sábado, dezembro 16, 2023

Viewmaster


Quando era miúdo, lá por Vila Real, alguém me ofereceu um dia, talvez pelo Natal, uma máquina da Viewmaster. 

Para quem não saiba, tratava-se de um pequeno aparelho de plástico, do tamanho de um palmo de adulto, onde se introduziam discos redondos de cartão, com fotografias transparentes. Colocando os olhos nos visores, mantendo um ponto de claridade à frente, obtínham-se imagens muito nítidas. Podiam ser curtas histórias com desenhos, podiam ser quadros ou paisagens. 

As imagens, em cada disco, seriam pouco mais de meia dúzia. Com o indicador, íamos carregando num cursor que as ia mudando. Lembro-me de ter recebido, como ofertas, mais de uma dezena desses discos, que vinham nuns envelopes quadrados brancos. É impressionante o que guardamos na memória de infância! E que, de repente, nos ocorre.

Presentearam-me uma vez com um disco da Viewmaster com panorâmicas de Lisboa. Eu devia ter quatro ou cinco anos - e, nessa idade, nunca tinha ido a Lisboa. Imagino que seria imperativo haver no disco fotografias da Torre de Belém, dos Jerónimos, do Castelo, da Fonte Luminosa, do Rossio ou dos Restauradores.

Contudo, por qualquer razão, a imagem desse disco que, até hoje, me marcou mais, ficando-me eternamente na retina, era uma panorâmica tirada do alto do Parque Eduardo VII, com o Tejo e a outra banda ao fundo, bem como a colina do Castelo, num dia de sol glorioso. Por muitos anos, achei que aquela paisagem era o suprassumo. Podia lá haver coisa mais bonita no mundo, pensava a criança que eu era! Ainda um dia irei ali, devo ter ansiado intimamente, abafado pelo Marão.

Há pouco, saído de um almoço no Eleven, esse panorama reaparceu-me. E tirei uma fotografia daquele área. O dia estava tão glorioso como o da Viewmaster, um verdadeiro "céu de brigadeiro", como fizem os brasileitos. Cuidei em não repetir o enquadramento da Viewmaster, porque não quero que essa coisa banal e óbvia que é a realidade possa alguma vez ter a ousadia de colocar a mínima sombra sobre as coisas únicas, e por definição imbatíveis, que guardo para sempre na minha memória de infância.
 

É tão simples!

Nas eleições internas do Partido Socialista prefiro José Luís Carneiro a Pedro Nuno Santos. Não hesito um segundo na escolha. Nas eleições legislativas de março, votarei obviamente no PS, independentemente de quem hoje vier a ser escolhido para seu líder. O PS é o partido do qual me continuo a sentir ideologicamente mais próximo. É, além disso, a força partidária que me oferece mais garantias de conseguir manter afastadas da governação certas ideias políticas que, no nosso passado democrático, nunca apreciei ver no poder e outras que detestaria o pudessem vir influenciar no futuro. Em política, as escolhas são sempre muito simples. Pelo menos as minhas.

sexta-feira, dezembro 15, 2023

América Latina


A Casa da América Latina, através de um júri a que tive o gosto de presidir, atribuiu ontem o Prémio Científico Mário Quartin Graça 2023. O Prémio distingue teses de doutoramento na área das ciências sociais e humanas, oriundas de ambos os lados do Atlântico. 

vencedor foi o investigador Francisco Javier Morales Aguilera, pelo trabalho Miradas interiores y exteriores sobre la violencia política durante la Unidad Popular. Análisis de la documentación oficial y la prensa en Chile, España y Portugal, 1970-1973. Marcela Maciel Santana recebeu uma menção honrosa pela tese Cidades de Influência Portuguesa: Patrimonialização e Gestão.

quarta-feira, dezembro 13, 2023

terça-feira, dezembro 12, 2023

As responsabilidades

Há quase oito anos, num artigo que assinei no jornal "Público", intitulado "Falemos da América, não de Trump", escrevi isto:

"Mas o problema, desculpem lá!, não se chama Donald Trump, chama-se Estados Unidos da América. A América não é vítima de Trump, ele não é um epifenómeno que, “coitados!”, os americanos sofrem. Trump foi eleito pelos americanos, ele representa a América e é à América política – ao Congresso, aos Estados, aos nossos interlocutores institucionais, a cada diplomata americano que encontremos pelas esquinas da vida internacional – que devemos pedir responsabilidades por aquilo que Washington faz enquanto este presidente lá estiver."

Fui à procura daquele meu texto, porque, ao observar o modo como muitos olham hoje para Israel e para Netanyahu, dou-me conta de que alguns procuram assestar o olhar sobre o primeiro-ministro e desfocar a vista do país Israel, das suas instituições e da responsabilidade destas.

Quer Trump quer Netanyahu chegaram ao poder pelo voto popular. Se os cidadãos dos seus países tivessem querido, poderiam ter escolhido outros líderes para os representar. Não decidiram assim, pelo que não podem "lavar as mãos". E, em especial, quem os olha não pode "ajudar à festa".

Nos dias de hoje, Israel é aquilo que Netanyhau for. Separar os dois pode ser agradável a quem não quer mostrar-se crítico sobre Israel e quer atirar as culpas todas para Netanyhau. Mas não nos atirem areia aos olhos.

segunda-feira, dezembro 11, 2023

António Costa


A entrevista de António Costa à CNN, que Nuno Santos conduziu com maestria e excelente sentido jornalístico, dispensando o tom afogueado que alguns dos seus colegas em regra usam, em que fazem a agressividade gratuita e mal-educada passar-se por assertividade profissional e independência, foi um excelente momento para o primeiro-ministro cessante. 

António Costa voltou hoje a revelar, se necessário fosse, que é, a uma grande distância, o político mais bem preparado para governar o país. Posso estar enganado, mas creio que muitos portugueses, mesmo alguns que nunca nele votaram, terão percebido esta noite que, no plano dos líderes com qualidade para o exercício de funções executivas, se despediram de uma das grandes figuras das últimas décadas.

A vida pode dar muitas voltas, mas estou em crer que António Costa não se pode furtar a ter de encarar a Presidência da República como o seu futuro destino. 

Israel (2)

 Ver aqui.

Israel (1)

 Ver aqui.

Venezuela

 As ambições da Venezuela sobre a Guiana. Ver aqui.

Guiné-Bissau

As atribulações políticas da Guiné-Bissau. Pode ver aqui.

Necessidades

Sabe-se que Zelensky está em estado de necessidade política. Mas nem isso justifica o gesto, muito pouco prudente, de ser um dos poucos chefes de Estado na posse do novo presidente de extrema-direita da Argentina. E cruzar-se por lá com Bolsonaro e Orbán. Não havia necessidade!

"Por una cabeza"

O novo presidente argentino, em alguma qualificação mediática lusa, já passou de "extrema-direita" para "ultra-liberal". Ainda há algum pejo em elogiá-lo, mas sente-se a imensa vontade de vir a absolver, daqui a dias, a brutalidade das medidas que vai impor. Estejamos atentos.

Livro



Na chuvosa noite de sábado, muitos amigos e conhecidos juntaram-se para a sessão de apresentação do meu livro "Antes que me esqueça", na Livraria Lello, no Porto. 

Foi um duplo privilégio: ver organizada a sessão naquele espaço único e ter como "apresentador" o meu amigo Augusto Santos Silva, também presidente da Assembleia da República.

Escrevi "apresentador" com aspas porque, por sugestão do próprio, a sessão teve um formato diferente de uma apresentação tradicional. Augusto Santos Silva foi-se referindo a vários aspetos do livro, mas ia-me fazendo uma espécie de "entrevista", que me servia de "deixa" para as minhas "entradas". A sessão converteu-se assim num mano-a-mano, com intervenções alternadas. 

