terça-feira, setembro 17, 2019

As vindimas

O debate de ontem, entre António Costa e Rui Rio, foi interessante. Entre os dois homens passa uma corrente de simpatia pessoal, com certeza fruto do tempo em que ambos lideravam as duas mais importantes autarquias portuguesas.

Rio partiu para este debate sob a ameaça de um resultado catastrófico, como todas as sondagens apontam, no dia 6 de outubro. As expetativas eram, assim, muito más e foi “contra elas” que a sua prestação foi avaliada. E, nesse registo, ficou aprovado. Rio tem um estilo curioso, fala das coisas muitas vezes com a linguagem do cidadão comum, desprezando algum rigor, mesmo terminológico. Apenas na economia procura alguma precisão. O aspeto mais sedutor da sua mensagem é dado pela sinceridade que transmite, a ideia de que, perante um argumento convincente do outro lado, não terá pejo em concordar. Há uma autenticidade desarmante em muito daquilo que diz, muito rara na política “tribal” que por cá se instalou. Veja-se a sua indignação sobre os “julgamentos na praça pública” e os ataques à magistratura - temas que sabe que desagradam à direita e a muita imprensa, mas que ele insiste em abordar, porque claramente acredita naquilo que afirma.

Percebe-se que Costa tem alguma dificuldade em debater com Rio. Não porque não seja capaz: Costa é muito melhor preparado politicamente do que Rio e ser-lhe-ia fácil desestabilizá-lo, tornando-o “irritadiço”, retirando-lhe a bonomia que lhe dá alguma graça, obrigando-o a uma postura defensiva, que explorasse ainda mais as suas múltiplas contradições. Porém, taticamente, não convém a Costa partir para o ataque contra o líder do PSD, porquanto a sua vitória far-se-á precisamente com o voto de muitos de quantos, no passado, votaram no PSD e cujo campo não convém hostilizar excessivamente. Costa sabe que, para ter uma maioria absoluta, tem de ter muito eleitor conservador consigo. Por isso, porque o primeiro-ministro quer transmitir uma imagem “mainstream”, começou por atacar o Bloco, distanciando-se do seu radicalismo, sabendo que o BE é a “bête noire” da direita. A defesa que agora faz dos juízes é, como antes se dizia, “de fazer chorar as pedras da calçada”... Muitos dentro do PS terão ontem ficado mais ao lado da indignação de Rio sobre a ”justiça na rua” e muito menos do silêncio na matéria do secretário-geral socialista - silêncio esse que deve ter sido ressentido e ecoado na Ericeira. Se a isso somarmos as reiteradas proclamações sobre o rigor orçamental, está feito um “pacote” que soa a música celestial nos ouvidos conservadores. Já só falta Centeno aparecer na campanha...

Rio ganhou e Costa perdeu? Rio melhorou e Costa estabilizou. Alguns indecisos, se, no dia 6, ainda se lembrarem do debate de ontem e se, no decurso da campanha, Rio não “estragar” tudo, podem optar por vir a votar PSD. Assim, um evidente “derrotado” do debate de ontem é Santana Lopes, que estava a ser o “muro das lamentações” de muitos PSDs que andavam desiludidos com a “performance” do líder e que ontem podem ter sido convencidos a voltar ao redil. Menos seduzível será a ala passista, que agora se sente atraída pelo radicalismo de direita caceteira e liberal, mas que parece irrecuperável por Rio.

Começo a ficar com a convicção de que Rui Rio, se fizer uma boa campanha e tiver um resultado não inferior a 25% pode conseguir manter-se à frente do PSD. Provavelmente, nesse cenário, o PS não teria uma maioria absoluta, o que seria uma má notícia para Costa. A compensação, também para ele, seria a muito boa notícia da continuidade de Rio.

Até ao lavar dos cestos são as vindimas? É verdade e esta é a época delas.

11 comentários:

Anónimo disse...

