sexta-feira, outubro 27, 2017

Sudão do Norte?


O último Estado independente reconhecido pela comunidade internacional, com assento nas Nações Unidas, foi o Sudão do Sul. 

Posso estar enganado, mas tão cedo a Catalunha não será o novo “Sudão do Norte”. 

Hoje, só me apetece desejar um futuro de paz e serenidade política para toda a península ibérica.

A greve



Hoje é dia de greve da Função Pública. Não obstante este ser, porventura, o governo que, de há muito, mais tem feito pelos servidores públicos, os sindicatos decidiram fazer uma greve. À sexta é mais simpático, não é? E, com algum jeito, sempre dá para ligar à semana com feriado. Depois de largos meses em que o PC tinha recomendado alguma contenção para proteger a Geringonça, o avançar da legislatura em direção às legislativas de 2019, a necessidade de mostrar bem quem força o governo às cedências (as autárquicas revelaram muita gente “esquecida” e que, por “ilusão”, votou PS), leva os comunistas a dar uma vez mais “mão livre” ao mundo das Avoilas, Nogueiras & ofícios correlativos. Nada de novo, tudo previsível, embora eu gostasse de ser mosca para estar no Comité Central do partido, essa espécie de “balneário” onde a CGTP recebe (e ajuda a fazer) a “tática”. Mas não há também a UGT?, perguntarão alguns. Pois há, vai tudo no andor, mas não é bem a mesma coisa, como bem sabe o meu amigo e conterrâneo Abraão, do alto do seu branco bigode bíblico.

Crónica “gastrófila”


Hoje, na edição da revista “Evasões”, que acompanha gratuitamente o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”, publico uma crónica “gastrófila” sobre o Restaurante Laranjeira, em Viana do Castelo, um pouso culinário que frequento desde a minha infância.

Pode ler o texto aqui, mas não é a mesma coisa que na revista.

Elogio da habilidade



Sempre achei que a co-habitação entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa ia ter alguma graça. Olhando o perfil pessoal e político de ambos, as condições para uma relação “criativa” pareciam reunidas. Não era necessariamente sinónimo de entendimento eterno, mas havia uma “química” potencial, cuja durabilidade logo se veria.

Marcelo Rebelo de Sousa herdou a “geringonça”. Vale a pena lembrar que foi Cavaco Silva quem entronizou esta fórmula governativa, depois de um gesticular de remoques que transformou a sua saída num espetáculo ainda mais patético do que aquele que, em qualquer circunstância, sempre seria. Alguma direita, aturdida e confusa, ainda pensou que o novo presidente, que a dispensara institucionalmente no caminho para Belém, poderia ser tentado a uma dissolução parlamentar.

Era não conhecer Marcelo! O presidente deu todo o espaço ao governo legítimo de António Costa, cavalgou os seus êxitos, não questionou as suas opções internas, porque eram constitucionais, porque as sentiu consonantes com a descrispação por que o país ansiava e que só a acrimónia enquistada da pretérita liderança do PSD se obstinava a não entender. Daí também a rápida mudança de agulha do CDS, que se soube demarcar, com discreta elegância, de tão ruim defunto político. Nesse entretanto, Marcelo crescia, nos “afetos”, na postura institucional, na legitimidade que, para além do voto inicial, a sua atitude de Estado progressivamente lhe grangeou. 

António Costa também fazia o seu caminho. Hábil (não é insulto ser hábil), com rara capacidade de compromisso, soube criar um “firewall” governativo, preservando os compromissos europeus da “poluição” do PC e do Bloco. Estes, empanicados com a hipótese de um regresso da direita, trocaram o apoio ao governo pela recuperação de muito daquilo que os amigos da “troika” tinham retirado ao seu eleitorado. Tudo parecia ir bem.