Julgo que, para as pessoas presentes, pode ter sido curioso ver-nos "desconstruir" o Ministério dos Negócios Estrangeiros, as suas virtualidades e particularidades, alguns vícios e alguma maneira própria de ser. Sempre com um grande respeito por uma instituição onde Santos Silva deixou uma excelente marca e eu tive grande gosto de trabalhar por quase quatro décadas.

No final, ainda houve tempo para responder a questões colocadas por via digital, dado que a sessão era acessível à distância.

Achei imensa graça ao exercício. Agradeço muito a disponibilidade do meu amigo Augusto Santos Silva e o acolhimento da Lello, nas pessoas da Dra. Aurora Pinto e da sua equipa. 

domingo, dezembro 10, 2023

Que diabo de fama!


A senhora olhou para mim, com um sorriso, à entrada para o edifício da estação ferroviária das Devesas, em Vila Nova de Gaia, onde, há pouco, fui apanhar o Alfa para Lisboa. E disse: "Logo à noite, saberemos onde foi almoçar". E continuou a sorrir.

Creio ter respondido: "Desculpe, mas não percebi o que quis dizer com isso..." Ela esclareceu que iria saber isso pelas redes sociais, onde eu deixava "sempre" nota das minhas almoçaradas e jantaradas. Na realidade, nem sempre é assim, ou melhor, era só o que faltava que eu fizesse por aqui uma espécie de diário das minhas amesendações! Mas, por vezes, acontece. 

Retorqui então à senhora, satisfazendo a sua curiosidade: "Fui almoçar ao "Terra", na Foz, e comi muito bem". Fiquei por aqui e sorri de volta. Mas podia ter-lhe dito que, na véspera, jantara no "Solar Moinho de Vento", também no Porto. E igualmente bem. 

Por vezes, gosto de assinalar aqui onde comi bem. Os bons profissionais que nos servem merecem que o seu trabalho seja destacado. E acho que é, de certo modo, um "serviço público" ajudar quem faz o favor de seguir estes textos a ter boas surpresas quando decide visitar restaurantes.

Pelo contrário, não me apetece, em regra, escrever sobre restaurantes que me não agradaram, porque não quero correr o risco de, com um comentário impressionista, poder estar a afetar um negócio, bem como os empregos e rendimentos de famílias dele dependentes. É que "um dia não são dias" e o facto de as coisas poderem ter corrido menos bem durante uma minha visita não significa necessariamente que seja esse o dia a dia dessas casas. Com exceção de casos limite, de más educações ou de falta ostensiva de profissionalismo, arquivo essas más experiências na "gaveta" das memórias negativas. 

E pronto! Aqui ficaram duas brevíssimas notas sobre outras tantas casas que visitei, ontem e hoje, e de onde saí satisfeito. Alguns perguntarão: Só isso? Nem uma nota sobre os pratos, sobre os preços? Não, hoje vai ser assim. É que, neste espaço, ao contrário dos restaurantes, as coisas não são "à vontade do freguês", desculpem lá! É como "me dá na veneta", uma outra bela expressão clássica que agora me ocorreu.


Foi isto?

Passei quatro dias sem ver um instante de televisão e parece que perdi uma reunião qualquer do Chega Dizem-me entretanto que Ventura e o seu bando estão a captar cada vez mais gente ao eleitorado do PSD e que a "culpa" (claro!) é do PS, que tem as costas largas. Foi isto?

sábado, dezembro 09, 2023

Táticas e desejos

O almoço, há dias, num determinado contexto de convívio lúdico, corria de forma animada. Gente simpática, excelente ambiente, histórias e graças, bem-estar generalizado. 

Neste tipo de encontros é muito raro a conversa derivar para a política. A boa educação recomenda que esse tema - tal como religião, questões de dinheiro ou o comentar negativamente pessoas ausentes que possam ser próximas de alguns dos presentes - seja evitado, por forma a não provocar desnecessárias divisões e potenciais conflitos. Ainda por cima em período de crise política e com eleições ao virar da esquina.

Um dos convivas, porém, talvez por se ter sentido, por distração, em ambiente de "like-minded", saiu-se com esta: "Não acham que seria muito mais eficaz se houvesse uma aliança pré-eleitoral do PSD com o CDS e com a IL? O risco assim é muito grande". 

Não deixei pousar a bola e retorqui: "Essas coisas são sempre difíceis de prever. Mas é capaz de ter razão. Logo veremos. A mim, confesso, tanto me faz, desde que o PS ganhe". 

A luz da sala era artificial. Não deu para ver se alguns sorrisos foram tão amarelos como pareceram.

sexta-feira, dezembro 08, 2023

Falando de cunhas, ou quase

A meio da conversa telefónica, percebi que ia desiludir a pessoa que, do outro lado, me fazia o pedido.

Uma antiga colega de liceu, que eu já não via há muito, abordara uma pessoa da minha família, em Vila Real, pedindo a minha intervenção para facilitar a entrada da sua filha para um lugar técnico no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Havia um concurso para sete lugares, com 10 candidatos. Entendia-se que uma "palavra" minha, então ocupando um cargo de secretário de Estado, seria decisiva para a seleção da rapariga.

Recusei. Por regra, não aceito cunhas e, por maioria de razão neste caso, havendo um concurso, estar a beneficiar deliberadamente um candidato significaria estar a introduzir um fator de injusta desigualização entre os concorrentes.

A pessoa através da qual o pedido era feito conhecia muito bem esta minha posição de princípio, mas havia tentado "deitar o barro à parede". A conversa acabou, como não podia deixar de ser, com a resignação desapontada da pessoa minha interlocutora. Assunto encerrado.

Passaram umas semanas. Nova chamada telefónica. O assunto era o mesmo. A minha primeira reação foi de moderada irritação, por estar a voltar a uma questão que eu considerava fechada.

Erro meu. A pessoa não vinha reeditar a cunha. Pretendia apenas, sabendo-se que a decisão do juri já tinha sido tomada, mas ainda não tinha sido divulgada, inquirir se a candidata tinha ou não sido admitida, para, em caso negativo, poder aceitar um outro emprego, que entretanto lhe aparecera. Só isso.

Pareceu-me razoável tentar obter, por antecipação, essa informação. A minha diligência em nada influiria na decisão já tomada pelo juri, fosse ela qual fosse. Telefonei assim ao presidente do juri, pessoa que conhecia, e perguntei-lhe se me podia dizer se "fulana" tinha ou não sido admitida naquele concurso.

Estranhei que a resposta se iniciasse com uma pergunta: "Mas você estava interessado na admissão dessa candidata?". Respondi que essa não era a questão, que apenas queria saber se ela fora admitida ou não, nada mais. O que veio a seguir, da parte do meu interlocutor, deixou-me marcado para a vida: "Não, não entrou. Mas posso dizer-lhe que esteve quase a ser admitida. Só que, curiosamente, de todos os concorrentes, ela era a única que não tinha nenhuma cunha"...

Empenho a minha palavra em como esta história, com mais de 25 anos, é verdadeira.

Neste tempo em que por aí se fala tanto de cunhas, apeteceu-me contá-la.

quinta-feira, dezembro 07, 2023

Um homem de coragem


Em bom rigor, foi numa noite, no início de 1969, na rua Barata Salgueiro, em Lisboa.

Semanas antes, Mário Soares tinha regressado a Portugal, por decisão de Caetano, que pôs fim à sua deportação em S. Tomé, por cerca de um ano, determinada por Salazar.

