sexta-feira, setembro 13, 2019

A tragédia do CDS


Ver hoje, em algumas sondagens, o CDS com intenções de voto inferiores às do PAN é algo que não deixa de me impressionar historicamente, confesso.

O CDS é uma estrutura de representação política que, a partir de 1974, deu acolhimento democrático a muitos conservadores, a maioria dos quais tinham com o 25 de abril uma relação menos entusiástica - e isto é, obviamente, um irónico “understatement". 

Os núcleos do CDS surgiram, mais ou menos a medo, pelo país, perseguidos por uma esquerda que os via como encapotados saudosistas da ditadura e desprezados por uma direita mais radical, que quase os apodava de colaboracionistas com a nova situação. Tiveram menos arte do que o então PPD, na captação das redes do marcelismo, não integraram os primeiros governos provisórios, e tudo isso marcou decisivamente o seu futuro, nomeadamente em termos de poder autárquico, com forte impacto na limitação da sua expressão nacional.

Não deve ter sido fácil "ser CDS" por esses tempos, tanto mais que, à sua imediata esquerda, nascia um partido que, com o andar da vida política em democracia, apareceu a muitos conservadores mais pragmáticos como aquele que melhor garantiria uma fatia imediata de acesso ao poder político - o então PPD. Para este, a existência do CDS era uma bênção, porque assim assegurava que passava a existir uma estrutura à sua direita, que o afastava um pouco desse setor diabolizado do espetro político. Em saldo, e a meu ver, o país ficou a dever ao CDS, por esse tempo, um importante serviço democrático.

O CDS foi sempre um partido de um líder. De início, foi Freitas do Amaral que o titulou, com aquele ar cinquentão de quem tinha uma pose de Estado e apenas trinta e poucos anos de idade. Ao seu lado, como inteligência estratégica, sobressaía Amaro da Costa - que a trágica desaparição em 1980 converteu num eterno mito partidário. É curioso notar que Freitas do Amaral não conseguiu fixar, na história interna do CDS, o lugar afetivo que a sua liderança inicial justificaria. Porquê? Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças, que deixou aturdidos os observadores políticos e deve ter colocado à beira de um ataque de nervos os seus seguidores originais. Ele, porém, não vê as coisas assim, como o seu recente livro de memórias uma vez mais revela.

Toda a história do CDS é o drama de uma formação que, pela natureza da sua alegada matriz política original, democrata-cristã, internacionalmente relevante ao tempo, se pressentia vocacionada para a partilha uma fatia do poder democrático, mas que começou a ter a consciência de que só minoritariamente a ele poderia ter acesso, por razões que se prendem com a inultrapassável natureza do sistema nacional de representação política. 

O CDS nunca foi um partido desejado pelos seus coligados (sejam eles o PSD ou, episodicamente, o PS): esses partidos apenas o aceitam porque necessitam do CDS para arredondar as suas maiorias. E, quando colocados nesse contexto, essoutros partidos têm depois de sofrer o imperioso e natural tropismo do CDS querer afirmar uma identidade programática específica. Porque o CDS sabe que, se acaso se subsumir excessivamente numa maioria que nunca liderará, perderá o seu eleitorado próprio. Por isso, sente-se sempre obrigado a fazer recorrentemente prova de vida ideológica, seja ela o que for.

Quem é que vai hoje para o CDS? Não sei bem. Durante muito tempo, "ser do CDS" estava para a política como ser do Belenenses estava para o futebol, tirando uns teimosos abastados rurais, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais de província que se estavam nas tintas para o Estado e que tinham a graça de não temerem ser apelidados de "fachos". E, claro, nos tempos pós-Revolução, muitos “retornados” de África ali acolheram as mágoas. Noutras geografias, da Lapa a Nevogilde, era mesmo "bem" ser do CDS, embora se soubesse que o caminho fácil para um conservador ter um futuro político estava mais no PSD.