Entretanto, chegaram os fogos, isto é, o velho país real, desordenado e frágil, impreparado ao primeiro abanão – e este foi forte. Marcelo já não cavalgou o percurso hesitante do governo. O PS reage agora, chocado. A fórmula é clássica: o governo tem a atitude de Estado, o partido tem erupções de indignação. Faz mal: provocar a quase unanimidade de Marcelo é um erro político, como Passos Coelho sentiu na carne. Partir da moção de censura embrulhado numa “frente de esquerda” (fórmula de Santana Lopes que, tal como o autor, veio para ficar), convencido de que assim será mais fácil ao PS ganhar as legislativas de 2019, é uma imprudência histórica. Mas o país não está “à esquerda”?, perguntarão alguns. Talvez, mas sair abruptamente da “selfie” com Marcelo é uma temeridade. Estou certo de que António Costa, que é um político hábil – e isto, repito, é um elogio –, não vai correr esse risco.

quinta-feira, outubro 26, 2017

O novo embaixador


Há dias, alguém me deu notícias do antigo embaixador francês em Lisboa, Pascal Teixeira da Silva, que terminou há pouco a sua missão como representante diplomático francês na Áustria. Vai agora ser embaixador especial para as migrações. E isso recordou-me uma história passada comigo, em Paris, a propósito da sua nomeação para Portugal, em 2010.

Pascal é, como o seu apelido indica, de ascendência portuguesa. Faz parte de quantos, e já são imensos, que, tendo nascido em França com essa origem, ascenderam na vida daquele país, ocupando hoje postos da maior importância na sua sociedade - do setor público às áreas económica, cultural, científica, entre outras. Em regra, essas pessoas pouco ou nada devem a Portugal, que, na generalidade dos casos, obrigou os seus antepassados a terem de abandonar o país onde nasceram, para se acolherem em França, que lhes garantiu condições dignas de vida e lhes renovou a esperança no futuro. São hoje franceses plenos, sendo para nós um orgulho que muitos reivindiquem a sua ascendência portuguesa.

Num dia de 2010, fui chamado ao chefe do Protocolo do ministério francês dos Negócios Estrangeiros, o Quai d’Orsay, que me anunciou que o embaixador francês em Lisboa fora instruído para apresentar o pedido da “agrément” para o seu sucessor, e que este ia ser um diplomata de ascendência portuguesa, de que eu nunca ouvira falar até então - Pascal Teixeira da Silva. Agradeci a informação, documentei-me nas horas seguintes sobre o futuro titular do Palácio de Santos, dei imediata conta a Lisboa de tudo quanto apurara e recomendei que a nossa resposta, naturalmente positiva, fosse dada com grande brevidade. 

Um ou dois dias depois, numa cerimónia na embaixada da Polónia em Paris, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, que estava à conversa com o embaixador polaco, Tomasz Orlowski, ao ver-me passar, muito no seu estilo efusivo e fortemente gestual, chamou-me e deu-me conta da “novidade, em primeira mão” da nomeação de Teixeira da Silva para Lisboa. Fê-lo com grande ênfase, sublinhando a ascendência portuguesa do diplomata e o que isso significava para “a importância dos franceses de origem portuguesa” na vida do seu país. 

Agradeci, fiz de conta que estava a receber a notícia pela primeira vez, fiz um “figurão” dando logo mostras de estar ao corrente do curriculum do diplomata, trocámos mais algumas palavras e Kouchner perdeu-se na voragem da cerimónia. O anfitrião, Tomasz Orlowski, que conheço há bem mais de duas décadas, que foi um dos meus melhores amigos em Paris e me conhece pessoalmente muito bem, terá detetado alguma falta de entusiasmo da minha parte, perante a “revelação” do ministro e fez-me notar isso: “Não me pareceu que tivesses ficado muito entusiasmado com a notícia. Não é bom para Portugal ter, como embaixador em Lisboa, um francês de origem portuguesa? No fundo, Kouchner tem razão: simboliza bem o reconhecimento da integração da vossa comunidade.”

Expliquei ao meu velho amigo polaco, depois embaixador do seu país em Roma, que, claro está!, estava muito satisfeito com a nomeação de um descendente de portugueses para a embaixada francesa em Lisboa. Mas acrescentei: “Não te posso esconder que a integração da comunidade portuguesa em França só estará plenamente assegurada quando diplomatas seus descendentes forem nomeados, não para Lisboa, mas para Washington ou para a ONU”. Ele percebeu. 

quarta-feira, outubro 25, 2017

Diretores



O Raul Vaz, que agora deixa a direção do “Jornal de Negócios”, já havia sido “meu diretor” no “Diário Económico” onde, por sugestão da Gisa Martinho, comecei a escrever em 2013, a convite de António Costa, que desse jornal iria sair para, tempos mais tarde, fundar o informático ECO. 

Em 2015, ainda antes do fim do DE, “transferi-me” para o “Negócios”, acolhido pela Helena Garrido, a qual, no ano passado, iria ser substituída pelo Raul, o qual, por sua vez, depois de amanhã, deixará a direção do jornal. 