Soares quis testar, bem cedo, a genuinidade da "primavera marcelista", organizando, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, uma sessão "de esclarecimento", como então se dizia muito. Pelo boca-a-boca de certa Lisboa, o evento chegou-me aos ouvidos e fui lá, movido pela curiosidade de conhecer a figura de quem então bastante se falava.

À hora marcada, algumas dezenas de pessoas, tinham-se juntado à porta da Sociedade. Vi Soares chegar, com um pequeno grupo. Constatou que o edifício, ao contrário do previsto, estava fechado. Minutos depois, surgiu o capitão Maltez, da polícia "de choque". À frente de todos nós, entrou num diálogo seco com Mário Soares. Maltez ter-lhe-á dito que, "por ordem do senhor ministro", a sessão não poderia ter lugar. Recordo bem a interpelação jocosa de Soares: "Que ministro é que deu essa ordem? O da Agricultura?"

A tensão começou a subir e, como era de regra, ouviram-se palavras de ordem desagradáveis para o regime. Maltez mandou então avançar a polícia, que nos "varreu", rua abaixo. Um grande jarrão, à entrada de um vizinho restaurante chinês, atrás do qual me refugiei com uma amiga, ia sendo vítima colateral da subsequente fuga dos circunstantes.

Eu tinha acabado de conhecer Mário Soares e a sua coragem.
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Testemunho prestado ao "Diário de Notícias", num conjunto de 34 convidados, sob o lema comum "O dia em que conheci Mário Soares", da data dos 99 anos do seu nascimento. Não conhecia a fotografia inserida pelo jornal, que reproduzo, obtida em outubro de 2002, durante o lançamento de um livro meu, que Mário Soares prefaciou.

quarta-feira, dezembro 06, 2023

Fronteira


Ao final da tarde de ontem, a convite da editora Tribuna da História, proferi no Palácio Fronteira uma intervenção no lançamento da edição renovada e aumentada do livro "Diplomacia Portuguesa - a organização da actividade diplomática da Restauração ao Liberalismo", da autoria da professora Ana Leal de Faria. 

O livro faz uma análise, muito interessante e bem documentada, desses primórdios da diplomacia portuguesa. Devo dizer, com sinceridade, que aprendi imenso sobre os meus antecessores longínquos na profissão e a natureza da sua ação. 

Procurei, naquilo que então disse, fazer um paralelo entre a prática dos agentes diplomáticos dessa altura, muito bem descrita no estudo, e os tempos atuais, sublinhando os fatores de continuidade e as imensas diferenças. Gostei do exercício, proferido perante uma audiência muito atenta, numa sala cheia, mobilizada pelo interesse na temática da História.

Para eventual surpresa de quantos não me conheciam bem, decidi começar a minha intervenção lembrando que tinha entrado pela primeira vez naquela casa, há quase 54 anos, para assistir a uma histórica reunião de forças oposicionista à ditadura, organizada, com grande coragem, pelo já desaparecido titular daquela casa, Fernando Mascarenhas.

Porque afinal a História era o cenário de fundo do nosso encontro de ontem, apeteceu-me usar o ensejo para lembrar, para a "pequena história", essa reunião naquele Palácio, no ano de 1969, onde estiveram figuras como Jorge Sampaio e Maria Barroso. Naquele que foi um ano de combate à fraude que acabou por ser a "primavera marcelista", aquela reunião política acabou por consagrar as já expectáveis divisões entre comunistas, socialistas e outros setores, num processo que veio a originar, pela primeira vez na história da oposição democrática à ditadura, uma ida às urnas sob diferente denominações - CDE e CEUD -  nas "eleições" de 5 de outubro desse ano, como se lembrarão os que têm idade, memória ou conhecimento. 

Na ocasião, optei por não contar, porque talvez fosse demasiado pesado para o ambiente que prevalecia na sala, que alguns dos participantes na reunião oposicionista acabaram "corridos" pela polícia de choque, chefiada pelo famigerado capitão Maltez.

terça-feira, dezembro 05, 2023

Quem tem amigos assim...


Luís Filipe Castro Mendes escreve hoje isto na sua coluna semanal no "Diário de Notícias". 

CARTA ABERTA A UM AMIGO QUE ESCREVE DE HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

Caro Francisco:

Optei por escrever-te uma carta aberta a propósito do teu livro de memórias e histórias Antes Que Me Esqueça. É que não é fácil falar do livro de um amigo, com quem partilho a mesma condição diplomática e muitas experiências de vida. E pior ainda se é para dizer bem...

O grande achado deste volumoso livro de memórias e o que torna a sua leitura mais aliciante e envolvente é a opção escolhida de não agrupar os momentos evocados numa ordem cronológica ou temática, antes deixar fluir livremente as recordações e as análises e fazer de nós, leitores, atentos ouvintes de histórias inúmeras e fascinantes, como o sultão das Mil e Uma Noites a ouvir os contos de Xerazade. E sem o nosso autor ter de sofrer a angústia de Xerazade...

Lawrence Durrell, no seu Antrobus (Cenas da Vida Diplomática) deu-nos uma visão cheia de humor e malícia da vida dos diplomatas. Em Francisco Seixas da Costa encontramos o mesmo sentido de humor e o mesmo divertimento, mas sempre aliados a uma sólida e estruturada visão da nossa política externa e do estado de um mundo que mudou profundamente no tempo de vida da nossa geração. É um livro com tantas histórias que nos custa acabá-lo quando chegamos às últimas páginas e aos últimos contos: é um livro que nos diverte e ao mesmo tempo nos informa e nos transmite conhecimento. Quem quiser ter uma visão realista, fundamentada e sem preconceitos da nossa vida diplomática nas últimas décadas encontrará neste livro muita informação, refletida e ponderada. Mas não encontrará um ensaio ou um tratado sobre a diplomacia em abstrato: encontrará histórias que são como instantâneos fotográficos da História com maiúscula dos últimos anos.

Espreitar assim os bastidores das decisões e discussões que fizeram a nossa História é o que as memórias normalmente oferecem, mas nem sempre com este tom natural e quotidiano com que o nosso autor as conta. De tantos fatores pessoais e subjetivos são afinal feitas essas grandes decisões que preparam o nosso futuro ou nos defendem do nosso presente!

Quem quiser ter uma visão realista, fundamentada e sem preconceitos da nossa vida diplomática nas últimas décadas encontrará neste livro muita informação, refletida e ponderada.

A escolha de Francisco Seixas da Costa de não arrumar as suas memórias em capítulos cronologicamente organizados, mas de as deixar brotar e surgir "antes que me esqueça", para desenvolver a partir da cada memória o seu sentido de humor ou a sua reflexão pessoal, torna a obra num livro tão diverso quanto inesperado. É que, se encontramos neste texto informações preciosas sobre a nossa história diplomática dos últimos anos, a partir de uma experiência profissional fora do comum, não ficamos por isso reduzidos, enquanto leitores, a estas matérias. As memórias são extremamente vividas e concretas, pois nada do que é humano lhes é estranho, e fazem-nos sentir a nós, leitores, bem por dentro dos variadíssimos ambientes que evocam.

E é de assinalar que nunca a sombra e o azedume de qualquer ressentimento assomam nestas páginas, atravessadas de humor e da alegria de estar vivo.

Caro Francisco, isto é o que eu escreveria sobre o teu livro no Diário de Notícias. Mas ousarei fazer assim o elogio de um amigo? Não me ficará isso mal e não te comprometerá a ti? Não falarão de "compadrio"? Deixo-te a ponderar estas graves questões e envio o texto, assim mesmo, para o Diário de Notícias. Desta vez não ouvirei os teus conselhos...

Luís Castro Mendes 
Diplomata e escritor

Apesar de tudo...

