domingo, janeiro 24, 2021

“Casa Carlucci”


Não tinha notado que, à residência do embaixador americano em Portugal, havia sido dado o nome de “Casa Carlucci”, como se vê num azulejo na parede. (Passei por lá há pouco).

Constato que essa foi uma decisão do representante diplomático que Trump manteve por cá nestes quatro anos.

Daqui a uns meses, chegará a Lisboa um novo embaixador americano.

Depois de escolhido pela nova administração, o novo representante passará por um escrutínio parlamentar, como é de regra em algumas democracias presidencialistas, e por um “curso” acelerado de diplomacia no “State Department”. Oriundo da sociedade civil, o novo nome será uma escolha política da equipa do novo presidente. Será, como é de regra, acolitado por uma equipa competente de profissionais, na excelente escola da diplomacia americana, que o ajudarão à sua tarefa em Lisboa.

Dada a importância do país que vai representar, o novo embaixador americano vai encontrar, no seio da sociedade portuguesa, todas as portas abertas, desde logo começando pelas institucionais.

Se souber transmitir uma mensagem de simpatia e respeito pelo país onde está acreditado, pode vir a criar um terreno muito positivo de trabalho. Muitos dos seus antecessores souberam fazer isso, criaram uma excelente relação com Portugal, ganharam aqui amigos, prestigiaram o nome dos Estados Unidos entre nós e, dessa forma, foram muito eficazes.

Se, pelo contrário, o futuro embaixador, a exemplo de outros de quem não ficam saudades, optar por uma outra atitude, as coisas não se passarão assim.

Ao seu lado (geograficamente, quase em frente, como se vê na outra fotografia, também de há pouco), a embaixada e o seu titular terão a FLAD, a Fundação Luso-Americana, uma instituição que liga os dois países e que pode ter um papel muito interessante na relação bilateral. Nenhum outro Estado tem, por cá, uma instituição similar, com o prestígio que a Fundação tem sabido ganhar, embora apenas em alguns dos seus ciclos, como é o caso atual. Aproveitar bem a FLAD é algo que muito poderá contribuir para uma sã e proveitosa relação bilateral.

Termino com um mistério, na presença diplomática americana em Lisboa, que nunca consegui desvendar.

Com muito raras exceções, nunca vi os representantes diplomáticos americanos a associar-se à promoção da fantástica literatura que se produz no seu país, nunca ligamos a sua imagem à divulgação dos artistas plásticos americanos, nunca os colamos à sua extraordinária produção musical, da música clássica ao jazz e a tudo o resto. E o cinema? Onde é que vemos a embaixada americana dar nota de interesse pelo ímpar cinema que se produz no seu país? Onde para a cultura na ação diplomática americana em Portugal? Digo isto também na qualidade de frequentador do Centro Cultural Americano que existia na Avenida Duque de Loulé, em Lisboa, nos anos 70.

A América oficial que por aqui, em regra, se mostra parece sempre muito longe disso. Fala de comércio e de investimento, fala da NATO e das Lajes, refere-se à nossa diáspora por lá e aos políticos com origem portuguesa que vão emergindo. E de pouco mais. Os amigos portugueses da embaixada são, por regra, gente ligada à política, raramente à cultura. Será que o futuro embaixador (ou embaixadora, como já aconteceu no passado) nos vai surpreender?



sábado, janeiro 23, 2021

 


“Observare”



Depois do noticiário da meia-noite, de sábado para domingo, na TVI 24, Carlos Gaspar, Luís Tomé e eu, sob a moderação de Filipe Caetano, estaremos em mais um “Observare”, onde analisaremos a posse e o início da presidência Biden, a prisão de Alexei Navalvy e o que isso pode revelar da atual situação política na Rússia.

Pela minha parte, salientarei também duas questões africanas: a possível recandidatura presidencial de Sassou Nguesso, no Congo-Brazaville, depois de 37 anos de exercício do cargo, e a deslocação do MNE português, Augusto Santos Silva, a Moçambique, representando a União Europeia, com vista a dialogar sobre o que a Europa poderá fazer para acorrer às dificuldades humanitárias e securitárias no norte daquele país.

Por razões óbvias, mas muito especialmente para enviar um sinal público para a necessidade de prudência nos contactos físicos, o programa foi feito com meios telemáticos.

Máscaras de pano

Não sei se já notaram que, em vários países europeus, começaram a ser desaconselhadas as máscaras de pano. Desde há muito que gente qualificada afirmava que esses trapos de cores, às vezes a “rimar” com a roupa, eram um adereço pouco eficaz. Agora, ao que parece, essa ineficácia tende a confirmar-se!