A quem não é do ramo, parece tudo muito confuso? É só porque não “sabe da missa a metade”, no mundo muito difícil que é hoje o dos jornais económicos. Uma crise que, a meu ver, nem sequer é inevitável nem muito difícil de explicar...

Um abraço e votos de boa sorte, Raul!

Navegação gastronómica

Um restaurante caro é um restaurante ao qual se exige uma refeição memorável, que saia da banalidade e nos deixe vontade de voltar, mesmo sabendo nós que o preço torna difícil que isso aconteça com frequência. Com o turismo a ajudar, alguns restaurantes estão, cada vez mais, a “meter a mão”. Há preços estúpidos e, em alguns casos, só pagos por gente que se lhes equipara.

Nas últimas duas semanas, estive (à minha custa, diga-se), em três restaurantes desse nível, em Lisboa. Em todos os casos, saí de lá arrependido da visita. 

Nas três ocasiões, a comida não estava a grande nível, nem o serviço foi excecional. Num deles, o barulho na sala era imenso, noutro, as cadeiras eram incomodíssimas. Num deles, um empregado servia pela frente das pessoas, noutro, uma empregada tratava os clientes por “você”. Em dois casos, tive de pôr travão à compulsão para manterem os copos cheios (e procurar afanosamente abrir novas garrafas...) As gorjetas finais ressentiram-se dessas falhas no serviço, claro. E foi deixada (com a simpatia compatível com a conta acabada de pagar) uma opinião (relativamente) sincera, no final da refeição. 

Contudo, não cheguei a fazer como um amigo que, quando não gostava de um restaurante que acabara de conhecer, dizia, à saída: “Vim cá três vezes!” Perante o sorriso de satisfação dos proprietários, esclarecia: “A primeira, a única e a última!” Nunca tive lata para dizer uma coisa parecida, mas, a estes três (caros, repito) restaurantes (um renovado e dois novos), só voltarei quando me esquecer da vez que lá fui. E, para tentar evitar que isso aconteça, deixo isto aqui escrito.

Não refiro os nomes dos restaurantes (nem por mensagem privada, desde já aviso), porque os gostos são de cada um e há negócios e empregos que não tenho o direito de pôr em risco com os meus (discutíveis) humores gastronómicos. Este espaço ainda não é de serviço público, mas apenas para desabafos privados.

terça-feira, outubro 24, 2017

Homenagem

Não posso deixar de fazer aqui uma singela homenagem, em termos de apontamento musical, a essa insigne figura da magistratura lusitana que é Neto de Moura.

Ouçam bem aqui.

Os Leixões

Há uns anos, um site de uma rádio trazia esta pérola: “Leixões empatam com Guimarães”. 

Hoje, para manterem a mesma “pluralidade”, espero que escrevam: “Leixões empatam com Andrades“, para fazer justiça ao empate arrancado pelo Leixões (e não “pelos” Leixões, como o estagiário ignorante da rádio tinha intuído) no campo a que leixonenses e salgueiristas (os boavisteiros, menos) nunca deixarão de chamar “as antas”, tentando mesmo que, se possível, seja audível a minúscula inicial.

Imagino que um grande amigo meu, lá por Moçambique, adepto ferrenho do Leixões e furioso anti-portista, tenha dormido melhor esta noite.

Corações ao alto


Notável, em sensibilidade e bom senso, esta declaração do presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia sobre o aumento de possibilidades de “oferta” de corações para um transplante ao cantor Salvador Sobral: “Com as primeiras chuvas, surgem os acidentes de viação e aumenta a oferta de corações saudáveis”.

Na minha terra, a alguém que dissesse isto, costumava aplicar-se: “quem lhe atasse um arado...”

Frente e verso

Os Estados Unidos são dirigidos por uma figura sinistra, que dá alento aos grupos de extrema-direita e não se arrepende de graçolas machistas. Os Estados Unidos têm em curso uma saudável denúncia do assédio e exploração sexista, que tem exposto figuras do “establishment”, mesmo daquele que tinha as mais sólidas credenciais de proximidade aos Democratas. Há duas Américas.