Apesar de tudo, recuso-me a acreditar na tese, que por aí anda, de que o agravamento do caso das gémeas surgiu hoje magnificado para obscurecer a chegada do Sporting à liderança isolada da Liga.

Sinceramente penso

Marcelo Rebelo de Sousa pode ter todos os defeitos do mundo. Contudo, até pelo cuidado extremo com que sempre construiu o seu perfil como figura pública, não o vejo propenso a ações deliberadas de favorecimento de alguém. É o que sinceramente penso.

Como foi?

Ao ver hoje a direita (aqui pelas redes sociais é mais a extrema-direita grunha e a direita radical e populista) falar de Marcelo Rebelo de Sousa, levanta-se esse imenso mistério, político e matemático, que é saber quem, afinal, lhe deu em 2016 os 2.411.925 votos (52,00%)? 

Caras

A cara das crianças gémeas está por todo o lado. Por que razão algumas imagens de crianças são desfocadas e as destas duas não?

segunda-feira, dezembro 04, 2023

As cinco ideias com que Cavaco não se reconciliou

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que tinha deixado a presidência com a esquerda no poder. Na realidade, foi ele quem entronizou a Geringonça. Marcelo recebeu essa herança e, não encontrando qualquer vício de legitimidade na solução governativa que herdou, deu-lhe condições de vida longa. Alguma direita nunca perdoou isso a Marcelo - embora ande agora a fingir que não foi ela que o elegeu em 2016.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que o seu lugar na história política da direita tinha entretanto sido raptado por Passos, pessoa de quem sempre se sentiu distante - e vice-versa. Cavaco sabe que, se bem que o PSD considere seu o património da sua década como chefe de Governo (e, muito menos, como presidente), a direita atual, no seu todo, da decente à infrequentável, revê-se muito mais em Passos Coelho do que nele próprio. Cavaco é um santo antigo no altar da direita, Passos é o prior que a freguesia gostaria de ver de novo a rezar a sua missa.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que Marcelo foi o seu sucessor. Deve ter espumado nos anos de "lua-de-mel" deste com Costa. Cavaco - e aqui admito estar a ser "mauzinho" - deve estar deliciado, por estas horas, com as atribulações do atual morador de Belém. Cavaco detesta o estilo de Marcelo, que, no primeiro mandato, procurou, deliberadamente, desenhar um perfil de anti-Cavaco. Ver esse estilo a ser, nos dias de hoje, criticado por grande parte da direita deve vingar Cavaco dos tempos em que viu Marcelo passear popularidade pelas ruas, pelas "selfies" e pelo mundo exterior.

Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que a direita, agora a cheirar o regresso ao poder e a tentar transformar os socialistas nos novos "idos de Março", faria isso sem si. Aproveitando as hesitações táticas de Passos, e depois de outras cirúrgicas aparições, Cavaco ressurgiu no congresso do PSD e, na passada, saiu a jogo por escrito para ajudar à nova narrativa financeira do PSD, sugerindo-se como o patrono da nova maioria, que quer ajudar a levar ao poder, tentando fazer esquecer - repito - que foi ele quem ficou, na História, como alguém que, embora "à contrecoeur", deixou Costa em S. Bento.

Finalmente, Cavaco nunca se reconciliou com a ideia de que quem está no olimpo histórico da direita democrática portuguesa, para o bem e para o mal, é uma figura que morreu, precisamente na data de hoje, há 43 anos. Por muito que ele se esforce, e já se percebeu que o fará enquanto a vida lhe der força e ânimo, Sá Carneiro será sempre a referência insubstituível dessa área política que o superará. E, com isso, Cavaco nunca se poderá reconciliar.

Notícias

Nos últimos tempos, estão a ter lugar mudanças na comunicação social, por vezes polémicas. A mim, confesso, o único jornal com cuja mudança de direção fico preocupado é o "Diário da República".

domingo, dezembro 03, 2023

Visão Global


São 25 minutos de conversa, muito sobre o Médio Oriente e sobre a Ucrânia, parte sobre um livro. Foi hoje, com Rui Cardoso, na Antena 1. Pode ser ouvido aqui  ("puxar atrás" a gravação)

Mescla


No "A Arte da Guerra" desta semana, falei com o António Freitas de Sousa, a certo ponto, da vida política na Polónia, da morte de Henry Kissinger e, vá lá!, de um livrito "de bolso" que acabo de publicar...

Pode ver aqui.

Por Francisco José Viegas

 


No "Correio da Manhã", de 3 de dezembro de 2023

sábado, dezembro 02, 2023

Ai querem?!


Ai querem comparar a luz das cidades? Têm para a troca? Tenham mas é juízo!

Teste do algodão

Quando ouvirem alguém dizer que o Trump, o Chega, a Meloni ou o Milei "não são bem de extrema-direita", ficam logo a saber "do que a casa gasta "...

O nível do debate


Há poucas coisas que revelem melhor o estado de pobreza a que chegou o debate político em Portugal como o tempo que se tem perdido em torno de uma simplificação simbólica das cores da bandeira nacional, medida sem a menor importância, reversível a qualquer momento. Tenham juízo!

Diplomacia portuguesa

 


Luís Amado


No "Público" de hoje.

sexta-feira, dezembro 01, 2023

Latinos

Não sei se Brasília estará a fazer algum tipo de diplomacia para travar a crescente escalada de tensão entre a Venezuela e a Guiana. Espero que sim. O Brasil não se pode afirmar vocação de potência pacificadora à escala global se não conseguir mostrar-se relevante na sua periferia geopolítica. 

Já agora!


Vive-se um tempo do "já agora!". 

A Rússia, que achou que tinha de defender a sua gente no Donbass, bem tenta, na passada, meter ao bolso Zaporizhzhia e Kherson, somando tudo à Crimeia. O Azerbaijão, com a endémica fragilidade da Arménia como estímulo, já acabou de vez com o Nagorno-Karabakh e ameaça caminhar para sul até se recolar ao Nakishevan. Com o belo pretexto dado pelo Hamas, Israel sente-se agora tentado a tomar conta de Gaza e, se houver oportunidade, da Cisjordânia palestina e, se deixarem Netanyahu à solta, até aos Himalaias. Até o maluquinho do Maduro, para afagar o nacionalismo e dar um objetivo às suas tropas, para além dos negócios e da droga, se lembrou agora de explorar um conflito esquecido com a Guiana. Anda tudo à solta!

Neste estado de coisas, não é de estranhar que outros se sintam tentados. Com as promessas de cheques, pagos pelos outros, dos incendiários Stoltenberg e Van der Leyen, a Moldova, que parece ser a única entidade verdadeiramente europeia que ainda acha Bruxelas "sexy", pode vir a ter tentações sobre a Transnístria. E alguém pode vir a relembrar Taiwan à China. Ou as Curilhas ao Japão. Ou Guantanamo a Cuba. Ou Kalininegrado à Polónia. Ou Gibraltar à Espanha. Ou as Malkland (Malvinas ou Falkland, venha o diabo e escolha) ao doido há pouco eleito na Argentina. E então, Meloni, não há ideias frescas sobre como tomar São Marino?! E será que os suíços não querem, por uma vez com coragem, "mourir à Vaduz"? E não se está mesmo a ver, Macron, que o Mónaco é apenas uma rebelde e inútil periferia de Beausoleil? E já há novidades de Rabat, para uma ação patriótica sobre El Aaiún. E Ceuta? E Melilla? E Perejil? 

Vergonha, vergonha - mas disso ninguém fala, é o falas! - é ninguém se lembrar, por estes dias, de Olivença. Isso é que era uma proposta eleitoral de rutura! Então, Luís Montenegro? Então, Daniel Adrião (Quem é! Não interessa! Mesmo!). Ao que chegámos! É que, assim como assim, já agora!...

