Mergulhados nas especulações sobre a pandemia, que arruina rotinas e abala certezas, os portugueses, quando, pela noite, olham as televisões, ouvem falar do Brasil. E o que é que fixam? A ideia de um país dirigido por um “doido”, com pulsões anti-democráticas, rodeado de figuras “sulfurosas”, amparado pelos militares, que dia a dia dá mostras de não estar à altura das responsabilidades exigíveis a um líder de um grande país, agora sob uma imensa tragédia sanitária. Com mais ou menos nuances, este é o retrato que nos chega do outro lado do Atlântico.
Durante muitos anos, Jair Bolsonaro foi um deputado risível, que obtinha destaque mediático pelos ditirâmbicos elogios que fazia à ditadura militar (1964-1985). Mau orador, “despreparado”, como por lá se diz, sem obra parlamentar, era uma “nonentity” no panorama político local. O sistema brasileiro, por mecanismos de representação uninominal que não cabe aqui descrever, dá aso à eleição de alguns “cromos”. E Bolsonaro era isso mesmo, um cromo. Até um dia.
Foi um conjunto muito excecional de circunstâncias, que teve essencialmente a ver com a rejeição profunda dos tempos do PT, visto como o centro do processo de corrupção política que marcou a gestão do Brasil, que acabou por polarizar o voto naquela figura de discurso primário e populista.
Mas foi também o descrédito da direita democrática tradicional, sem candidatos tidos como capazes de afastarem o “petismo” da área do poder, que levou gente sensata e equilibrada a optar pela escolha de uma figura com o recorte de Bolsonaro. Era a lógica do “depois logo se vê!”
14 comentários:
Ontem, na TV, deram uma reportagem sobre o México: já tem mais mortos por dia do que o Brasil. O presidente local é de esquerda.
Pergunta: a culpa é do Bolsonaro?
Raio de país e raio de presidente…que nomeou secretário da saúde, Carlos Wizard, um bilionário mórmon que fez fortuna em aulas de línguas, fast food e lojas de produtos naturais (!!?),.
Depois de declarar que iria "contar" as mortes do coronavirus, demitiu-se após dois dias face ao protesto, e provavelmente também perante as ameaças de boicote às suas empresas (demasiado tarde, os apelos a um boicote já estão bem lançados nas redes sociais).
Raio de presidente que enxovalha a nossa bela língua, Senhor Embaixador! Não existe um meio de o proibir de falar o “português”, dele?
“Para os interessados em português falado no Brasil, é um curso acelerado de rudeza. Mesmo no pior Botequim da Zona Norte, se ouvem tantas palavras rudes. Por exemplo, como o presidente pretende proteger a sua família (e, em particular, um dos seus filhos que está a ser investigado no Rio de Janeiro pelas suas relações com a milícia):
"Não vou esperar que toda a minha família seja fo...a, porque não posso substituir alguém dos melhores. Vou substituí-lo! E se não puder, substituo o chefe dele! E se não puder substituir o seu líder, substituirei o ministro!
O ministro em causa (da justiça), Sérgio Moro, ex-juiz e grande inquisidor da Operação Lava Jato, disse ter resistido ao desejo do presidente de mudar o director da Polícia Federal do Rio de Janeiro. O ministro acabou por se demitir.
Pode ser, que no momento da publicação do seu texto, Senhor Embaixador, a situação mudou, porque muda muito rapidamente (não vamos falar sobre a evolução...)
O Ministro da Educação Abraham Weintraub, por exemplo, não é ministro desde 18 de Junho. Vai levar a sua incompetência para o Banco Mundial.
Parece também que o governo está a recuar na composição das estatísticas. Quanto à reunião ministerial de 22 de Abril, que deixou todos os presentes perplexos e o mundo de boca aberta, realizou-se no dia 9 de Junho uma nova reunião ministerial, transmitida em directo.
Os observadores não notaram nada de especial, excepto que a vassoura tinha sido adicionada à lista de itens necessários para a conclusão com sucesso deste tipo de reunião.
Note-se, no entanto, que o Presidente Bolsonaro e os seus filhos (os três políticos: senador, deputado federal, vereador) se encontram numa situação muito má, após a detenção oportuna (a polícia sabia há muito tempo onde se escondia) do seu capanga Queiroz.
Este provavelmente cairá muito abaixo de um lance de escadas e partir-lhe-á o pescoço sem o fazer de propósito, mas pode não salvar o clã, uma vez que Trump está em maus lençóis, e aqueles que puxam os cordelinhos decidiram mudar de política no Brasil.