Portugal é dirigido por um governo de raízes fortemente progressistas, com um suporte parlamentar onde é possível encontrar forças com uma agenda muito avançada em temas vulgarmente chamados de fraturantes. Portugal revela, na sua magistratura, pulsões medievais, moralismos ridículos, que trazem para a jurisprudência sinais, velhos e relhos, de um outro tempo. Há dois Portugais.

segunda-feira, outubro 23, 2017

José Palla e Carmo


Há algumas pessoas que gostaria de ter encontrado ao longo da minha vida. Uma delas foi José Palla e Carmo, curiosamente pai de uma querida amiga, a Bárbara, a quem eu nunca disse isto. 

Palla e Carmo nasceu em 1923 e morreu em 1995. Era diretor bancário, especialista em literatura americana, crítico, tradutor e outras coisas mais no mundo das letras. Realizava-se através de uma escrita bem disposta, culta, quase surrealista. Dizem-me que era uma pessoa divertidíssima. Escrevia lindamente e (creio) tudo quanto publicou assinava como José Sesinando. Andei uma vida a pensar que era um pseudónimo, quando afinal, na realidade, são também verdadeiros nomes seus.

Há pouco, “cruzei-me”, num estante, com a sua “Obra Ântuma” (escusam de ir ao dicionário, é um neologismo que significa “antes de morrer”). E, por via desse ”encontro”, lembrei-me de uma história que ouvi contada, há semanas, por Vasco Vieira de Almeida, seu amigo e chefe no BPA.

Um dia, o banco recebia uma delegação americana, do grupo Rockfeller, que andava a selecionar instituições nas quais pretendia investir na Europa. Esse contacto era, assim, muito importante. Palla e Carmo era o diretor internacional, mas Vasco Vieira de Almeida, conhecendo a verve humorística do seu colaborador, achou dever avisá-lo de que ele deveria deixar-se de brincadeiras durante a reunião, tanto mais que os americanos só costumam achar piada às suas próprias graças.

O encontro corria bem. Palla e Carmo mantinha-se no combinado mutismo, até que um dos visitantes, mirando-o diretamente, perguntou: “Quantas pessoas trabalham no banco?”. Era um “estímulo” demasiado para Palla e Carmo, que logo respondeu, de forma curta, mas clara: “50% !”

(A imaginativa fotografia de JPC a ler um jornal é da autoria do seu irmão, o arquiteto Victor Palla)

domingo, outubro 22, 2017

Santana Lopes

O PSD está cada vez mais PPD/PSD. Tendo conseguido garantir-se já como a continuidade “soft” de Pedro Passos Coelho, cuja larga maioria dos apoiantes tem a seu lado, Santana Lopes parece estar já um bom passo à frente de Rui Rio, a quem é muito evidente faltarem nomes de “notáveis” em seu apoio.

O jornalismo é isto?

Ontem, no “Público”, João Miguel Tavares escrevia coisa espantosa: ”Acredito que o dever de quem escreve nos jornais é, em primeiro lugar, denunciar o que está mal. Mas pode - e deve - haver exceções”.

Não sabia. E gostava de saber se as pessoas, ligadas ao jornalismo, que acaso leem esta página concordam com esta asserção perentória que ajuda muito a explicar o caráter maioritariamente negativo do que surge na nossa comunicação social, a propósito do nosso dia-a-dia.

Para mim, como leitor, gostaria de ver uma comunicação social que, sem esconder e sabendo revelar com rigor o que vai mal por aí, desse igual destaque ao que vai bem, ao que melhora, transformando-se num instrumento da esperança no futuro.

sábado, outubro 21, 2017

Arménio Mendes e o Consulado em Santos


Nos últimos dois anos da minha estada como embaixador no Brasil, vi-me confrontado com a decisão de Lisboa de efetuar uma redução da rede consular portuguesa no país e, muito em particular, de diminuir drasticamente a presença de diplomatas à frente dos postos que viessem a ser mantidos. Não me interessa, aqui e agora, analisar as razões - algumas financeiras, outras de sujeição a lógicas corporativas - que estavam por detrás desta orientação, mas devo dizer que, no íntimo, sempre considerei a sua legitimidade e eficácia de efeitos mais do que duvidosa. 

Como principal responsável diplomático português no Brasil competia-me, no entanto, fazer aquilo que cabe a um servidor público: expressar, frontal mas discretamente, a minha opinião (e ela era oposta à do governo) mas, no final, cumprir, lealmente e da melhor forma possível, a decisão final que acabasse por ser tomada. Em matéria de opções sobre a rede consular, aliás, a minha experiência profissional viria a ser interessante nos anos seguintes: no Brasil, contrariei abertamente um governo socialista; mais tarde, em França, opus-me a um executivo PSD/CDS.