No "Delito de Opinião"

Ver aqui.

A falta do Arnaldinho


Telefonema de uma amiga: "Então e o Arnaldinho?" Por um segundo, não percebi: "Já dei a volta ao teu livro e não encontrei lá a história do Arnaldinho! Por que é que a não incluíste". Essa minha amiga é leitora deste blogue e, por mais de uma vez, tinha-me falado de como tinha gostado da história do Arnaldinho que contei por aqui há muitos anos. Nem eu sei a razão por que não a incluí no livro. Mas vou repeti-la.

Tínhamos convidado aquele jovem casal brasileiro para jantar, em nossa casa, em Oslo, nesse início dos anos 80. 

Ele era um diplomata que, numa situação transitória, viera fazer uma "encarregatura de negócios" - isto é, substituir o embaixador do Brasil - à Noruega, por alguns meses. A mulher e filho haviam-se-lhe juntado, por algumas semanas. Perguntaram se podiam trazer a criança, porque não tinham com quem a deixar. Dissémos que sim, naturalmente.

Eram pessoas muito simpáticas mas, desde o primeiro segundo, percebeu-se que a criança, o Arnaldinho, aí com uns três anos, era uma figura incontrolada na família. Logo após a chegada, desapareceu sozinho pela casa, sob o olhar benevolente dos pais, entrando e saindo, numa infernal correria, de todas as dependências. 

Na sala, preocupado com os efeitos dessa peregrinação turbulenta por um apartamento não preparado para agitação infantil, ousei perguntar se não seria melhor mantermos o Arnaldinho por ali. Temi - e, mais tarde vim a verificar, com razão - por um puzzle de milhares de peças com que entretinha parte das longas noites nórdicas, no meu escritório. A custo, percebendo a minha preocupação, o pai lá se decidiu a ir procurar o Arnaldinho. Que chegou, puxado pelo braço, para se sentar junto de nós.

Alguns bibelots que estavam sobre a mesa da sala concitaram, segundos depois, a atenção do Arnaldinho, que se pôs a brincar com umas delicadas peças de cristal. Os pais, esses, sorridentes, mantinham uma serenidade total. A certa altura, não me contive:

- Arnaldinho, não mexa nessas peças, por favor.

A mãe do Arnaldinho lançou-me um olhar onde se lia alguma leve reprovação pelo meu comentário repressivo, aparentemente por estar a limitar a liberdade da criança, que, por acaso, nada tinha partido. Ainda. O pai foi um pouco mais sensível e repercutiu, docemente, o meu alerta:

- Você não toca nessas coisas, querido.

Encolhido num canto do sofá, os olhos do Arnaldinho estudavam opções ofensivas. E logo brilharam ao ver uma taça com cerca de uma dúzia de ovos pintados à mão, uma compra feita, meses antes, em Praga. Eu, nervoso e distraído da conversa, seguia o Arnaldinho pelo canto do olho. Vi-o descer lentamente do sofá e acercar-se a mesa. A sua mão sapuda avançou então, rápida, para um desses ovos, agarrou-o, olhou-o por um instante e esmagou-o sobre o tampo da mesa, espalhando a casca pintada.

Fiquei furibundo por dentro. Não eram peças muito valiosas, mas eram objetos de artesanato que, meses antes, havíamos trazido bem acondicionados, de carro, durante milhares de quilómetros. Vê-las desaparecer por uma destruição gratuita excedia a minha paciência. Mas contive-me, na esperança de uma atitude por parte dos progenitores do pequeno vândalo.

O pai do Arnaldinho teve então a reação máxima que, aparentemente, o estatuto da sua autoridade sobre a criança permitia:

- Arnaldinho, não faz isso! Então partiu o ovo!? Não vai partir outro, não?

O Arnaldinho tomou o remoque como um incentivo e a pergunta como um desafio. E, claro, avançou para outro ovo, que logo teve idêntico destino.

A mãe, "cool", sorriu. O pai "reagiu":

- Arnaldinho! Arnaldinho! Não parte mais nenhum ovo, está bem? Senão papai zanga-se!

“Papai” não ia ter ocasião de zangar-se. Porque, se ia partir, não partiu. Voei para o Arnaldinho, icei-o pelos braços e arquivei-o no canto oposto do sofá. Surpreendido pelo gesto, não tugiu nem mugiu. No silêncio pesado que, por segundos, se fez na sala, coloquei a taça de ovos e, um a um, todos os bibelots que pressenti pudessem ser alvo da sua ação destruidora na prateleira mais alta de um móvel que estava em frente. As mesas ficaram tristemente desertas de decoração. 

O Arnaldinho ficou especado, sem "targets". E os nossos convidados, surpreendidos pelo meu afirmativo "preemptive strike", ficaram, em absoluto, sem graça.

- Então?! E o que bebem?, perguntei, aliviado, mas já com pena dos copos. 

E, já nem sei como, lá se passou mais um jantar... diplomático. Por onde andará o Arnaldinho, nos seus quarenta e muitos anos de hoje?

quarta-feira, novembro 29, 2023

O livro


"Era Lisboa e chovia", foi o título de um livro escrito por um colega e amigo brasileiro, que há muito já se foi. Lembrei-me dele ontem.

O final da tarde de ontem mostrava uma Lisboa molhada, com um trânsito infernal, quase em risco de parar. Cheguei irritado à Gulbenkian: o meu carro não tinha "pegado" e eu tinha sido obrigado a "pegar" um táxi. 

"Com um fim de tarde assim, há muita gente que não vem", ouvi, ao lado, de uma voz resignada. Se calhar, tem razão, pensei.

Acrescia que a data para a apresentação do meu livro, "Antes que me esqueça", tinha sido mudada de 27 para 28 e, por esse ou por outro motivo, havia recebido, nos últimos dias, dezenas (não estou a exagerar, foram dezenas!) de mensagens de amigos, lamentando não poderem comparecer. Em Lisboa, na tarde de ontem, "choviam" eventos a atrair pessoas. (A um deles, até eu gostaria de ter ido!)

"Vai ser muito difícil encher a sala. O Auditório 2 é imenso", repetia a modéstia de alguém, sempre ao meu lado. Se eu fosse católico, teria pensado: "Seja o que deus quiser!". Como não sou, disse, de mim para mim: "O que for, soará! Logo se verá!"

Viu-se. O Auditório 2 encheu-se, por completo. Houve mesmo pessoas que, infelizmente, tiveram de ficar a pé, para ouvir as magníficas e amigas apresentações do Jaime Nogueira Pinto e do José Ferreira Fernandes e, no final, ainda tiveram paciência para me ouvir. 

Depois, foi uma hora muito agradável de assinatura de muitos livros. Até que a Gulbenkian acabou por fechar, já depois das nove horas da noite. E continuava a chover! 

Se, por uma hipótese teórica, as largas dezenas de amigos que foram obrigados a faltar, devido a uma multiplicidade de razões, afinal tivessem acabado por aparecer, teria sido muito agradável, mas teria sido o bom e o bonito! Desta forma, tudo acabou mais do que em bem. 

Há muitos anos, tive um embaixador que, no termo de qualquer evento que justificasse uma mobilização, tinha, no final, uma frase clássica, de satisfação assumida: "Mais uma lebre corrida!". Foi assim, ontem! 

Muito obrigado a quantos "fizeram" o meu dia. Agora, só espero, muito sinceramente, que apreciem o livro!

("Roubei" a fotografia ao Gilson)

terça-feira, novembro 28, 2023

Francisco...

 


... José Viegas, no "Correio da  Manhã", hoje.

Obrigado, Francisco! 