Ora o PSD é uma formação que, nos dias de hoje, a maioria dos "centristas" (uso a expressão por mera identificação) despreza e apenas tolera, porque a consideram movida, no essencial, por uma filosofia oportunista de ascensão ao poder a todo o custo. É, contudo, a "locomotiva" natural no seu cíclico caminho de partilha desse mesmo poder... Já o PS é, por muita gente do CDS, considerado um partido que disfarça bem uma ambição apenas simétrica à do PSD, encadernando-a com uma ideologia que vende como "social", mas, na realidade, é gente que venera o Estado para melhor viver à mesa do orçamento, com a arrogância acrescida de quem se acha "proprietário" de abril. Quanto ao PCP, bem, para o CSD são "comunas" e isso diz tudo...

Durante muitos anos, praticamente ninguém entrava para o CDS para fazer uma carreira política ou obter grandes benesses por essa via - da mesma maneira que ninguém vai para sócio do Belenenses para ganhar um campeonato. Pelo contrário: muita gente que aderia ao CDS levava já consigo uma carreira e um perfil público que ajudava à imagem do partido, raramente esperando que fosse o partido a ajudá-los. O CDS urbano era um partido de elites, de famílias, com um toque religioso à mistura, para adubar a sua origem ideológica. Um partido de bons “adresses”...

Essa sua matriz específica, que politicamente pouco retribuía, fez com que, ao longo dos tempos, o CDS fosse quase sempre o partido dos amigos do líder da ocasião, que acabava por ser quem "puxava" pelo CDS e, com maior ou menor sorte, lhe dava força eleitoral - desde os tempos do "táxi" a bancadas mais fartas. Eram também esses chefes quem determinava a linha ideológica, por isso muitas vezes errática, num moldável "template" conservador - foi anti-europeísta e soberanista para mais tarde desembocar num quase-federalismo europeu, chegou a ser liberal para depois se refugiar em opções que relevam de um "gaullisme" à moda do Caldas, com toques de "poujadisme". Paulo Portas foi a cara desse CDS mutante, sendo que nunca achei apenas casual o acrescento do PP ao nome do partido... 

A pertença ao governo da “troika”, em que o CDS teve um papel relevante, embora polémico no equilíbrio da própria direita, acabou por ter efeitos trágicos no partido. No refluxo dessa experiência, que o PSD também está a pagar, o CSD acabou por ficar com uma liderança “modernaça”, feminina, que parecia poder abrir um tempo novo. Porém, enganou-se totalmente no registo que projetou: foi errática na mensagem, “caceteira” no modo, roçou o populismo, chegou a afirmar despropositadas ambições de liderança da direita. Agora, com o risco acrescido de ver desgastados os seus votos por grupúsculos com agendas sectoriais oportunistas, o CSD parece destinado a vir a ter um dos piores resultados da sua conturbada história.

13 comentários:

Anónimo disse...

Vou votar no CDS .
Sempre votei .
Bravo dr. Paulo Portas que “ inventou “ a fantástica palavra “ geringonça “ que correu mundo e designa bem o que se passa neste País ...

António disse...

O CDS esqueceu uma regra básica (para o CDS): nunca, mas nunca, se aliar à Esquerda.
Fê-lo no “caso dos professores” e levou a machadada. Nem interessa se o BE tinha razão ou não, se a causa era justa ou não. O eleitorado CDS não gosta dessas misturas. Pior; fez uma retirada humilhante depois da resposta de António Costa. Mal por mal, subia a parada, pelo menos mantinha uma réstia de coerência, e talvez ganhasse uns votos.
Quanto ao resto, não percebo o que é o CDS actual. É direita? Centro? Populista? Elitista? Liberal? Conservador?
Assumir linhas programáticas claras não garante sucesso - como prova o declínio do PCP -, mas o CDS é demasiado vago. Todos são, mas o CDS abusa. E logo numa altura em que seria relativamente fácil roubar votos ao PSD.

Anónimo disse...

Anónimo das 21:30,
Não foi esse "pascôncio" do Paulo Portas que inventou a designação de Gerinconça, mas essa putativa e reaccionária figura, o Vasco Pulido Valente, ou antes, Correia Guedes.
Já quanto ao debate de hoje, entre o Costa e a Cristas, de facto a Cristas ganhou o debate. É claro que Costa não vai para os debates para os ganhar, mas para tentar esclarecer ideias. Que não ficam esclarecidas. Costa foi arrasada por Catarina Martins, André Silva e agora Cristas, o que não impede este povilhéu de ir votar nele. A malta gosta de votar em quem vai gnhar, para estar do lado do vencedor. Enfim, é o povinho caricato que temos.
a)Silva Reis

Anónimo disse...

