Há mais de um ano (como o tempo passa!) falei aqui do 27 de maio de 1977, uma data trágica para a história de Angola, que consagrou o início de uma espécie de "guerra civil" no seio do MPLA, a qual conduziu a milhares de mortos e a um traumatismo que ainda hoje atravessa muitos setores da sociedade angolana.
A história recente de Angola, queiramos ou não, constitui também um capítulo da nossa própria história. Não se pode compreender o 25 de Abril, e tudo quanto lhe sucedeu, sem se ter em conta o efeito recíproco dos fenómenos ocorridos nos territórios que, então, abandonavam a tutela da colonialismo português. Isso é válido para o 27 de maio, como o é para a relação entre o MPLA e a UNITA.
Por uma mera coincidência, cheguei a Angola, colocado na nossa Embaixada, no dia 27 de maio de 1982, isto é, precisamente cinco anos depois do 27 de Maio de 1977. Sabia pouco do que se tinha passado em 1977, isto é, tinha apenas os impactos mediáticos do acontecimento, em muitos casos sob a luz distorsora das ideologias. Recordo ter-me sempre defrontado com um imenso muro de silêncio quanto inquiria sobre os eventos ocorridos meia década antes. Poucos queriam falar disso e os que tal ousavam faziam-no num registo de contenção que muito me impressionou. Ainda hoje, com alguns amigos e conhecidos da realidade angolana, continuo a ter uma estranha dificuldade em abordar o tema, que parece ter-se convertido em tabu na memória coletiva.
Há dias, vi e comprei em Portugal um livro publicado sobre a figura de Sita Valles, uma pessoa da qual a maioria dos leitores deste blogue nunca terá ouvido falar. Sita Valles foi uma militante política, ligada à UEC (União dos Estudantes Comunistas), a organização estudantil do PCP (Partido Comunista Português). Nascida em Angola, filha de pais indianos, foi estudar medicina para Portugal, tendo-se tornado numa figura importante do movimento associativo universitário de então. A sua fase de maior atividade coincide com um período em que eu próprio estava já a ter uma menor ação nesse movimento, pelo que tenho dela apenas uma memória pessoal muito remota.
Após o 25 de abril, Sita Valles decidiu regressar à sua terra natal, para participar na vida do novo país independente. A sua ação no seio do MPLA foi marcada por um forte radicalismo, que a tornou, desde cedo, numa personalidade bastante controversa. Terá tido uma particular responsabilidade na formação de uma tendência política que era protagonizada na figura de Nito Alves, um prestigiado guerrilheiro em torno do qual se criou um movimento que, em 27 de maio de 1977, tentou forçar, de forma violenta, uma mudança no poder político angolano, pondo em causa ou pretendendo condicionar o presidente Agostinho Neto. Sita Vales foi então presa e, mais tarde, terá sido executada, como vários outros milhares de pessoas, alegadamente implicados naquele golpe político-militar. De notar que houve também alguns cidadãos portugueses que apareceram envolvidos naqueles acontecimentos.
Após o 25 de abril, Sita Valles decidiu regressar à sua terra natal, para participar na vida do novo país independente. A sua ação no seio do MPLA foi marcada por um forte radicalismo, que a tornou, desde cedo, numa personalidade bastante controversa. Terá tido uma particular responsabilidade na formação de uma tendência política que era protagonizada na figura de Nito Alves, um prestigiado guerrilheiro em torno do qual se criou um movimento que, em 27 de maio de 1977, tentou forçar, de forma violenta, uma mudança no poder político angolano, pondo em causa ou pretendendo condicionar o presidente Agostinho Neto. Sita Vales foi então presa e, mais tarde, terá sido executada, como vários outros milhares de pessoas, alegadamente implicados naquele golpe político-militar. De notar que houve também alguns cidadãos portugueses que apareceram envolvidos naqueles acontecimentos.
O livro agora escrito por Leonor Figueiredo traça-nos um retrato inédito de Sita Valles, das suas relações familiares e afetivas, bem como da sua variada, mas sempre muito empenhada, atividade política. Fala-nos também um pouco do 27 de maio, acrescentando alguns dados mais à escassa bibliografia existente sobre essa data, a qual permanece muito pouco estudada e sobre a qual continua a imperar um grande desconhecimento público. O livro, em si mesmo e como biografia humana e política, tem o valor que tem, mas tem, essencialmente, o grande mérito de abrir mais uma porta para um dia se poder vir a saber, em detalhe, o que se terá, de facto, passado em Angola, nesse período. Talvez então possamos conhecer algumas coisas mais sobre o 27 de maio: as posições do Partido Comunista Português, a real atitude da União Soviética perante a aproximação e o desenrolar dos eventos, o verdadeiro papel desempenhado pelos diplomatas e pelas forças armadas cubanas, etc. Tudo isso é importante para a história de Angola, mas é igualmente vital para se perceber melhor um tempo decisivo no processo de relação política de Portugal com esse país.
7 comentários:
Porque vale sempre a pena revisitar a História... vou fazer link, caro amigo.
Obrigado.
Um abraço.
Caro Embaixador
Sobre esses acontecimentos do 27 de maio há também um livro, que se calhar já conhece, dos historiadores Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, edições Asa, chamado "Purga em Angola".
Não sei se alguma vez se chegará a saber a verdade e qual será "a verdade"...
Cumprimentos
A Lebasiaifos ( Sofia Isabel?) disse uma grande verdade! Tambem eu duvido de que alguma vez venhamos a saber mais do que a verdade de cada um.
Tenho parentes que nasceram e viveram em Angola. E que são a demonstração disso mesmo!
É curioso verificar que o livro sobre a vida de Sita Valles, foi escrito por uma mulher e que os comentarios até agora feitos sao apenas do sexo feminino...
Belíssimo texto...com uma mensagem final de esperança de que um dia se venha a compreender toda a complexidade do que se passou na altura na ex-colónia portuguesa Angola, em torno deste seu momento histórico.
Lembro-me perfeitamente da Sita Vales e o seu(activissimo e aguerrido)"grupo" de Medicina. Muito embora fossemos de áreas totalmente opostas, e despojados agora dos "binóculos" de então(o tempo é o melhor "filtro"...), reconheço as suas grandes qualidades - era um ser esperto, acutilante, combativo e inteiramente dedicado a uma "causa"! Houve outros portugueses/angolanos que também pereceram nessa trágica "corrente" de ruptura, como afirmou e muito bem o FSC - destaco o Heitor Sousa, nosso colega de direito, ser também intrinsecamente imbuido de generosidade, luta pelos principios e entrega ás causas.
Que um dia se possa compreender tudo o que realmente se passou!
Senhor Embaixador a bibliografia aumentou, por mão estrangeira é certo, no mês passado http://www.ibtauris.com/Books/Humanities/History/Regional%20%20national%20history/African%20history/In%20the%20Name%20of%20the%20People%20Angolas%20Forgotten%20Massacre.aspx?menuitem=%7BEF0E1ED2-7796-49DB-A6EA-B3DC9E30B2C4%7D .
A autora escreveu recentemente no The Guardian sobre o assunto http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/may/05/angola-brutal-history-mpla-leftwing-discipline-betrayal
A edição portuguesa, pela Tinta-da-China sai na 6ª feira http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=739200&tm=7&layout=121&visual=49
http://www.tintadachina.pt/book.php?code=9af1b5a2289a12bd714f393a7e1502ca&tcsid=5551ec2a8ef1d1d59c8b8071cbed9452
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