Uma das decisões mais controversas que havia sido sugerida por Lisboa era o encerramento, puro e simples, do Consulado português em Santos, onde, desde há muitas décadas, funcionava uma unidade chefiada por um funcionário diplomático. Com o argumento de que havia um Consulado-Geral em S. Paulo, a menos de uma centena de quilómetros, a orientação inicial de Lisboa ia no sentido de encerrar aquela unidade que, desde há muitas décadas, cobria a cidade de Santos e a Baixada Santista. Isso não só significava, na minha perspetiva, um desserviço prático à importante comunidade portuguesa local como representava uma falta de respeito devido à relevância histórica da presença oficial nacional junto de um setor da nossa diáspora onde existia um movimento associativo da maior importância e prestígio. Esses setores, bem como as autoridades locais, não deixaram de reagir publicamente da forma mais veemente - a meu ver com toda a razão (embora eu lha não pudesse dar, porque me competia representar a orientação de Lisboa, fosse ela a que fosse, errada ou certa).

Perante a determinação de acabar com a unidade consular em Santos chefiada por um funcionário do MNE, a minha proposta "de recuo", para minorar o impacto da medida, foi propor a criação de um Consulado Honorário em Santos, dependente do Consulado-geral em S. Paulo. Era, à partida, uma solução insatisfatória, mas era "the next best", porque permitiria a permanência de uma unidade física em Santos. Aceite por Lisboa, com visível relutância, a minha proposta, restava escolher a personalidade para o cargo.

Um cônsul honorário é alguém que não emerge do serviço público do Estado que vai representar. Tanto pode ser um seu nacional como alguém que tenha a nacionalidade do país onde vai atuar, ou ser mesmo de outra nacionalidade. Escolhem-se, em princípio, figuras cuja potencial disponibilidade pessoal se possa constituir numa ajuda para os cidadãos portugueses, residentes ou de passagem, pelo que vulgarmente se tentam encontrar personalidades com um bom entrosamento local, respeitadas pelas nossas comunidades e, simultaneamente, com prestígio (e até influência) na área geográfica onde vão atuar. Os cônsules honorários não têm todos as mesmas competências. Alguns são apenas figuras de representação, a outros são pedidas tarefas e diligências várias, pelo que lhes é fixado um quadro de competências mais alargado. Esse era o caso de Santos, onde ia ser encerrado um consulado de carreira e se pretendia criar um escritório que pudesse estar à altura das expetativas de continuidade da nossa comunidade.

As diligências para a seleção de um cônsul honorário são quase sempre muito complexas. Sendo embaixador em Brasília, a uma imensa distância física, eu não podia ter uma visão concreta da lista potencial de pessoas a contactar - pessoas a quem ia ser pedido trabalho delicado, a troco de uma remuneração mínima, com grandes responsabilidades. Fazer muitos telefonemas, a procurar ou sondar nomes, era o primeiro passo para o assunto “cair na rua”. Aceitar candidaturas auto-propostas foi sempre algo que rejeitei. Tinha assim de ser muito discreto (já tinha nomeado outros cônsules honorários e sabia da dificuldade da tarefa), embora, no final, eficaz. 

Numa conversa com um quadro superior da banca portuguesa em S. Paulo, João Teixeira de Abreu, pessoa da minha confiança, que sabia ter regulares contactos em Santos, cheguei ao nome de Arménio Mendes. Não para o indicar como futuro cônsul honorário (Arménio Mendes, que eu conhecia pessoalmente, era um homem profissionalmente muito ocupado, cuja previsível falta de disponibilidade o colocava “fora da lista”) mas para o utilizar como fonte fidedigna de conselho sobre um possível nome a propor a Lisboa. Tratava-se de um empresário prestigiado e de sucesso, uma figura altamente respeitada localmente, pela comunidade e pelas autoridades. Com ele falei, por diversas vezes, desenhando o perfil desejável, aventado sucessivos nomes que nele coubessem. 

