?

5 comentários:

Unknown disse...

Que alívio!

manuel campos disse...


Agora é o "ANDIA-Paris" (também há o "ANDIA-Marseille").
Mas acho que não é bem a mesma coisa que foi.

Nuno Figueiredo disse...

a oeste nada de novo.

Reaça disse...

Em certos países a justiça demora, mas funciona!

Noutros países é mais complicado.

Flor disse...

6°sentido.

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