Reconhecimento

Seria justo que as autoridades manifestassem publicamente o reconhecimento da comunidade aos cidadãos que fazem parte das mesas de voto, neste momento complexo. Por muitos cuidados que existam, atendendo à exiguidade de muitos espaços, alguns vão correr riscos. 

Eu agradeço-lhes.

Incivilidade espertalhota

Devia ser tornado público o “quadro negro” dos espertalhões que, usando abusivamente as suas funções, “furaram a fila” para se poderem vacinar antes de quem tinha prioridade.

Neste tempo difícil para todos, não me repugnaria ver legislação de exceção para punir essa gente.

Larry King


Aprendi muito sobre o mundo e a política a assistir às entrevistas de Larry King na CNN. Vou ter saudades daqueles suspensórios. A pandemia levou agora Larry King.

Olrik por Védrine



Para parte da geração portuguesa que teve a infância ou juventude nos anos 50 do século passado (por alguma razão, custa-me sempre escrever a expressão "do século passado"), as aventuras de "Blake et Mortimer", da autoria de Edgar P. Jacobs, são, ainda hoje, uma recordação muito viva.

Figura importante da excelente escola belga de banda desenhada, de que Hergé é, sem a menor dúvida, o maior expoente, Jacobs abria-nos o mundo através de álbuns de uma fantástica qualidade e fruto de cuidado estudo, que agarravam a nossa imaginação e nos transportavam para cenários muito realistas, às vezes quase plausíveis.

Quando vivi em Londres, não resisti a reproduzir a pé os percursos do "Marca Amarela" e do Dr. Septimus. Ao entrar, um dia, no museu do Cairo, no Egito, a figura do Professor Grossgrabenstein (que só pode ter sido inspirada, "avant la lettre", no meu amigo Caetano da Cunha Reis) veio-me logo à memória - este último saído desses dois álbuns sem par que constituem "O Mistério da Grande Pirâmide". Até os Açores passaram pelas histórias de Jacobs, no "Enigma da Atlântida".

A trama jacobiana centra-se sempre numa dupla de amigos, um militar e um cientista, envolvidos na luta eterna, pelo lado do "bem", contra um inimigo permanente, Olrik, que encarna os vários males e que tem uma capacidade de sobrevivência que acaba por nos causar mesmo alguma admiração. As mulheres, confirmando uma misoginia muito própria de um certo período da banda desenhada europeia (mas não, curiosamente, dos "comics" americanos, sendo embora da mesma época), têm sempre um papel muito escasso nestas tramas, surgindo apenas com algum relevo nos álbuns desenhados pelos seguidores de Jacobs, já após a sua morte, em 1987.

A que propósito vem esta evocação? É que, há dias, dei conta de que tinha sido publicada uma “biografia” dessa “infamous” figura que é Olrik. E quem é que a escreve? O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Hubert Védrine e o seu filho Laurent, cineasta.

A Amazon fez-me hoje chegar o livro, num pacote de “takeaway” livresco que, às vezes, me dou ao luxo de consumir, nestes tempos de confinamento.

Hubert Védrine foi ministro dos Negócios Estrangeiros de França, durante o governo Jospin. Antes, havia sido íntimo colaborador de François Mitterrand, em torno de cuja figura fez um livro que considero essencial para melhor se perceber o antigo presidente - "Les Mondes de François Mitterrand".

É um homem sereno, que pensa a política externa com grande cuidado, sublinhando as vantagens de olhar os tempos em perspetiva, evitando juízos radicais ou moralistas, mas não caindo nunca num relativismo de "realpolitik".

Conheci-o bem quando, ao tempo em que ele era homólogo de Jaime Gama, nos cruzámos em dezenas de horas de reuniões, nos idos de 90, e, em especial, no processo de sucessão das presidências portuguesa e francesa, em 2000.

Foram tempos complexos, em que nem sempre estivemos de acordo, antes pelo contrário. Mas guardámos uma excelente relação pessoal, que prolongámos em encontros em Nova Iorque e, mais tarde, por várias vezes, em Paris. Falámos de muitas coisas, mas nunca calhou falarmos de Olrik...

Aproveito para contar um episódio passado com Védrine, há 21 anos, quase dia por dia, em Paris. 

Estávamos em finais de janeiro de 2000. Como secretário de Estado dos Assuntos Europeus, eu tinha ido a Paris, a convite do meu contraparte Pierre Moscovici, ministro-delegado para os Assuntos Europeus. Reuni com ele no Quai d’Orsay, onde almoçámos. Durante a refeição, chegou a indicação de que Hubert Védrine queria ver-me, no final da refeição.

