terça-feira, junho 02, 2020

Forte Príncipe da Beira


Várias foram as pessoas que, antes da minha ida como embaixador para o Brasil, em 2005, me falaram no Forte Príncipe da Beira, a maior edificação militar portuguesa construída fora da Europa. Todas essas pessoas, sem exceção, tinham “ouvido falar” do forte, mas nenhuma lá tinha ido. A fortaleza de São José de Macapá, de que há dias aqui falei, segue-se-lhe, em dimensão e importância estratégica.

Intimamente, prometi a mim mesmo que tudo faria para conseguir fazer aquela visita, durante a minha estada no Brasil.

O Forte Príncipe da Beira fica localizado no Estado brasileiro da Rondónia, numa zona remota, junto ao rio Guaporé, que faz fronteira com a Bolívia.

O forte teve várias utilizações, desde a sua inauguração, em 1783, até aos últimos anos do século XIX, quando era presídio militar, altura em que foi abandonado. Foi “descoberto” em 1913, mas a sua planeada recuperação não foi então avante. Só em 1930, o marechal Rondon, que daria o nome ao Estado em que a estrutura militar se situa, já com o forte uma vez mais tapado pela vegetação amazónica, conseguiu recuperá-lo. Em 1983, o presidente brasileiro João Figueiredo e o embaixador de Portugal, Adriano de Carvalho, visitaram o forte, lançando as bases para uma recuperação que a Fundação Calouste Gulbenkian viria, posteriormente, a ajudar a concretizar.

Hoje, a fortaleza, com os seus belos canhões com as armas portugueses, mantém-se preservada, na estrutura essencial, graças a uma pequena guarnição militar, que cuida da sua conservação. Se assim, não acontecesse, a mata amazónica “tomaria conta”, de novo, do forte.

Em 2008, a meu pedido, o nosso Adido de Defesa, coronel Jorge Santos, conseguiu montar uma “operação” de ida-e-volta ao forte, a partir da capital da Rondónia, Porto Velho, numa visita de trabalho que fiz a esse Estado e ao vizinho Acre. Junto ao forte, existe uma curta e improvisada pista, a que os aviões da Força Aérea brasileira conseguem aceder.

A viagem fez-se sobre uma imensa paisagem amazónica, tendo-nos acompanhado a figura magnífica do cineasta e historiador Beto Bertagna, um gaúcho que tem dedicado a sua vida à história da Rondónia. Foi um dia inesquecível, que guardo nas minhas memórias para sempre.

A entrada no forte, belíssimo e com uma construção muito curiosa, no conhecido modelo Vauban, foi para todos nós um momento emotivo. E sê-lo-ia mais quando deparei, na parede, com uma placa onde se lê um extrato de uma carta de junho de 1776, enviada por D. Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, governador e 4º capitão-general da capitania de Mato Grosso.

O que está escrito nesse texto passou para mim a consubstanciar o verdadeiro conceito de Serviço Público:

"A soberania e o respeito de Portugal impõem que, neste lugar, se erga um Forte, e isso é obra e serviço dos homens de El-Rei nosso Senhor e, como tal, por mais duro, por mais difícil e por mais trabalhos que isso dê, é serviço de Portugal. E tem que se cumprir".

Em honra do embaixador de Portugal, a guarnição fez disparar na ocasião um velho canhão português. (Anos depois, o meu sucessor em Brasília, numa viagem idêntica, teve menos sorte do que eu, tendo então ocorrido um acidente durante a mesma cerimónia.)

Regressado a Brasília, consegui (sem encargos para o Estado, diga-se), reunir meios para enviar um jovem e talentoso fotógrafo brasileiro ao Forte Príncipe da Beira, tendo sido organizada, em dezembro desse ano, no Instituto Camões, em Brasília, uma belissima exposição com fotografias dessa visita. Foi, aliás, no ambiente dessa exposição que organizei a minha despedida oficial da capital brasileira.

Passaram entretanto alguns anos e, já em Portugal, fui uma noite dormir a um palacete, transformado em unidade hoteleira, em Penalva do Castelo (hoje incluído na rede dos Paradores espanhóis), a Casa da Ínsua. Qual não foi a minha surpresa quando descobri que o primeiro proprietário daquele belo solar fora D. Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, o responsável pela edificação do Forte Príncipe da Beira, lá longe, na atual Rondónia brasileira.