Comboios e tristeza

Será que é o meu olhar que se tornou preconceituoso ou há mesmo uma tristeza endémica na cara das pessoas, nas estações de caminho de ferro portuguesas? Acabo por concluir que só os estrangeiros é que, por ali, dão um ar da sua graça e o levam para dentro das carruagens. Longe parece ir o tempo em que os franceses diziam que "les portugais sont toujours gais".

segunda-feira, novembro 27, 2023

O lançamento é amanhã, terça-feira, dia 28

 ... e não hoje, segunda-feira, dia 27, como esteve previsto.


Peço antecipadamente desculpa a quem, por falta de informação, se desloque à Gulbenkian no dia 27.

Sou insuspeito, claro!


Uma recomendação a ter em conta! 

Conversa no taxi


"O senhor desculpe, mas eu não pude deixar de ouvir a conversa com o seu amigo, em que falaram muito de política", disse-me o taxista, há pouco.

Eu e o Álvaro Vasconcelos, saídos em Santa Apolónia, vindos do Porto, tinhamos tido, dentro do taxi, uns bons dez minutos de análise retrospetiva do 25 de novembro de 1975. Os nomes e os factos de então, ditos numa linguagem de quem viveu por dentro essa época, devem ter sido de difícil entendimento para o taxista, um homem na casa dos 40. Mas, visivelmente, tinham aguçado a sua curiosidade. E como ambos tínhamos falado do PCP com grande distância crítica, ele terá ficado seguro de que não éramos "desses".

Deixado o Álvaro em casa, nos pouco mais de cinco minutos que mediaram até chegarmos à minha, o taxista abriu-se: "Já vi que o senhor sabe de política. Acha que o Chega vai ter um bom resultado?"

Disse-lhe que tudo parecia indicar que sim, a acreditar nas sondagens. "E o PS vai ser derrotado?" Respondi-lhe que, por agora, a esta distância, ainda era difícil saber qual virá a ser o partido mais votado. E, já pressentindo "do que a casa gastava", fui adiantando: "Quanto mais o Chega crescer, menos votos terá o PSD e, dessa maneira, menos hipóteses o PSD terá de ser o partido mais votado."

Tinhamos parado no semáforo do largo Ribeiro Santos. O homem, que pareceu alarmado com o que eu tinha acabado de dizer, voltou-se para trás, olhando-me pela primeira vez. E abriu-se: "Eu vou votar Chega. Já votei três vezes no André Ventura. Mas acha então que quanto mais ele crescer mais há o risco do PS poder continuar no governo?"

Eu estava deliciado, confesso, com a perplexidade que tinha criado no homem. Apenas disse: "É só fazer as contas. O senhor, se não votasse no Chega, em quem votava?" Não respondeu.

Foi então que, perante o silêncio a que me remeti, ele pegou definitivamente na conversa, disse mais do que cobras e lagartos dos socialistas, elogiou imenso Passos Coelho e concluiu: "O senhor desculpe este desabafo, eu não sei nada de política, não me posso comparar consigo, mas é isto que eu penso".

Respondi-lhe: "Essa agora! O peso do seu voto, no dia das eleições, é igualzinho ao meu. Cada eleitor "sabe" tanto de política como o outro. A democracia é isto mesmo: ninguém tem um voto melhor do que o outro."

Tínhamos chegado a minha casa. Enquanto ele me dava a mala e eu lhe pagava, disse-lhe: "Desejo-lhe muitas felicidades pessoais e só não lhe desejo felicidades políticas porque o meu voto vai para um partido diferente do seu". 

Ambos sorrimos. E lá fomos, cada um à sua vida.

domingo, novembro 26, 2023

"Escondidinho"



Sá Carneiro iria ali jantar no dia 4 de dezembro de 1980, se a tragédia, uma hora antes, o não tivesse feito aterrar, para a morte, em Camarate. (Por essa altura, eu abancava na "Farmácia", em Matosinhos, onde então soube da notícia).

Falo do restaurante "Escondidinho", na rua Passos Manuel, no Porto, ali à beira ("à beira" diz-se no Porto, em Lisboa seria "perto") do "Majestic". Neste último, um simples café (não, já ninguém diz "cimbalino", aprendam os lisboetas, sempre à cata do tipicismo tripeiro), nos dias de hoje, está quase ao preço de uma entrada num restaurante. 

A sala, com lareira a luzir, neste dia de almoço domingueiro, era um mar de taiwaneses e chineses. Contei-os: mais do que todos os restantes clientes que por ali estávamos. "Comem separados, mas é a mesma empresa turística que os traz. Vêm com o mesmo menu, já combinado", disse-me um empregado. Afinal, o entendimento entre ambos os lados da China pode não estar muito distante, a avaliar pelo acordo existente em torno de gostos comuns à mesa.

Agora, um pouco mais a sério. O "Escondidinho" já não é o que era, claro. No recato, no ambiente, no formalismo. E, sejamos verdadeiros, na comida, embora seja justo dizer que o preço pedido está à altura da expetativas. Mas, claro, ainda restam as belas madeiras e a inconfundível entrada. 

Já não se vêm, por ali, no topo de mesas, os cavalheiros engravatados que, aos domingos, arrastavam netos, noras e genros, com o tempo algo relutantes, para o ritual almoço familiar, o qual, para muitos, constituía um padecimento hebdomadário. Nada diferente de muitos outros que sempre houve, pelo país: nos "Arcos", em Paço de Arcos, no antigo "English Bar", no Estoril, no desaparecido "Iris", em Famalicão, no "Mário Luso", nos Carvalhos, no velho "Paris", no "Gambrinus", para os mais abonados. Em outras mesas familiares ainda os vislumbro, da "Colina" ao "Líder", do "Montemar" ao "Gaveto", do "São Gião" ao "António Tá Certo".

O menu do "Escondidinho" não é imensamente criativo, "to say the least". É um restaurante de recorte clássico, algo rotineiro nas suas propostas. Tudo o que hoje se experimentou, contudo, estava bem. Foi uma oferta excecional? Não. Mas, no atual mundo restaurativo do Porto, o "Escondidinho" acaba por ser um espaço com algums graça, diferente e típico, que vale a pena ser estimulado nas suas propostas. Eu não desgostei ter lá passado hoje. Mas, se calhar, é esta minha imparável mania de me passear por um Portugal que já lá vai.

sábado, novembro 25, 2023

Um belo teste

Um belo teste à democraticidade de quantos se entusiasmaram a comemorar os 48 anos do 25 de novembro será vê-los, de cravo ao peito, nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril. Se os encontrar por lá, a gritar "Viva o 25 de Abril, sempre!", então sim senhor!

O dia da democracia

A propósito do 25 de novembro, ontem, numa aula no ISCTE, foi-me perguntado por um aluno qual o momento que eu achava ter consagrado a democracia em Portugal. Não tive a menor hesitação na resposta: quando a direita, com Sá Carneiro, formou governo, inaugurando a alternância.

"A Cozinha do Miguel"



Que bem que se come na "Cozinha do Miguel", em Lisboa. Bem e barato! Fui lá hoje pela primeira vez e saí cliente. Onde fica? Não sei explicar. É perto do Eixo Norte-Sul e não longe da Universidade Católica, junto a uns campos de padel. Ponham no Wase; foi assim que lá cheguei!

No dia 25 de novembro...

 


... a primeira página do "Record".

25 de novembro

Há precisamente 48 anos, um grupo de militares, defensor de uma leitura extremada da Revolução de Abril, tentou organizar uma operação para controlo do poder político-militar no país. Contavam, para tal, com a cumplicidade de algumas forças políticas marginais e altamente minoritárias, embora muito vocais na rua política de então. Mas só com elas.