Notei que Moscovici ficou intrigado. Védrine era o seu chefe, mas não era segredo para ninguém que as relações entre ambos eram muito difíceis. Imagino que, no momento, lhe tivesse passado pela cabeça que o ministro, que ele sabia que me conhecia pessoalmente muito bem, quisesse dizer-me algo à sua revelia, em particular. Porque sempre gostei de jogar com as cartas em cima da mesa, Lancei-lhe, de chofre: “Não queres vir comigo?” Hesitou, mas foi.

Quando entrámos no gabinete de Védrine, ainda nos não tínhamos sentado, este, sorrindo, disse-me: “Sabes que este é um momento quase histórico?”. Não percebi, mas ele explicou, com o esgar “mitterrandiano” que tinha: “Porque esta é uma das muito raras ocasiões em que o Pierre aqui veio, desde que ambos estamos no governo.” Moscovici riu, mas o riso foi bastante amarelo.

sexta-feira, janeiro 22, 2021

O novo amigo americano


Os Estados Unidos da América são um país amigo de Portugal. A nossa relação é muito assimétrica: para Portugal, a ligação transatlântica é um eixo central da nossa postura externa - o único que sobreviveu ao 25 de abril. Para os Estados Unidos, Portugal tem uma escassa importância como aliado. Pelo meio, estão, claro, as Lajes, mas até aí as coisas são o que são: para Washington já não é um dossiê vital, para Lisboa é um tema com diversos impactos, em especial internos. Por isso, existe sempre a expetativa de que uma nova administração o venha a tratar de uma forma que leve em conta os interesses que temos por relevantes. As desilusões, neste domínio, costumam ser bastantes, vale a pena dizer.

Não estou no segredo dos deuses, mas posso crer que foi imensa a satisfação, nas Necessidades e em S. Bento, pela saída de cena de Trump. E, em Belém, não deve ter havido luto.

Para aquilo que é a aposta externa portuguesa, o multilateralismo é uma doutrina que Lisboa de há muito cultiva. Ora Trump tinha enterrado essa via. Por isso, e porque a reeleição de Guterres é algo que agora também renasce com grande plausibilidade, a chegada de Biden é mais do que bem vinda. Custa-me dizer isto com estas palavras, mas, para nós, é muito confortável ver um país amigo, com a importância dos Estados Unidos, chefiados por um homem decente.

A administração Biden, muito “graças” a Trump, criou grandes expetativas por todo o mundo. Muito provavelmente muito maiores do que aquelas que conseguirá concretizar. A América de Trump não é a mesma de Biden, mas é importante ter presente que muitos dos interesses americanos, que a este vai cumprir defender, são precisamente os mesmos s que, de uma outra forma, Trump prosseguia. Por isso, para além do imenso mundo de mudanças que uma nova e constrastante administração acarretará, há “adquiridos” consagrados nos último ciclo político que não serão deixados cair nos anos que aí vêm. E a área das relações externas é, muito provavelmente, aquela onde isso poderá ser mais sensível. Posso estar equivocado, mas o Médio Oriente é o terreno onde, provavelmente sob uma nova linguagem, a fórmula clássica de Lampedusa tem mais condições para ser aplicada.

A Europa sofreu um trauma profundo com Trump. A Alemanha, em especial, ficou muito marcada pelo descaso a que foi votada pelos EUA, nos últimos anos. Enquanto que, num país como a França, Macron pode ter tido ainda a ilusão fátua de que poderia ser singularizado como o interlocutor europeu - como único poder nuclear e com capacidade militar significativa, depois do Brexit -, na Alemanha, a atitude de Trump foi sentida como uma rutura com os EUA. Há a sensação de que, mesmo que Biden possa tentar recolar o que se partiu, nada será igual no futuro. A menos que um pós-Merkel nos possa trazer sinais diferentes. A pressão alemã para fechar, mesmo à pressa, o acordo económico europeu com a China, sabida a importância que ao assunto seria sempre dada pela futura administração Biden, parece revelar que a ferida é muito profunda. 

Quando se acorda de um pesadelo, há uma sensação imediata de bem estar. Depois, damo-nos conta de que, embora tudo podendo ser pior, como no pesadelo, afinal, no dia a dia, também temos de reduzir ou atenuar as nossas ambições, porque a vida é o que é e não aquilo para que os sonhos apontam. A América de Biden é, antes de tudo, a América. Mas, para já, os aliados dos EUA parece terem ganho um novo amigo americano. E isso, aconteça o que vier a acontecer, é uma excelente notícia!

Lembrei-me do Luís


O Luís morava num primeiro andar na esquina da rua das Trinas com a rua das Praças, por cima do Berimbar. (Passei lá, há pouco, na minha caminhada noturna). O Luís era arquiteto e vivia com o Afonso, um brasileiro divertido, amigo de Malú Futscher Pereira. Com eles e com ela, algumas vezes, fomos jantar à “Adega dos Macacos”, uma tasca na praça dom Luís, que, por razões misteriosas (e gastronomicamente injustificáveis), a todos eles, que não a mim, caíra no goto. 