Ao final de algumas semanas, mantinha-me insatisfeito. Por uma razão ou por outra, as pessoas que íamos alvitrando não correspondiam ao “modelo” desejado, por terem resistências em setores da comunidade, problemas pessoais ou falta da disponibilidade necessária. O tempo passava, a solução temporária que eu tinha gizado para o Consulado em Santos estava a esgotar-se e Lisboa devia já “esfregar as mãos” de contentamento: sem uma solução razoável por mim apresentada, Santos fecharia, tal como originalmente fora desejado.

Numa nova conversa com João Teixeira de Abreu pedi-lhe uma derradeira diligência: que abordasse o próprio Arménio Mendes, no sentido de aferir da sua disponibilidade para aceitar o cargo. Eu far-lhe-ia o convite, se ele verificasse o mínimo de abertura para a respetiva aceitação. Assim se fez. Arménio Mendes ficou surpreendido, começou por resistir imenso à ideia mas, depois de várias insistências e apelos meus, e colocando condições mínimas da sua parte, acabou por aceitar a tarefa que eu lhe propunha.

Foi uma solução que se revelou mais do que excelente. De um Consulado que estava a funcionar com regulares queixas, Arménio Mendes, com o espírito empreendedor de quem sabia o que fazia, estruturou, em grande parte a expensas suas, uma unidade consular modelar, que passou a satisfazer bem melhor a nossa comunidade santista, tornando-se mesmo num exemplo para a rede consular portuguesa no Brasil. Saí do país muito satisfeito com a solução encontrada e, à distância e com grande agrado, fui acompanhando o seu crescente sucesso.

Há dias, essa dedicada figura do jornalismo português no Brasil que é Odair Sene deu-me conta da doença grave que rondava os dias de Arménio Mendes. Pedi-lhe que fosse portador do meu solidário abraço para ele. Há dias, com grande pena minha, através do nosso amigo comum João Teixeira de Abreu, recebi a notícia do seu falecimento. Com as condolências à sua Família, seguem aqui também os meus votos de que seja possível encontrar para Santos um cônsul honorário à altura daquele que agora desaparece.

sexta-feira, outubro 20, 2017

Olhar para o lado


Vou ser sincero. Habituei-me desde sempre a uma Espanha unida, não porque tenha um gosto particular pelo atual formato do nosso único vizinho terrestre, mas porque fui profissionalmente “treinado” para lidar com “nuestros hermanos” nesse modelo. 

Na vida diplomática, rotinamo-nos a viver com as circunstâncias. Na vida dos povos há sempre um “comodismo” que limita a vontade de se verem confrontados com o novo. Em política externa, isso é visivelmente assim.

A Espanha una é um parceiro que a História nos forçou a conhecer razoavelmente bem. Passado o tempo das desconfianças identitárias, disfarçadas no olhar de viés das alianças de oportunidade, em tempos de exceção autoritária, a entrada comum para a Europa política, num registo democrático, limitou fortemente o risco das crises, encaixadas que estas foram no normativo integrador, impulsionado pelo exterior. 

A Espanha, contudo, continua a não ser um interlocutor fácil, sempre que entende que estão em causa interesses próprios que reputa como essenciais. Da gestão dos rios comuns a Almaraz, dos limites marítimos de pesca à definição geopolítica e económica das águas atlânticas, do protecionismo por via de expedientes administrativos ao egoísmo na gestão das redes de energia, Madrid tem mostrado que pode, de um momento para o outro, transformar a normalidade num problema.

O interesse comum é, como resulta óbvio, tentar atenuar todas as tensões conjunturais que possam emergir. Nesse esforço, contudo, Portugal revela-se, em regra, bastante mais empenhado do que o seu vizinho, talvez porque este se sente confortado pela maior força relativa. Tentamos não magnificar os dissídios e procuramos quase sempre (mas nem sempre) controlar a expressão mediática dos confrontos. Não nos assustam os conflitos, até porque, no quadro internacional sereno em que nos movemos, sabemos que os podemos ganhar, desde que a razão claramente nos assista. Mas procuramos, sabiamente, evitá-los, porque entendemos que a sua cumulação pode acarretar desagradáveis sinergias negativas. Não é essa, frequentemente, a postura de Madrid. Não é um drama, mas pode converter-se num incómodo conjuntural. 

A nossa relação bilateral com a Espanha é hoje, contudo, francamente saudável e, felizmente, não depende de qualquer sintonia ou cumplicidade político-ideológica entre os dois lados da fronteira. O espaço para entendimentos ultrapassa assim, em muito, a margem provável para a emergência de dissídios.