O caminho para esta ação, no formato em que veio a ter lugar, bem como em outros desenhos operacionais que também eram presumidos como possíveis, estava, desde há algum tempo, a ser monitorizado pelos setores que, dentro do Movimento das Forças Armadas, alimentavam uma orientação política moderada e que era consonante com o modelo político-social que a Constituição de 1976 acabou por consagrar. 

Este último setor já era, à época, claramente dominante no seio da máquina militar. Foi assim que, com relativa facilidade e rapidez, no dia 25 de novembro de 1975, foi posto cobro à desastrada tentativa sediciosa que envolveu escassíssimas unidades militares. 

Ao contrário do mito então posto a correr, e sempre alimentado, desde então, por alguma direita, Portugal estava já então muito longe de correr o risco de "cair no comunismo".

Nesses meses finais de 1975, o país político-militar vivia distante do equilíbrio de forças que era patente ao tempo da manifestação da Fonte Luminosa. Foi a coragem política de Mário Soares que, a partir de então, contribuiu para animar os setores moderados do MFA a se exprimirem e a reforçarem a linha que, em agosto desse ano, veio a ser consagrada no "Documento dos Nove", posição que, de forma decisiva, separou as águas dentro do MFA. Basta olhar para o que se já tinha passado dentro da Assembleia do MFA, a partir da reunião de Tancos, para se perceber para que lado tinha passado a pender, desde há meses, a balança do poder militar. 

Contudo, a tal narrativa de que o país, ao tempo do 25 de novembro, estava à beira de ser tomado pelo extremismo veio, a partir daí, a dar imenso jeito a certos setores de direita, que progressivamente, acabariam mesmo por meter no mesmo saco os responsáveis pela revolta e os setores moderados do MFA que puseram termo à sedição. Basta ver como alguns ainda hoje olham os subscritores do "Documento dos Nove", começando por Vasco Lourenço e acabando em Pezarat Correia, passando pela memória de Melo Antunes, para se perceber o caminho que a mentira percorreu e como progrediu na nossa história recente. 

Os militares efetivamente envolvidos no movimento de 25 de novembro, e outros apenas presumivelmente implicados nessa tentativa de golpe, acabaram detidos e as suas carreiras militares afetadas. Nenhuma força político-partidária foi formalmente implicada na tentativa de golpe. Em especial, resultaram frustrados todos os esforços feitos para ligar o Partido Comunista Português às movimentações militares que então tiveram lugar. Esta é uma realidade que continua dolosamente a ser iludida.

Os setores da direita radical que se acobertaram atrás do MFA moderado - e que tiveram em Jaime Neves a sua cara operacional mais evidente - ainda tentaram "explorar o sucesso" para ilegalizar os comunistas, mas a clarividência dos militares moderados, em especial a coragem de Melo Antunes, colocaram a verdade no seu lugar. A maior prova da sua razão é que o PCP continuou a fazer parte do VI Governo Provisório, depois do 25 de novembro e até à entrada em vigor da Constituição de 1976.

No 25 de novembro de 1975 foi derrotada uma linha extremista de esquerda que quis desviar a Revolução de Abril do seu curso em direção a uma sociedade democrática. Da mesma forma que as tentativas de golpe em 28 de setembro de 1974 e em 11 de março de 1975 tinham antes tentado uma subversão de sentido direitista. 

Há quem, na sociedade política portuguesa de hoje, pareça já incomodado com as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, que, daqui a uns meses, aí vêm. E é óbvio que, à falta de outros instrumentos, essa gente continuará a tentar usar o 25 de novembro como arma de arremesso contra o 25 de Abril.

sexta-feira, novembro 24, 2023

Entrevista ao "Jornal Económico" (24.11.23)


- Para além da evidência do título, o que esteve por trás da elaboração de ‘Antes que me esqueça’?

Basicamente, foi a vontade de dar guarida, em livro, a relatos de memória que tinha juntado no meu blogue "Duas ou Três Coisas", nos últimos 15 anos. Não tenho quaisquer arquivos, papeis, registos. Apenas possuo uma memória que considero boa (já foi bem melhor, claro!) e, com ela, fui reconstituindo episódios que pessoalmente me marcaram, quer na vida diplomática, quer na passagem pelo governo, a qual, de certo modo, foi também um tempo diplomático, dessas quase quatro décadas. Assim, à medida que me recordava de factos e pessoas relevantes, ou que algum acontecimento os suscitava, elaborava textos e publicava-os, de imediato, no blog. Sempre num estilo completamente despretensioso e sem a menor preocupação literária. Criei assim uma espécie de "gaveta" de episódios e retratos. O "Antes que me esqueça" é, no fundo, um "best of" daquilo que, sobre a minha profissão, tinha escrito no blog. E tenho escrita uma imensidão de outras recordações (não gosto de chamar a isto memórias) que não excluo poder vir a publicar.

- A memória futura - é aí que, digo eu, o livro se inscreve - é uma forma de combater as fake news? Ou mais de explicar o passado recente de uma forma linear e inteligível?

Não tive um objetivo concreto ao fazer este livro. Não quis repor qualquer verdade que estivesse prejudicada por relatos falsos ou distorcidos. Procurei apenas dar um testemunho de cenas que testemunhei, quase sempre na qualidade de ator secundário, porque é esse o papel de um diplomata ou de um político "por empréstimo" como eu fui. Entendi que seria uma pena perder-se o registo de certos episódios, alguns dos quais, por vezes, contava a amigos, que me estimulavam a dar-lhes uma forma escrita. Mas - que fique claro! - não tive a menor pretensão de vir a fazer História! Admito que algumas coisas que coloquei no livro possam ajudar as pessoas a contextualizar certas questões internacionais de que ouviram falar. Em especial, estou seguro que talvez isso os ajude a compreender melhor, quer as tarefas dos diplomatas, quer, em especial, a lógica subjacente a certas tomadas de posição da diplomacia portuguesa. Mas, repito, sou muito modesto quanto aos objetivos deste livro. Longe de mim querer "to put the record straight".

- Até que ponto a diplomacia é, para além dos jornais e dos compêndios de história, um lugar onde as ‘fake news’ são um instrumento de trabalho?

A diplomacia apoia-se essencialmente em factos, embora não deixe de estar atenta ao fenómeno criativo que são as deturpações dos mesmos, que as "fake news" representam. Os diplomatas procuram sempre não se deixar apanhar por uma visão deturpada da realidade. O diálogo bilateral com entidades institucionais estrangeiras ou com os atores político-sociais dos países ajuda a evitar isso. É muito importante saber hierarquizar a qualidade das fontes e, a jusante delas, destrinçar a verosimilhança daquilo que nos chega. Da mesma maneira que o faz a "intelligence", é fundamental para o diplomata aprender a "recortar" as notícias para as transformar, posteriormente, em informação fiável. Passei a minha vida a tentar só usar coisas seguras e "checkadas", mas fui muitas vezes induzido em erro por aquilo que é a mais perigosa forma de "fake news", a informação "orientada", algo que, não sendo em absoluto falso e tendo em si parte da verdade, nos condiciona muito a interpretação dos factos. 

- A verdade, ou toda a verdade, é muitas vezes maçadora, pouco empolgante, descabida ou mesmo perigosa. A ‘razão de Estado’ é motivo suficiente para o seu encobrimento ‘diplomático’?