O mundo é pequeno, mas o mundo português é grande.

10 comentários:

Anónimo disse...

Ou seja, o homem defendeu o Brasil contra os epsanhóis mas a sua casa em Portugal foi parar-lhes às mãos. Não há aqui nada de grande, mas apenas de tristemente irónico.

Já agora, essa coisa dos Paradores nem site em português tem (apesar da casa ser em Portugal) mas calculo que seja mais um exemplo da nossa grandeza no mundo...

Francisco Seixas da Costa disse...

Ao Anónimo das 11:56: Os Paradores são uma realidade espanhola. Que eu saiba, as nossas Pousadas não têm site em eapanhol

Anónimo disse...

Caro FSC, na sua ânsia de defender a dama espanhola, esqueceu-se do mais básico: verificar o site das Pousadas de Portugal. É aquele momento "ups..."

alvaro silva disse...

Quem tal diz é por que nunca viu o complexo defensivo do forte da Aguada na foz do Mandovi, frente a Pangim em Goa, onde até uma península foi transformada em ilha, cavando á mão um canal de dez metros de largo por quatro quilómetros de comprido, reinando el-rei D. Filipe I

Anónimo disse...

O arquitecto Francisco Xavier Olazábal Albuquerque, último administrador da família da Casa da Ínsua, antes do aluguer por anos para o seu actual destino, escreveu um belíssimo livro, publicado em 2019, chamado "Era uma vez uma casa- Memória da Ínsua" que dá conta da estória da casa desde o seu fundador Luís Pereira e Cáceres até hoje, sempre na família. Grande parte do arquivo da passagem deste pelo Brasil, o que sobreviveu ao grande incêndio de um dos torreões, no último quartel do séc XX, conserva-se na posse da família.

João Vieira

Anónimo disse...

Conheço bem a Casa da Ínsua. Bebeu lá bom vinho?

AV disse...

Os fortes construídos pelos portugueses, ou noutros casos ampliados pelos portugueses, que se encontram espalhados pelo Mundo têm uma beleza austera e majestosa. Vou lembrar-me sempre das emoções diversas que senti em Qal’at al-Bahrain, também conhecido pelo Forte Português do Bahrain (embora a construção inicial, que se pensa ter sido a capital de Dilmun, seja muito anterior à da época portuguesa). Geoffrey Bibby, no seu clássico ‘Looking for Dilmun’, escreveu: “(...) I could watch the men at work, or by turning my head look out over the tell, and over the miles of date-palm plantations. Or out to the sea.The Portuguese had had a wonderful look out point here”.

jj.amarante disse...

Ao pé da casa da Ínsua ou talvez em terrenos da propriedade desse palacete vi um pinheiro do Paraná que referi aqui: https://imagenscomtexto.blogspot.com/2011/10/pinheiro-do-parana.html. No Brasil também chamam a esta árvore "Araucária", designação que eu reservava para o "pinheiro de Norfolk", uma árvore frequente nos pequenos jardins das nossas vivendas, originária duma pequena ilha isolada no Pacífico que refiro nestoutro post: http://imagenscomtexto.blogspot.com/2011/07/araucaria.html. As araucarias eram exclusivas do hemisfério Sul.

Anónimo disse...

na minha opinião muito pouco se faz para relembrar esse imenso património que existe pelo mundo e que foi construído com espírito de sacrifício por muitos portugueses
parece que no Brasil existiriam uns 80 fortes, somando todos aqueles que ainda se podem ver ao longo da fronteira e ao longo da costa atlântica
esse estudo e divulgação até ajudaria os países envolvidos a incrementar as suas capacidades turísticas

Anónimo disse...

O Sr. Arquitecto Francisco Xavier Olazábal Albuquerque não foi o último administrador da Casa da Ínsua, mas sim o seu irmão mais velho, Eng. José Joaquim Olazabal, que ainda é, pois a propriedade não foi toda incluída no arrendamento para turismo.

RTP

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