E o futuro? E se a Espanha entrar em ebulição? E se o centralismo, potenciado pelo nacionalismo que sopra de Castela, não resistir à tentação de partir para o embate com o secessionismo e enveredar por uma aventura interpretada como uma “ocupação” pelo orgulho catalão? E se as ruas de Barcelona se converterem à agitação, em moldes que redundem em cenas de violência, da qual saiam vítimas que, como bem se sabe, podem ser “a faúlha que incendeia a pradaria”, como alguém disse um dia?

Não há muito que, por ora, possamos fazer. De uma coisa estou certo: no atual estado de coisas, devemo-nos manter fiéis ao diálogo exclusivo com Madrid. Se e quando alguma coisa vier a ser feita do exterior, intervindo na questão interna espanhola, só deveremos apoiá-la desde que tal não seja desconfortável para as autoridades centrais espanholas. Qualquer sinal de estímulo da nossa parte a uma “balcanização” da Espanha, além de nos colocar perante a natural reação indignada do seu governo, representaria um salto irresponsável no “escuro” político. Bem basta se isso vier, de facto, a acontecer. Nesse caso, lá teremos de abandonar a nossa “preguiça” estratégica e descobrir soluções para os novos problemas. Estar a antecipá-los seria convocar fantasmas antes do Halloween, e este é só para a semana.

Um futuro diferente


Foi há pouco mais de um mês, no empedrado de Andorra-a-Velha, que o presidente da República desabafou para os jornalistas: “Quando viro à direita, em Portugal, a direita não nota”. Era uma óbvia mensagem, que alguns entenderam algo precipitada, para tentar responder à orfandade que se sabia atravessar uma parte do país político, desiludida com aquilo que lhe parecia ser um conúbio entre Marcelo Rebelo de Sousa e o governo de António Costa. 

Ao longo de mais de um ano, esse setor político viveu num desespero quase patético. Das ironias iniciais que se ouviam ou liam contra o presidente que lhe não tinha ficado a dever quase nada na eleição de janeiro de 2016, a direita portuguesa tinha já entretanto desembestado contra Marcelo Rebelo de Sousa. Esse barómetro do radicalismo conservador que é a “opinião” de um jornal informático, somado a certos opinadores e a espaços conhecidos nas redes sociais, reclamava diariamente pela simpatia que o chefe de Estado parecia destilar em favor do governo. Alguns já nem estranhavam: “É o Marcelo, pronto, que se há-de fazer!” Houve mesmo quem dissesse que o avanço de Santana Lopes se tinha destinado a colocá-lo como alternativa potencial a um presidente que, não obstante a sua esmagadora popularidade, se tinha deslocado demasiado da sua base natural de apoio.

O discurso de Oliveira do Hospital tudo mudou. Críticos ácidos do presidente sentiram-se subitamente confortados com a severidade inequívoca de Marcelo para com o governo, com a distância marcada face a António Costa, com a afirmação de uma “magistratura de interferência”, que acentua claramente uma das leituras do nosso semi-presidencialismo.

Ao dizer o que disse, em palavras escritas para serem lidas ao microscópio, Marcelo Rebelo de Sousa sabia duas coisas: que estava em básica sintonia com o sentimento maioritário prevalecente no país e que, a partir daquele momento, algo iria mudar na sua relação com o governo. Ao ter encostado António Costa “às cordas” políticas, obrigando-o abertamente a uma remodelação e sujeitando-o a um indiscutível “ralhete” público, o presidente tinha plena consciência de que estava aberta uma ferida na “lua-de-mel” que vivia com a maioria, por muito que esta agora possa ser tentada a assobiar para o ar.

A direita parece hoje reconciliada com Marcelo, fazendo figas para que o discurso de Oliveira do Hospital seja o início de uma viragem drástica no relacionamento entre Belém e S. Bento. Julgando conhecer as personagens principais no terreno, quero crer que nem o presidente, a partir de agora, vai ser tentado a forçar excessivamente a mão ao primeiro-ministro, nem este vai ceder à tentação de exteriorizar qualquer acrimónia institucional. Mas uma certeza tenho: nada será igual daqui para a frente, embora ninguém saiba o que, de facto, o futuro nos vai trazer de diferente. 