PS) Havia por aqui um dos seus "amigos" facebokianos, presumo, , "soit disant" da Internacional Socialista, que desapareceu...
Arrasam Jair Bolsonaro. Quero ver se ele ganha as próximas eleições. Vai ser bonito vai...
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Saudações amigas
De repente, fiquei com a seguinte dúvida: o comunista caviar alguma vez atacou o "português" do Lula?
Na conjuntura global, anos e anos de desregulação financeira do neo-liberalismo e a consequente concentração da riqueza geraram o descontentamento propício ao aparecimento destes cromos que se dizem anti-sistema e depois vai-se a ver, como no caso do bozo brasileiro, com décadas no congresso a embolsar propina, como também se diz por lá. E no caso do bronco norte-americano, portanto com muito mais peso mundial, com uma colecção infinita de suspeitas de lavagem de dinheiro, falências fraudulentas e tudo e mais alguma coisa associado à corrupção que também fizeram de Trump um dos maiores empresários de sucesso nos EUA?!
Mas não se pense que a grande golpada judicial no Brasil assente na delação premiada com criminosos que até a mãe vendiam e que mudou definitivamente o rumo do país também só se faz sentir no Brasil. Muito pelo contrário, o Brasil - para além do continente que as suas próprias fronteiras encerra - tem sempre uma predominância enorme em toda a América Latina. Sobretudo com o regresso da doutrina Monroe à Casa Branca. Senão veja-se a situação de quase todo o continente-sul americano antes e depois da queda de Lula e da ascensão de Trump.
Nomeadamente até no que é dito nos media internacional sobre a Venezuela bolivariana, repleto de fabricações e omissões grosseiras e sob um embargo económico que nem que o ex-motorista Maduro fosse prémio nobel da economia auguraria alguma coisa de bom para o seu país. Ao passo que quase não há qualquer referência à dramática situação humanitária, a pobreza extrema e o quotidiano de perseguição política vivido na vizinha Colômbia, no Panamá ou na Honduras pós-golpe de 2009. Que são precisamente quem mais vai bater ao muro do Trump depois de conhecerem os mesmos tentáculos que se viram no Brasil.
E para já não se consegue ver qualquer luz ao fundo do túnel para toda a miséria que ocorre hoje no Brasil e se estende por toda a América Latina. Sobretudo devido ao buraco em que o Brasil voltou a cair e do qual não vai ser fácil voltar a erguer-se. Basta ver como o país se organiza até politicamente, sempre com crimezinhos no radar, como o mensalão ou a rachadinha, muito mais característicos de um país de 3º mundo que de uma grande potência emergente como chegou a ser com Lula. Talvez a nação do mundo abençoada com mais riquezas naturais. Talvez mesmo por isso. Quando já chegámos a uma era onde o que mais se discute é mesmo a escassez de recursos. Não estivesse a sobrelotação do planeta já hoje por trás de todas as grandes problemáticas que ouvimos discutir à face da Terra.
Queria só acrescentar que eu se fosse juiz no Brasil – daqueles que investigam, julgam e condenam - e me dessem a escolher entre investigar Aécio ou Lula, também escolhia Lula. Até pela esperança de vida.
O comentário do anónimo das 8,45, se não é, parece mesmo, do próprio Bolsonaro.
Resposta à pergunta do anónimo que gosta de invocar o whataboutism: Não, a culpa é da incompetência e das chanfradices de AMLO. A competência e o sentido de Estado não são exclusivos nem da Esquerda nem da Direita.
Mas no post o Senhor Embaixador está a falar do Brasil, com quem Portugal tem laços muito mais próximos do que com o México. Quer falar do México? Estou certo que o Sr. Embaixador terá algo a dizer sobre esse País, tão mal governado por todos os quadrantes políticos...
Quer outros exemplos mais ou menos sortidos de desastres governativos à Esquerda ou à Direita? Trump nos EUA, Ortega na Nicarágua, Johnson no RU, Lukashenko na Bielorússia e da Coreia do Norte não sabemos nada como de costume...
O que é que estes Senhores têm em comum? O nacionalismo exacerbado, a paranóia, etc, etc...
Acredito mais no povo brasileiro do que no português, mansinho e televisodependente. Os brasileiros vão para a rua manifestar-se, por causas que valem a pena. Os portugueses ficam em casa e, se saem, é para fazer disparates, como irem a manifestações anti-racistas ou a outras diversões...
Senhor Paulo Guerra (24 de junho de 2020 às 16:46)
Exactamente. Na realidade é a grande questão que se põe na América Latina desde a sua colonização pelos europeus.
