sexta-feira, setembro 13, 2019

O riso de Costa



Quem tem alguma memória da vida política portuguesa lembrar-se-á de, um dia, ter ouvido alguém dizer que sabia que iria acabar por ser primeiro-ministro, só não sabia quando. Na atual conjuntura, António Costa pode afirmar, com toda a segurança, que irá ser de novo primeiro-ministro, apenas não sabendo “por quantos” a sua vitória se expressará.

Na história da nossa democracia, raramente um resultado eleitoral terá sido tão pré-anunciado e tão pouco contestado a nível de previsões. De facto, a expetativa de uma vitória eleitoral socialista é hoje tão forte no sentimento coletivo que qualquer resultado que fique abaixo da maioria absoluta vai mesmo, com toda a certeza, acabar por ser visto como uma “derrota” do PS.

Alguém notava, há dias, que, pela primeira vez, desde há muitos anos, os tradicionais apoiantes do PSD e do CDS sabem, de ciência certa, que os votos conjugados dos deputados que vierem a ser eleitos por esses dois partidos nunca irão ser suficientes para os levar ao governo. Assim, quem vier a votar PSD ou CDS já percebeu que vai continuar a ser oposição. 

Por outro lado, o “fond de commerce” tradicional da direita, as “contas certas”, habitual arma de arremesso contra o “despesismo” socialista, parece ter deixado de ter a menor validade: o anterior governo do PS fez, nestes quatro anos, nesse domínio, exatamente aquilo que a direita disse que ia fazer - respeitar os compromissos europeus em matéria de objetivos macro-económicos. Escorado nesse património, o que o PS anuncia que se propõe manter no próximo futuro é exatamente o mesmo que a direita pode dizer que também faria. Desta forma, os socialistas, não apenas “raptaram” o discurso da direita, como deram razões a muita gente desse setor, em face do que fizeram, para confiar neles.

Sente-se, assim, que muitos votantes tradicionais da direita, aqueles que são pragmáticos e não cultores de uma agenda ideológica obsessiva, começam mesmo a acolher a teoria da “bondade” de uma maioria absoluta do PS. Vê-se isso bastante em meios empresariais. Porquê? Porque, sendo inevitável que António Costa se mantenha como primeiro-ministro, então - podem pensar - talvez valha a pena dar-lhe toda a responsabilidade, evitando que, na sua ação futura, ele possa vir a ter algumas derivas “esquerdistas”, que pudessem ser justificadas pela sua dependência dos parceiros da anterior Geringonça.

Com uma oposição de direita destroçada, que contra-poder ao PS passará a existir no terreno? perguntar-se-ão muitos. O presidente da República. Estando em absoluto excluído que PSD e CDS possam vir a formar governo, a “esperança” no equilíbrio do sistema passa a residir, para alguns, quase exclusivamente, no chefe do Estado. Sabe-se que, na direita, Marcelo não faz hoje a unanimidade mas, na atual conjuntura, perante o inevitável, mesmo para quantos não apreciam excessivamente a sua ação, ele representa o único instrumento disponível para “controlar” um novo governo socialista. 

É também perante este cenário de derrota anunciada que algumas pessoas desse eleitorado tradicional do PSD e do CDS podem sentir-se tentadas a dar o seu voto, numa opção “experimentalista” e quase lúdica, a minúsculas formações de direita recentemente emergidas, politicamente oportunistas da crise daqueles partidos tradicionais. Elas vão desde o populismo filofascista, com laivos xenófobos e racistas, até uma espécie de “bonapartismo” tardio, personalizado em figuras em decadência política, passando por uma direita radical, tipo “alt right”, por cá travestida de liberal. 

Os socialistas só esperam para poderem agradecer a quem se sinta tentado a ir votar nessas formações residuais: não lhes causam a menor mossa política na sua garantida maioria (absoluta ou não) e esse ato retira votos que, normalmente, seriam do PSD ou do CDS. No caso dos social-democratas, em alguns círculos eleitorais mais pequenos, essa opção de voto por formações minúsculas pode mesmo vir a “oferecer” alguns deputados ao PS, na tal fronteira da maioria absoluta. 

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