Os muitos dias em que andei à boleia pela Europa, na viragem dos anos 60 para 70, trouxeram-me experiências curiosas. Uma leitora qualificava-as ontem, num comentário, como “aventuras”. Não estou de acordo: foram sempre viagens serenas, com episódios interessantes e às vezes pitorescos, mas nunca configuraram o menor registo aventureiro. Não faz o meu género...
Um desses episódios passou-se três dias depois da refeição “memorável” em Bouillon, que ontem contei. Eu partia do Luxemburgo para Paris, onde tencionava ficar uns dias mais, antes do retorno a Portugal, nesse ano de 1971. Na localidade industrial de Longwy, à saída do Luxemburgo, um “carocha” com matrícula alemã parou para me dar boleia. Eram dois militares americanos, que estavam numa base na Alemanha, que iam passar um fim de semana à capital francesa. A boleia era assim direta para Paris. A mim dava-me um jeitaço! Como eles não falavam uma palavra de francês, ficaram igualmente encantados em que eu os ajudasse a chegar ao seu destino.
A mais proeminente referência parisienses que traziam, para além do hotel, dos "trottoirs" da rue Saint-Denis e de alguns locais congéneres de Montmartre, onde iriam “concentrar” os seus escassos dias, era o "Harry's Bar".
Para quem não saiba, o “Harry’s Bar” parisiense (o nome é vulgar pelo mundo, mas os mais clássicos, embora de natureza algo diferente, estão em Veneza, Roma e Florença, e merecem uma visita, em especial o primeiro), foi, por décadas (não sei se ainda será), um lugar de culto, uma barra alcoólica quase obrigatória para expatriados do outro lado do Atlântico, por onde passaram “batalhões” de militares americanos. Foi no “Harry’s Bar” que muito parou Ernest Hemingway, o qual, ali bem próximo, a “walking distance”, fez história, aquando da libertação de Paris, ao ter tomado a decisão de “libertar” das “garras nazis” esse ponto “estratégico” que era o bar do Hotel Ritz, que ainda hoje conserva o seu nome.
Por muito tempo, o então New York Herald Tribune (depois, International Herald Tribune, hoje, International New York Times), que foi criado como um jornal para os americanos na Europa, incluía, na sua última página, publicidade ao Harry's Bar, onde o respectivo endereço - 5, rue Daunou - era apresentado em transcrição fonética, por forma a permitir ao consumidor yankee dizê-lo com facilidade ao taxistas parisienses: "Just tell the taxi driver: sank roo doe noo"...
Voltemos à boleia que os militares americanos nesse dia me davam. À época, o meu conhecimento de Paris, em especial fora do centro, era bastante limitado. Lembro-me que, por quase uma hora, os fiz perder por bairros periféricos, com os militares a começarem a perder a paciência e comigo a usar o meu francês, com transeuntes que cruzávamos, para tentar chegar à Opera, de onde eu sabia o caminho para o bar.
Finalmente, chegámos! Fiquei-me pelo gin tónico que me ofereceram, porque tinha de ir à procura de alojamento e, decididamente, os nossos planos para os dias seguintes não coincidiam. Vi-os iniciar o fim-de-semana com um Bourbon duplo e logo imaginei o que aí viria. Escapuli-me quando pude, não sem que antes lhes tivesse deixado imensas notas desenhadas no "Paris à vol d'oiseau", um mapa da cidade então muito em voga. Pode-se imaginar que o Louvre e outros polos culturais parisienses não faziam parte dessas notas orientadoras...
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