Houve mais do que um momento em que AC ficou sem muito para dizer e isso notou-se bem pela sua cara séria. Num dos pontos em que RR incontestavelmente teve razão (a emigração), os fracos argumentos de Costa teriam sido absolutamente destruídos se RR tivesse respondido ao "saldo migratório positivo" com uma simples constatação: quem sai é português - quem entra é estrangeiro. Trocamos os nossos cidadãos por asiáticos que vêm ser explorados nos campos agrícolas ou em restaurantes de kebab. Costa não conseguiria argumentar e Rio ainda poderia divertir-se com algumas acusações de falta de patriotismo. Foi pena o esquecimento porque a coisa é tão óbvia...

Anónimo disse...

BE é a besta negra dos conservadores? Mas quem acaba por ser sempre afastado de todas as coberturas mediáticas é o PCP. Deve ser coincidência.

aamgvieira disse...

Tem sido a ausência dos portugueses em exercer o seu direito (direito esse que tantos anos custou) de voto, que faz com que Portugal hoje, tenha péssimos políticos e uma comunicação social a levar a esquerda ao colo.

Ontem era a prima a moderar o debate......

Mal por Mal disse...

Costa e o seu riso de monalisa desvaneceu-se um pouco.

Anónimo disse...

Concordo com "08:22" e ainda acrescento os reformados franceses e suecos mais os chineses dos vistos Gold. Trocamos a nossa juventude por velhos e oportunistas. Se o Rui Rio tivesse mostrado instinto matador nesta questão o António Costa tinha sido trucidado.

Anónimo disse...

Comenta-se que a escolha de quem será um intocável Primeiro Ministro durante 4 longos anos-um PM que com esta Constituição tem todo o poder Executivo, o poder Legislativoe e a comunicação social nas mãos- ficou decidida numa atabalhoada conversinha televisiva de uma simples hora, com perguntas e respostas ao centímetro.
Será mesmo este o melhor sistema político para um qualquer País, politicamente culto, que se preze ?. Ou um tremendo, interminável, engano.

Anónimo disse...

O Sr. Costa até estava espantado com tanta bondade de Rio . Pareciam duas pessoas do mesmo partido , conciliadores , quase amiguinhos . No entanto Rio mostrou o seu melhor perfil , e Costa que estava preparado para a guerra não sabia como reagir . Vai haver outra geringonça , mas desta vez com Rio ?

dor em baixa disse...

O que Costa ganha enquanto governante, ou melhor, gestor de equilibrios, desperdiça durante as campanhas, campo onde é fraquissimo. Não obteve uma única vitória nos debates e o empate com Jerónimo de Sousa terá sido obtido porqueoambos aboliram a confrontação. Assim, não alcançará a maioria absoluta. (O que é bom).

Anónimo disse...

António Costa tem um problema: por vezes é demasiado palavroso, e tem um dicção horrível, parece que tem a boca cheia de papas de milho. Na substância, no conhecimento das coisas, é muito melhor que Rio.

Anónimo disse...


Aquela dos emigrantes ( que, segundo o Expresso, são 259 mil portugueses até 2018!) devia fazer corar a esquerda de vergonha! Ainda me lembro da berraria que faziam no tempo do Passos Coelho! Em contrapartida, Rui adora dar tiros no pé. Aquela diatribe contra a justiça não cola no coração do povo, porque as pessoas sabem que a justiça nunca foi tão longe. E então berrar contra o tratamento dado pela comunicação social é dar um tiro no joelho. A impreparação do Rio nas matérias da justiça é evidente: limita-se a debitar um discurso colado a uma certa advocacia do crime, a quem a publicidade dos casos pouco interessa. Soluções concretas para os problemas do sector zero!

Manojas disse...

Que Rui Rio, no debate com António Costa,superou, e muito,o Rui Rio que tinha andado até aí a fazer figura de urso, concordo plenamente, agora que tenha vencido, mesmo que por poucochinho,o citado debate, só quem alinhe com o impagável José Gomes Ferreira, a estrela da SIC,se atreve a dizê-lo.

Maduro e a democracia

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