domingo, setembro 15, 2019

O leitor de jornais


Alguém me perguntava, ontem, sobre como decorre uma das provas de entrada no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que no passado se chamava “de apresentação” e que agora me dizem que tem outra designação, que não fixei.

Expliquei que consistia numa conversa, de 15 a 20 minutos, com cada candidato. Três diplomatas "seniores" fazem parte desse painel, que entabula uma conversa variada com o pretendente à admissão, tentando saber um pouco dos seus interesses culturais e de vida, ao mesmo tempo que se afere a sua capacidade de expressão. Períodos houve em que uma parte da conversa se passava em francês ou inglês, à escolha do candidato.

Confesso que achei sempre essa prova um dos momentos de verdade da admissão à carreira diplomática: dela não se percebe se o candidato vai ser ou não um bom diplomata, mas deduz-se de imediato se ele é totalmente não-dotado para a profissão. Dizem-me que a prova, agora, é a última dos concurso e que se passa exclusivamente em português. Mas o objetivo do exercício continua basicamente o mesmo.

No decorrer da conversa de ontem, lembrei-me de uma história divertida, passada num concurso de admissão, nos anos 90, de cujo júri eu fazia parte.

Num dos dias, um dos jovens candidatos quis "dar-se ares" e, ao ser perguntado por mim se seguia a política internacional, adiantou, com grande firmeza: "Há vários anos que acompanho a imprensa internacional. Todos os dias leio o 'Libération'". 

Confesso que fiquei espantado! Se tivesse dito o "Le Monde", o então “International Herald Tribune" ou mesmo o "Financial Times", era mais plausível. O "Libération", contudo, era um jornal que chegava a Portugal em quantidade muito limitada e era "obra" tê-lo como de leitura diária. Eu lia-o apenas esporadicamente.

Decidi testar o rapaz: "Isso é muito interessante! Então você lê regularmente o "Libération"?! Nesse caso, talvez me possa dar a sua opinião sobre a reforma gráfica pela qual o jornal passou no último mês. Até deve lembrar-se, com certeza, do editorial da semana passada, no qual o diretor, o Serge July avaliava esse esforço de auto-reconversão do jornal".

O nosso candidato embatucou, mas apenas por uns instantes. Com jeito e artes para não cair em contradições, lá disse umas coisas que, revelando ter uma vaga ideia do "Libération", demonstraram agilidade de raciocínio e capacidade de improviso. E, por isso, passou.

Anos mais tarde, encontrei-o num corredor das Necessidades, já ocupando um lugar de chefia no MNE, e perguntei-lhe: "Então! Continua a ler o "Libération"?". Ambos demos uma boas gargalhadas.  Hoje já é embaixador!

1 comentário:

Anónimo disse...

Agora a designação é entrevista profissional...para quem não sabe.

Libération, esta gente sabe lá o que é o Libe.

LIBE também nâo me parece. Talvez os LIBÊ.


Os meus parabéns aos 27 magníficos, Adidos de Embaixada em 2019.

Os meus cumprimentos a Sua Excelência, o Secretário-Geral do MNE, pela quinta " pole position".

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...