Depois da independência, com o predomínio dos interesses oligárquicos associados à economia primária exportadora, realizaram-se vastas operações de demarcação de terras devolutas, indígenas, comunais, ocupadas.
Muitas comunidades indígenas, Nações inteiras, foram desalojadas das suas terras, ou mesmo liquidadas. No México, Nicarágua, Argentina, Brasil e outros países, estava em marcha a organização do Estado nacional, a monopolização da propriedade da terra. Esse era um capítulo fundamental da revolução burguesa, no qual a criação do trabalhador livre acompanhava a transformação da terra em propriedade privada, mercadoria.
Persiste, no entanto, a luta pela terra. Trabalhadores rurais das mais diversas categorias lutavam, e continuam a lutar, pela posse e uso da terra; pela conservação, conquista ou reconquista da terra. Na maioria dos países, o problema agrário está na base de alguns dilemas tais como: as articulações das regiões com a Nação; as desigualdades sociais, culturais e outras; a metamorfose da população em povo.
Este problema é agudo no Nordeste brasileiro. O Sertão foi desde sempre terra de miséria e de fome. E também de violência por causa da luta pela terra.
Mas o drama da América Latina reside na dificuldade das relações exteriores, que constituem uma determinação essencial; entram decisivamente na definição do perfil da Nação. Uns falam em interdependência, parceria, associação etc. outros se referem à subordinação, perda da soberania, administração externa.
Em 1954, uma invasão de tropas mercenárias organizadas pelo governo norte-americano interrompeu um processo de reformas democráticas da maior importância na Guatemala. Em 1965, uma invasão de forças militares norte-americanas e brasileiras interrompeu uma revolução popular em curso na República Dominicana. Em 1973, a acção dos mesmos actores foi decisiva para a deposição do governo socialista de Salvador Allende. Em 1983, invadem Granada, interrompendo a experiência socialista do governo Maurice Bishop. Em 1987, os americanos continuam a financiar e organizar tropas mercenárias contra o governo sandinista da Nicarágua. E financia a contra-revolução também em El Salvador. "Foi na America Central que o Pentágono inaugurou o chamado 'conflito de baixa intensidade', modalidade de guerra contra-insurgente que pretende evitar, para os EUA, os custos políticos e militares registados no Vietname. Os EUA entram com as armas, o dinheiro, os planos e os assessores; o país com os soldados.
Este é o drama da América Latina. A Venezuela será a próxima vitima e sofre desde há muito do veneno americano.
Nem a propósito Louça relata mais um episódio insólito na Venezuela no Expresso Diario de ontem. E que se me for permitido passo a transcrever:
“Um bando de mercenários foi preso há dois meses ao tentar desembarcar nas costas daquele país, a coisa parecia um arremedo da saga do coronel Alcazar do Tintin, uma simples graçola, quando um deles veio reclamar direitos legais com papel passado em notário. A curiosidade é mesmo o contrato que os mercenários traziam no bolso.
O grupo obedecia ao comando de um empresário norte-americano do ramo, Jordan Goudreau, que veio dar explicações. Segundo a sua versão, a sua empresa, a Silvercorp, foi abordada por representantes de Juan Guaidó, o proclamado presidente interino da Venezuela, reconhecido pela diplomacia dos Estados Unidos e pelos seus aliados, incluindo, com diversos graus de devoção, algumas chancelarias europeias.
Esses embaixadores pagaram-lhe para preparar uma operação militar: 800 soldados, sobretudo desertores do exército venezuelano e milícias de extrema-direita, deveriam ser treinados para uma invasão a curto prazo.
A empresa seria autorizada a usar sem riscos judiciais a força necessária, como o assassinato de dirigentes políticos e a morte dos militares oficialistas que resistissem, receberia um bom prémio de centenas de milhões de dólares e, depois, mais dezasseis milhões por cada mês no período de transição em que os seus serviços de segurança fossem reclamados pelos clientes. Tudo escrito em oito páginas de contrato e 41 de aditamentos, com as indicações detalhadas para a operação.
Goudreau, zangado porque os 800 voluntários não apareceram, ou os poucos que vieram se preocupavam mais com diversão avulsa do que com o garbo militar, escandalizado pelo naufrágio das lanchas dos comandos, que foram recebidos e dizimados pelo inimigo, em vez de serem festejados pela população, e, sobretudo, amofinado com a falta de pagamento, revelou o contrato e lavrou o seu protesto.
A assinatura era do braço direito de Guaidó, que viajou para os Estados Unidos para concretizar o compromisso, assinado em outubro do ano passado, e que não teve como desmentir o mercenário. É tudo verdade. É mesmo estimável que, em tempos tão turbulentos, de gigantescas conspirações e fake news, haja quem tenha o rigor processual de contratualizar por escrito os assassinatos, a invasão militar e o regime posterior, tudo para que as devidas autoridades comerciais possam aferir o cumprimento das cláusulas, a ser necessário. Só que falhou tudo, nem exército, nem dinheiro.