Esse é um tema muito sensível! O António conta tudo à sua mulher? Nunca contamos, sejamos honestos. E as nossas mulheres sabem disso! Também o público, o cidadão, tem a consciência de que o poder é, muitas vezes, "económico com a verdade", como dizia um político britânico. A questão está sempre no grau de abertura e transparência usado. Os brasileiros têm uma fórmula deliciosa: "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde". Não estou a afirmar que haja sempre uma verdade visível e outra verdade escondida, mas é óbvio que há uma propensão oficial para dar conta do que corre melhor. É também por essa razão que, nas sociedades democráticas, deve haver um forte escrutínio público - pela oposição, pela imprensa, pelas estruturas da sociedade civil, pelo próprio funcionamento da separação de poderes. Mas há limites para a transparência? Acho que deve haver. As questões de defesa, de segurança, de interesse nacional relevante (você perguntar-me-á: quem decide isso?) devem ser protegidas. Bom senso e sentido de Estado devem prevalecer. Às vezes consegue-se, outras vezes não.

- Dizem alguns que a diplomacia é um assunto demasiado sério para ser deixado das mãos amadoras dos políticos de passagem (necessariamente breve) pelo ministério da tutela. Subscreve esta ideia?

Não, de todo. Os diplomatas executam a política externa e, na maioria das vezes, são eles quem sugere o tipo de intervenção que o Estado deve levar a cabo, na sua ação internacional. Mas quem responde pelos resultados dessas ações, perante os cidadãos, são os políticos. São eles que são eleitos e removidos do poder. Por isso, é natural que sejam eles a orientar a ação do Estado. Nós somos uma espécie de guardiões do "fogo sagrado", que preservamos a continuidade da ação externa do Estado, a própria coerência dessa ação. Mas os políticos podem decidir fazer inflexões, às vezes roturas, e nós temos de aceitar. Podemos e devemos dizer-lhes o que pensamos, mas a última palavra é deles. Quando um determinado governo decidiu, em 2003, ofendendo a honra nacional, organizar a "cimeira" das Lajes, a diplomacia portuguesa teve de obedecer. E muitos de nós éramos contra. A esses políticos nunca foi pedido que mostrassem as "armas de destruição maciça" que os levaram a desrespeitar a ONU e o multilateralismo. E fizeram-no, usando o nome de Portugal. Porque tinham sido eles que tinham sido eleitos. Chama-se a isso diplomacia democrática.

- Do seu ponto de vista, quais são, na história contemporânea, os grandes momentos da diplomacia portuguesa? Timor-Leste faz parte da lista? Se sim, é capaz de aceitar que o jovem país não tem viabilidade, como quem diz ‘tanto esforço para nada?

Em democracia, a luta pelo direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste terá sido, de facto, o grande momento da diplomacia portuguesa. Foi uma ação que nos prestigiou, que nos deu "galões" internacionais no âmbito dos Direitos Humanos e que, de certo modo, contribuiu para aproximar os Estados que falam português, que criou lastro à CPLP. Devemos estar orgulhosos desse trabalho - e digo-o com todo o à-vontade, porque só muito indiretamente participei nele. Mas também, sejamos justos, foi importante para Portugal a tentativa de pacificação da situação em Angola, através dos Acordos de Bicesse, muito embora o processo, num tempo posterior, tivesse descarrilado. No resto, nestes 50 anos de democracia, a diplomacia portuguesa esteve muito bem nas suas passagens pelo Conselho de Segurança da ONU e nas presidências da União Europeia. E quer maior êxito do que ter António Guterres como secretário-geral da ONU?

Quanto a Timor-Leste, discordo, em absoluto, de si. Sou um fã de Timor-Leste, tenho grande admiração pelos timorenses, por Xanana Gusmão, por Ramos-Horta, pelo passado do bispo Ximenes Belo.

- A diplomacia ainda é o que vai salvar o mundo? Em Israel, na Ucrânia, no Iémen, nos Balcãs, etc.?

A diplomacia é uma ação de criação e desenvolvimento de pontes entre os povos, através de técnicos especializados para tal, os diplomatas. Atrás dos diplomatas estão os Estados, os decisores, os políticos. Nós podemos propor e forjar soluções, à luz da nossa experiência anterior, lida na História. Mas não fazemos milagres! Sem a existência da vontade política, não há espaço para a diplomacia intervir. Em todos os cenários de conflito que referiu, há soluções diplomáticas possíveis, mais ou menos agradáveis ou desagradáveis para as partes em litígio. Nós conhecemo-las todas. A questão é apenas haver condições para as "enforce", como se diz na nossa gíria.

- Qual é a diplomacia mais poderosa da atualidade? A chinesa? 

A diplomacia chinesa está muito atrasada face ao poder real que a China tem pelo mundo. Mas lá chegarão! São poderosas as diplomacias dos países poderosos. Se eles têm força, as suas diplomacias ganharão com isso. Eu costumo dizer que, em qualquer parte do mundo, um embaixador americano é sempre influente, não porque seja mais competente ou capaz mas, muito simplesmente, pela força que tem por detrás. Como um embaixador francês ou alemão na União Europeia. Difícil é conseguir ser relevante representando um país sem grande expressão de poder. E alguns diplomatas portugueses provaram e provam que isso é possível.

- Qual foi a personagem mais fascinante que conheceu na sua atividade profissional?

Confesso que não sou muito dado à "glorificação" dos meus interlocutores - ou, então, não conheci mesmo gente muito fascinante. Encontrei pessoas competentes, capazes, com visão, com carisma. já não fui do tempo de um Churchill, de um De Gaulle. Nunca tive o ensejo de me cruzar com Thatcher ou Mitterrand, nem conheci o Mandela. Falei, mas já tarde na sua vida, com uma figura por cuja visão tenho um imenso respeito e que teve uma grande importância na política europeia: Jacques Delors. Ainda vi Helmut Khol em ação, assisti a reuniões com Bill Clinton, Tony Blair ou Jacques Chirac, conversei com Gorbachev e com Arafat, falei bastante com Lula. Foi tudo gente com relevância para o nosso mundo. Quanto a portugueses, pude testemunhar o prestígio internacional de Mário Soares e de António Guterres.

- Quem foi o político mais importante com quem teve de lidar?

Quando exerci funções políticas, estava subordinado a uma hierarquia e os políticos "importantes" tinham como interlocutores pessoas que estavam acima de mim. Enquanto embaixador, os políticos não nos têm, em geral, por interlocutores, salvo para conversas sociais. 

- Porque é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não é sempre atribuído a um diplomata do topo da carreira?

Em democracia, já aconteceu, por mais de uma vez, o lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros ter sido ocupado por diplomatas do topo da carreira, embora sempre por períodos curtos. Mas, na minha perspetiva, essa não parece ser a solução que melhor protege as Necessidades, no equilíbrio interno dentro dos governos. O MNE ganha sempre, em força e relevância, quando a sua titularidade é atribuída a um político com poder no respetivo partido. E os diplomatas nunca têm esse poder.

(Texto completo da entrevista concedida a António Freitas de Sousa)

quinta-feira, novembro 23, 2023

"Antes que me esqueça"


É na terça-feira, dia 28 de novembro, e não no dia 27, como inicialmente esteve previsto, o lançamento do meu livro "Antes que me esqueça".

Será na Fundação Calouste Gulbenkian, pelas 18.30 horas.

Não é preciso convite. Quem quiser aparecer será muito bem-vindo!

Entrevista na "Visão"


É este o titulo, na capa, da entrevista que a "Visão", através da sua diretora e do seu diretor-adjunto, me faz na sua edição de hoje, a propósito da publicação do meu livro "Antes que me esqueça". Se tiverem tempo, leiam. São apenas 10 páginas da revista... Não, não há "link" para o texto. Há que comprar a revista.

É proibido ter saudades...

... mas não é proibido ter orgulho numa bela ideia. Tive-a em 2004, há precisamente 20 anos.  Eu estava de saída da Áustria e quase de parti...