Sá Carneiro iria ali jantar no dia 4 de dezembro de 1980, se a tragédia, uma hora antes, o não tivesse feito aterrar, para a morte, em Camarate. (Por essa altura, eu abancava na "Farmácia", em Matosinhos, onde então soube da notícia).
Falo do restaurante "Escondidinho", na rua Passos Manuel, no Porto, ali à beira ("à beira" diz-se no Porto, em Lisboa seria "perto") do "Majestic". Neste último, um simples café (não, já ninguém diz "cimbalino", aprendam os lisboetas, sempre à cata do tipicismo tripeiro), nos dias de hoje, está quase ao preço de uma entrada num restaurante.
A sala, com lareira a luzir, neste dia de almoço domingueiro, era um mar de taiwaneses e chineses. Contei-os: mais do que todos os restantes clientes que por ali estávamos. "Comem separados, mas é a mesma empresa turística que os traz. Vêm com o mesmo menu, já combinado", disse-me um empregado. Afinal, o entendimento entre ambos os lados da China pode não estar muito distante, a avaliar pelo acordo existente em torno de gostos comuns à mesa.
Agora, um pouco mais a sério. O "Escondidinho" já não é o que era, claro. No recato, no ambiente, no formalismo. E, sejamos verdadeiros, na comida, embora seja justo dizer que o preço pedido está à altura da expetativas. Mas, claro, ainda restam as belas madeiras e a inconfundível entrada.
Já não se vêm, por ali, no topo de mesas, os cavalheiros engravatados que, aos domingos, arrastavam netos, noras e genros, com o tempo algo relutantes, para o ritual almoço familiar, o qual, para muitos, constituía um padecimento hebdomadário. Nada diferente de muitos outros que sempre houve, pelo país: nos "Arcos", em Paço de Arcos, no antigo "English Bar", no Estoril, no desaparecido "Iris", em Famalicão, no "Mário Luso", nos Carvalhos, no velho "Paris", no "Gambrinus", para os mais abonados. Em outras mesas familiares ainda os vislumbro, da "Colina" ao "Líder", do "Montemar" ao "Gaveto", do "São Gião" ao "António Tá Certo".
O menu do "Escondidinho" não é imensamente criativo, "to say the least". É um restaurante de recorte clássico, algo rotineiro nas suas propostas. Tudo o que hoje se experimentou, contudo, estava bem. Foi uma oferta excecional? Não. Mas, no atual mundo restaurativo do Porto, o "Escondidinho" acaba por ser um espaço com algums graça, diferente e típico, que vale a pena ser estimulado nas suas propostas. Eu não desgostei ter lá passado hoje. Mas, se calhar, é esta minha imparável mania de me passear por um Portugal que já lá vai.
10 comentários:
Agora por Gambrinus só fui uma vez almoçar há muitos anos. Estavam poucas pessoas e talvez por isso pude ver uma cara conhecida (da TV), sentado numa mesa a um canto da sala. Era o Dr.Francisco Sousa Tavares.
"Comem separados, mas é a mesma empresa turística que os traz. Vêm com o mesmo menu, já combinado".
O mesmo se passa em muitos dos restaurantes na zona do Guincho.
Em 1980 comer no Escondidinho ou na Farmácia não era bem a mesma coisa.Estamos a falar de escudos.Mas que bons petiscos se comiam nesta ultima.O Escondidinho era para quem , na época, estava bem na vida, ou então pagava a empresa.
Saudades de quando aquilo era uma "Catedral".
Ai as perdizes!!!
"Já não se vêm, por ali, no topo de mesas, os cavalheiros engravatados (...)"
Não admira que o restaurante seja escondidinho. Cenas destas não são para toda a gente.
Escondidinho, English Bar, Gambrinus, Montemar(Guincho!), Paris(daily basis).
Nunca lhe vi referir o Portucale, na Rua da Alegria, 598, com uma espetacular vista. Se calhar já fechou?.
Caro Tony. Engana-se: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2020/01/jantar-no-porto.html
Falta minha. As minhas humildes desculpas, Sr. Embaixador. Segundo sei, era cliente o D. Manuel Clemente, quando Bispo do Porto.
A lareira lembra-me uma situação curiosa.
Quando andei como consultor pela zona de Évora, já depois de me ter cansado de andar por conta de outrém uma vida inteira, aluguei por lá uma casa pois saía-me mais barata a renda mensal que duas noites por semana no hotel em que não dispensava ficar e era para o carote.
De vez em quando minha mulher ía lá ter ao fim-de-semana e, de uma das vezes, um dos empresários que eu "apoiava" convidou-nos para jantar num sítio daqueles a que não tínhamos ainda ido por ser preciso marcar com grande antecedência e a nossa vida não ser assim muito programada na altura.
Chegados lá nem uma única mesa vaga nem para vagar.
Como o tal senhor era daqueles a quem não podiam dizer que não, resolveram pôr uma mesa e 3 cadeiras dentro de uma lareira (apagada!) suficientemente grande para lá cabermos.
Ainda hoje reconheço que foi o ambiente mais "cozy" onde alguma vez jantei.
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