(Artigo hoje publicado no “Jornal de Notícias”)

quinta-feira, outubro 19, 2017

Uma noite à Bertelo


Foi em 9 de março de 1966 (confirmei agora na net). O Benfica recebia, no velho estádio da Luz, o Manchester United, para a Taça dos Campeões Europeus. (Como ontem aconteceu, desta vez para a Champions). Nessa fatídica noite, o Benfica perdeu por 5-1. 

(Curiosamente, poucos meses depois, uma seleção nacional com a sua linha avançada do Benfica (José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões) iria garantir o 3° lugar no Campeonato do Mundo... mas que foi ganho pelos ingleses.)

Voltemos à tal noite de 1966, na Luz. De Vila Real, havia-se deslocado a Lisboa um grupo de fanáticos "lampiões". Decidiram trazer com eles, oferecendo-lhe o bilhete, o António "Bertelo", figura típica da cidade, carregador de peixe e tarefeiro para tudo quanto viesse à rede, benfiquista à 5a potência, desvairado com a sua equipa de sempre, como toda a cidade bem sabia. 

Desde o início do jogo, as coisas correram mal ao Benfica. A tribo de Vila Real foi então surpreendida com o facto do Bertelo parecer entusiasmado com os primeiros avanços do Manchester United, incitando a equipa com berros da bancada. E logo, de um deles, saltou um "cachaço" para a cabeça do Bertelo, da parte de um furioso vila-realense que não estava a perceber aquela traição, em forma de aplauso ao "inimigo".

A explicação ficou para sempre no anedotário da "Bila". O Bertelo via bastante mal. O Benfica, nessa noite, como era então hábito quando as equipas visitantes tinham um equipamento da mesma cor do do anfitrião (e, nesse tempo, as camisolas não variavam, de jogo para jogo, como hoje acontece, para potenciar o "merchandising"), jogava com um equipamento branco. Os "Red Devils" mantinham-se assim de vermelho (na imprensa escrevia-se "encarnado", porque a censura não deixava "passar" a palavra, temente de conotações políticas). Ora, para o Bertelo, os vermelhos sempre tinham sido os do Benfica e, por isso, durante algum tempo, entusiasmou-se com os que assim equipavam. Até que o tal "cachaço" o fez entrar na ordem e, seguramente, na tristeza pela "abada" histórica que ficou para os anais da Luz. Ontem, mesmo perdendo em casa, o Benfica "melhorou", desde essa noite do Bertelo...

quarta-feira, outubro 18, 2017

No adeus


Constança Urbano de Sousa era, de há muito, a mais previsível remodelação que o primeiro-ministro teimava em não fazer. Porque as mudanças de governantes são lidas, em regra, como a constatação implícita de que algo falhou, os chefes dos governos adiam-nas até ao limite do suportável. E, claro, evitam sempre fazê-las sob pressão. Até ao dia em que isso também ocorre, como foi o caso.

A agora ex-ministra pode não ser a pessoa mais dotada para o exercício de um cargo político - e, sinceramente, acho que isso nada tem em si de negativo para ninguém, exceto se tiver de exercer... um cargo político! O seu discurso, recheado de óbvia sinceridade, ficou, por vezes, ao lado daquilo que parecia ser o mais adequado dizer. O seu ar permanentemente sofrido transmitia uma imagem angustiada e quase anti-política, num mundo em que a passagem de um mensagem de confiança se torna absolutamente essencial - em especial numa área governativa que lida com a gestão de temores públicos.

Nunca falei com Constância Urbano de Sousa. Mas, pelo que dela sei através de quem a conhece bem, e também por ter observado a forma como exerceu o cargo, tenho-a por uma pessoa extremamente dedicada à causa pública e intelectualmente muito capaz. Falhou na missão de que António Costa a encarregou? Talvez, mas, para além das culpas próprias, acho que ela foi também o bode expiatório mais óbvio de tudo quanto correu mal - das insuficiências funcionais aos picos climáticos, da falta de planeamento florestal ao insuportável impacto das mortes ocorridas. 

Sinto agora a obrigação de dizer isto, porque é isto que penso, por muito impopular que isto agora possa ser.

Ajuda

Se Pedro Passos Coelho pensou que abandonar o sótão político onde o país o via confinado ia ser uma ajuda à oposição no combate contra o governo, julgo que se engana redondamente. (Aliás, vai ser muito interessante observar se os putativos candidatos à sua sucessão seguem o seu discurso). Creio também que a lider conjuntural da oposição não lhe vai agradecer muito esta inusitada aparição.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...