Deixei de votar no CDS quando este passou a ser contra a Europa. Vou agora voltar a votar no CDS porque, embora tendo feito a estupidez de votar com o B E na questão dos professores, foi o único partido que fez oposição a Costa. E a oposição serve para isso mesmo.
João Vieira

Anónimo disse...

Exacto, o perfil político do ex-líder do CDS, Freitas do Amaral. "... Porque, a partir de certa altura, cavalgando ambições próprias, decidiu "fazer pela vida" e iniciou um "never-ended" percurso zigzaguiante de alianças,..."
Genuíno, o precursor das geringonças. No PS, hoje em dia, algo já corriqueiro, "Business as usual".

O eleitorado CDS é que ficou confuso, habituado que está ao futebol, 11 vs 11.
No sistema eleitoral português vota-se num "clube". Os jogadores selecionados, e de diferentes teams, já em campo, de comum acordo, podem cozinhar um resultado que favorecerá quem bem entenderem.
Assim a geringonça em futebol seria: o 11 do FCPorto derrotado pelo 22 SCBenfica+SCdPortugal.
Com ajuda de um árbitro que nunca se engana. claro.

Anónimo disse...

Anónimo das 22:03
Não interessa quem usou a palavra pela 1a vez , mas que é genial , disso não há dúvidas . Até a imprensa estrangeira a usa para referir-se ao governo de António Costa .
Com quem formará uma nova geringonça no próximo governo ???

Anónimo disse...

Em relação ao Freitas do Amaral quem ziguezagueou mais, ele ou o CDS, que de um partido de centro democrata cristão radicaliza ao ponto de ser expulso do PPE e depois passa a partido para servir um dono e acaba com o populismo ignorante da Cristas. Acho que o CDS mudou mais. E hoje o que é? De cristão não tem nada. Está no espectro oposto da actual doutrina social da Igreja. Leia-se a. Caritates in Veritates do Bento XVI que parece que ninguém na direita portuguesa conhece. A propósito o termo geringonça é óptimo e fácil mas deriva da arrogância ignorante de quem não sabe que é há muitos anos o sistema mais comum na maior parte das democracias europeias
Fernando Neves

aamgvieira disse...

A esta sua nota apenas um comentário:

Os portugueses deviam ir votar, não deixem que o PS e o resto da esquerda votem por vós, Portugal agradece.

Anónimo disse...

Só o Jacinto Leite poderá salvá-los!
Não sendo assim, que se metam num submarino e hibernem!

AV disse...

Gostei da análise, como também da observação de Fernando Neves em relação às coligações.
O CDS é um caso interessante no espaço político português pela sua evolução, particularmente nas suas fronteiras com o PSD. Às vezes, parece-me que existe uma direita mais conservadora no PSD, escondida pela designação de ‘social democrata’. Talvez essa ala tenha raíz nesses primeiros tempos do pós 25 de Abril, em que, como nos faz notar, o então PPD a captou melhor, e se vá alimentando de outras circunstâncias conjunturais mais recentes.

Anónimo disse...

Fernando Neves
A palavra genial geringonça ficará para sempre associada a este governo , encaixa-lhe que nem uma luva .
Não tem nada de ignorância arrogante , só pelo facto de ser um sistema praticado há muito anos por várias democracias europeias ... mas nenhuma delas conseguiu , no seu idioma , uma palavra tão irreverente e apropriada como esta ! É um mérito que não lhe poderão tirar e geringonça será sempre conectada com o governo de António Costa . E até acredito que quando se escrever a História deste período sinistro para Portugal é assim que vai ser conhecido .

João Cabral disse...

A tragédia do CDS ou a preocupante subida do populismo e do animalismo entre nós sob a forma do PAN? Julgava-o mais perspicaz em análises políticas, senhor embaixador. Que o seu PS não venha também a fazer parte da tragédia que reserva aos outros.

Anónimo disse...

Ou seja, mais uma mulher na política que não deixa saudades. Não trouxe nada de novo, não teve nenhuma "maneira diferente de estar", etc. Os slogans feministas são muitos e falham todos sistematicamente.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...