quarta-feira, setembro 04, 2019

Clarke e os conservadores


Kenneth Clarke foi ministro das Finanças, do Interior, da Educação e da Saúde de Margareth Thatcher, que nunca gostou dele, sempre desconfiou do seu lado europeísta, mas reconhecia a sua competência e respeitava a sua independência. É hoje o mais antigo membro da Câmara dos Comuns (“the father of the house”), uma figura altamente considerada na vida política britânica.

Ontem, na sequência de não ter seguido as instruções da liderança do grupo parlamentar do Partido Conservador, ao recusar a estratégia de Boris Johnson para o Brexit, Kenneth Clarke viu-se afastado do partido (foi-lhe retirado o “whip”, no jargão parlamentar britânico), juntamente com um grupo de outros deputados, entre os quais o último ministro das Finanças de Theresa May (e ministro dos Estrangeiros de David Cameron), Phillip Hammond.

É este o “estado da arte” no seio dos conservadores britânicos. Mas há mais.

Hoje à noite, tudo o indica, a Câmara dos Comuns votará uma resolução recusando um Brexit sem acordo (mas essa decisão terá ainda de passar pela Câmara dos Lordes, onde a maioria para aprovação não está garantida), o que implicará um pedido de novo adiamento da saída da UE, que estava prevista para 31 de outubro. (A UE concederá sem problemas esse pedido).

Boris Johnson, que recusa em absoluto esta orientação, disse ir tentar convocar novas eleições legislativas em 15 de outubro. Mas, para aprovar isso, necessita de 2/3 dos votos nos Comuns, o que significa que precisa dos votos da oposição. Ora esta insiste, há muito, que quer eleições. Pode assim concluir-se que Johnson tem caminho aberto para realizar o sufrágio?

Longe disso. O líder trabalhista só aceita somar os seus votos aos de Johnson, para a antecipação de eleições, se, antes, ficar aprovada a tal moção que recusa o Brexit sem acordo, o que implica pedir o novo adiamento a Bruxelas. Ora o primeiro-ministro já disse (mas ele já disse tanta coisa, diferente uma da outra...) que nunca faria tal coisa. Em que ficamos? Como se sai daqui? 

Confuso? Ninguém deve estar mais confuso do que os britânicos.

10 comentários:

Anónimo disse...

2050 - os britânicos discutem os termos do Brexit e alguns portugueses continuam a tentar reverter o Acordo Ortográfico...

Luís Lavoura disse...

(A UE concederá sem problemas esse pedido).

Estou de acordo em que concederá o pedido, mas não será "sem problemas" como o Francisco diz. Há países da UE, nomeadamente a França, que já estão fartos desta novela e desejosos de que o Reino Unido se vá embora de vez o quanto antes, para não chatear mais. Ademais, a UE já disse que só concederia um novo adiamento da saída do RU se este último apresentasse uma razão válida para tal pedido; aparentemente, os opositores de Johnson querem adiar a saída mas não apresentam qualquer razão para tal adiamento. Portanto, a UE tem boas razões para rejeitar o pedido do RU.

Luís Lavoura disse...

Como se sai daqui?

Sai-se, muito simplesmente, muito expeditamente, se a União Europeia disser desde já ao Reino Unido que não aceita adiar o Brexit para além de 31 de outubro. Façam os britânicos o que quiserem, peçam eles os adiamentos que pedirem.

A partir de 31 de otubro ficaríamos livres desses idiotas que não sabem o que querem, e dos seus problemas internos. O Reino Unido passaria a ser independente da União Europeia mas, mais importante que isso, a União Europeia passaria a ser independente daqueles idiotas.

Luís Lavoura disse...

É importante notar que boa parte da culpa desta confusão toda cabe ao sistema eleitoral britânico.

Esse sistema, de círculos uninominais, incentiva fortemente que só haja dois partidos, e desincentiva que um qualquer partido se divida em dois.

Como resultado desse sistema, os dois grandes partidos britânicos, que se alinham de acordo com questões económico-sociais, encontram-se internamente divididos sobre a questão do Brexit. Tanto nos trabalhistas como nos conservadores, há deputados pró- e anti-Brexit.

O sistema eleitoral desincentiva os dois partidos de se desintegrarem e de, portanto, passarem a assumir posições unívocas e claras sobre o Brexit.

Portanto, boa parte desta confusão deve-se a um sistema eleitoral doentio. Uma boa razão para outros países não adotarem tal sistema.

Anónimo disse...

A decadência britânica.
Fernando Neves

Anónimo disse...

"... viu-se afastado do partido (foi-lhe retirado o “whip”, no jargão parlamentar britânico), juntamente com um grupo de outros deputados, entre os quais o último ministro das Finanças de Theresa May (e ministro dos Estrangeiros de David Cameron), Phillip Hammond...."

Algo que nunca aconteceria (infelizmente) no "parlamento" em Portugal.

Phillip Hammond -o mandante de Teresa May- foi afastado do partido Conservador. Torpedeou o resultado do referendo, à saciedade, enquanto pode.
Mas pior, os responsáveis do P. Conservador no seu círculo eleitoral -os que o sancionaram como seu representante em eleições- pura e simplesmente retiraram-lhe o apoio em futuras eleições!.

Uma das virtudes do sistema eleitoral no RU. A escolha e a potencial eleição de uma candidato a PM, por um círculo eleitoral, é de quem ali vive e trabalha.
Por ali não há choradinhos ao chefe do partido na ocasião ....

O que se passa no Parlamento, em Westminster, apesar de todas as aparentes convulsões, é apenas política: por um lado o que os eleitores em Runnymede e Weybridge, Surrey, querem, e por outro o que o ex-MP Hammond queria.

Portugalredecouvertes disse...

Dava a entender que os Britânicos sempre souberam o que deviam fazer para os seus interesses,
será que mudou tanto ?
eles até foram bons aliados, apesar de sempre muito careiros, pelo que eu entendo de história que é muito pouco

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

Mais uma vez o RU dando uma licao em democracia. O que nao acontece na ARISTOCRACIA POLITICA Europeia.

Augie Cardoso, Plymouth, Conn. disse...

O povo em diversos paises, referendum contra o Tratado de Lisboa, mas OS espertos politicos arranjaram maneira de ir em frente . Agora se vei oresultado desastroso.

alvaro silva disse...

Nada que não passe fazendo aquilo em que os britânicos são peritos. Emborracham-se, pois a crise há-de passar, difícil é escolher o líquido. Gin? Scotch? Port wine? Cherry? Têm muitas opções.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...