Trump, que, ao que revela Bolton no seu livro hoje publicado, acha que a Venezuela é parte dos EUA, veio no domingo mostrar algum arrependimento sobre a sua aposta em Guaidó. Não é para menos, o homem tem fracassado em todos os seus intentos de tomar o poder: parece que faltam as manifestações; quando tentou levantar os quartéis ficou sozinho a tirar selfies em frente ao portão; e o seu peso institucional depende mais do sequestro da direita histórica venezuelana do que de propostas realizáveis.
Não sei o que dirá o governo português, que procedeu com aquela matreirice de reconhecer Guaidó como presidente mas de manter o embaixador oficial e de, para todos os efeitos, tratar com Maduro de todos os assuntos de Estado. A Espanha já se pôs a milhas desse jogo. E a crise daquele país continua a agravar-se. Pobre Venezuela, tão destruída e tão cobiçada.”
Com o qual, não obstante algum populismo em alturas cruciais para o país, desta vez como em outras, tendo a concordar. Sobretudo com a tendência imperialista norte americana que passou a estar muito presente no mundo depois da hegemonia conquistada na 2ª Grande Guerra. E que origina a que quantos mais recursos naturais o país tenha mais riscos corre. E a lista de países com imensos recursos naturais em que os seus povos vivem na mais absoluta miséria, muito motivada por factores exógenos, nunca mais acabava.
Senhor Paulo Guerra (24 de junho de 2020 às 22:24) :
A imagem da Venezuela é o simbolismo do drama de Minneapolis :
Quando um polícia segura o joelho no pescoço de um negro e pressiona com força durante vários minutos, com total indiferença, enquanto o homem continua a implorar e a implorar-lhe para parar, e o polícia mantém a pressão até à sua morte enquanto os outros polícias observam sem fazer nada para o impedir... Este não é um incidente novo.
É a natureza dos Estados Unidos! Foi o que os americanos fizeram ao mundo. Fizeram o mesmo no Afeganistão, no Iraque, na Síria, na Líbia, no Vietname e em muitos outros países em todo o mundo e sobretudo na América Latina, a começar por Cuba e o Chile de Allende. E continuam.
Este é o comportamento (típico) dos Estados Unidos. Tal é a natureza do governo americano, que mostrou o seu verdadeiro rosto. Quando as pessoas gritam "Vamos respirar" ou "Não podemos respirar", o que se tornou o slogan das pessoas em grandes manifestações em diferentes cidades, é na verdade o que todas as nações - que foram vítimas da presença opressiva dos Estados Unidos, da sua usurpação e das suas acções – significam.
Caro Joaquim de Freitas,
100% de acordo. Estávamos aqui um dia inteiro a comentar as maiores atrocidades cometidas em solo estrangeiro pelas grandes potências ocidentais, com grande predomínio dos EUA e sempre narradas como acções em defesa da humanidade e mais não fazem que avançar com determinados interesses geopolíticos e económicos emanados das capitais ocidentais, do que realmente salvar vidas ou melhorar a qualidade delas nas partes do mundo que as recebem. Não é por acaso que os EUA são os maiores amigos - de alguns dos regimes mais violadores dos direitos humanos, desde que colaborantes, como as monarquias do golfo pérsico lideradas pelos Sauditas.
Mas em pleno seculo XXI, na era da informação? Como é o caso da Venezuela e em que os laivos informativos que nos continuam a chegar dizem quase sempre respeito ao regime incompetente de Maduro, que até será. Eu costumo dizer aos meus amigos mais cépticos em relação à Venezuela que experimentem estrangular alguém para ver se ele continua a respirar. E as Instituições como as Nações Unidas criadas para zelar pela paz mundial e pelo bem-estar de todos os povos limitam-se hoje a zelar por pouco mais que os campos de refugiados espalhados por todo o globo. Enquanto as tropas norte-americanas, públicas e privadas, gozam de total imunidade em qualquer TPI.
O nosso governo, longe da inépcia brasileira, nesta pandemia, também não se tem pautado pela coerência. Num país democrático as leis, autorizações e proibições deviam ser iguais para todos, e não têm sido. Em termos sanitários, não há diferenças entre ajuntamentos de esquerda, direita, desportivos, ou religiosos. Em termos políticos há, tem havido, e haverá, e isso cria anticorpos (dos maus) na sociedade.
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