Um dia, em Angola, nos anos 80, o José Guilherme Stichini Vilela, que, como eu, era diplomata na embaixada, revelou-me que conhecera, já não sei por que luas, um arquiteto, a quem tinha encarregado da renovação de um velho apartamento que comprara, em Lisboa (e que, curiosamente, fica hoje a menos de 100 metros da minha casa, porque isto é uma aldeia). Olhei os desenhos e vi que estava perante um homem de extremo bom gosto. Chamava-se Luís Gomes de Abreu.

Nesse entretanto, também eu acabei por comprar um apartamento antigo, para os lados do Campo Pequeno, que queria remodelar. Escrevi ao Luís uma carta com 27 páginas dactilografadas, dizendo, com precisão, o que queria fazer na casa, que visitara por um quarto de hora e de que apenas tinha uma planta e fotografias. Respondeu-me com uma de 15, manuscrita, com uma letra curiosa. (Ele, entretanto, também escreveu ao Zé Guilherme, perguntando se “o seu amigo por acaso não é maluco”. Eu tinha era tempo!).

Fiz de conta que não sabia do comentário. Numa vinda a Portugal, conhecemo-nos e acordei tudo quanto ao trabalho. O vai e vem da mala diplomática já tinha arrumado todos os pormenores.

Não podia ter feito melhor opção. O seu profissionalismo era imenso, a sua engenhosidade era inesgotável, embora o seu preço não fosse nada barato. A obra saiu mesmo muito bem.

O Luís era uma figura interessante. Pesado, jovial, com um sorriso aberto, um pouco sarcástico, o que me dava justificação para o provocar. Andava sempre impecavelmente vestido. Não tinha um feitio fácil, era muito teimoso, muito orgulhoso daquilo que fazia, renitente, até à exaustão, às sugestões dos "donos das obras". Mas eu conseguia ser ainda mais obstinado e, como cliente, era “chatíssimo” (expressão dele, assumida). Exigi-lhe pormenores impensáveis: "nunca encontrei um cliente que me pedisse um desenho de uma sanca em tamanho natural, sem aceitar um desenho em escala", disse-me um dia: "só você!".

Tinha um atelier no Bairro Alto, ao lado de um dos mais sinistros restaurantes de Lisboa, o “Pucherus”, pouso de dias pouco abonados no final dos anos 60. Às vezes, partíamos do ateliê para jornadas bem divertidas. Ah! E, politicamente, o Luís era um reacionário “de primeira”. Discutíamos imenso e acho que ele se vingava cobrando caro. Mas as nossas "pegas" foram sempre cordiais, em noites de conversa e copos, divertidíssimas, em que ficámos amigos e, depois, quase vizinhos.

Recordo uma noite nossa com o Luís, no velho "Botequim", da Graça. Havia eleições uns dias depois, e, a certa altura, ele disse, em voz alta, que se ia abster. O que ele foi dizer! A boquilha da Natália avançou logo para nós, com o Luís a envolver-se numa homérica discussão com ela, que acabou por se mudar para a nossa mesa. A certa altura, o Luís disse para a Natália: “Mas nós até estamos de acordo na política! Este meu amigo é que é de esquerda!” Desastre! De repente, passei a alvo de Natália Correia, com o Luís divertido e o meu argumentário já um pouco debilitado pelo consumo líquido da noite. Já nem sei como aquilo acabou, lá para as quatro da manhã! Até o Dórdio a veio chamar várias vezes!

Voltei a ter o Luís como arquiteto, na casa onde hoje vivo. E, claro, voltámos a "pegar-nos" sobre a obra... Mas continuámos amigos. E ele continuava a fazer as coisas sempre muito bem.

Desde sempre, o Luís tinha uma rotina ímpar: era a primeira pessoa a mandar-nos boas-festas. Chegavam sempre no início de Dezembro. Já não chegam. O Luís morreu em 2012. A casa lá está, como a fotografia, de há minutos, mostra. Lembrei-me dele.

quarta-feira, janeiro 20, 2021

Dez “tweets” para uma posse


* Acho que a única pessoa que respeitou bem o distanciamento social na posse do presidente dos EUA foi Trump.


* Este é o dia em que devemos ter um pensamento para o pessoal de limpeza que, desde a saída de Trump, operou na Casa Branca. Que desinfeção não terá havido por lá em poucas horas!


* O dia ofereceu, finalmente, algum sol em Washington. Que tempo fará na Flórida? “Who cares?”, responde-me alguém ao meu lado.


* Lá vi na posse de Biden uma figura da pequena História americana a quem só Trump faria subir na hierarquia da competência política: Dan Quayle.


* Mike Pence foi o que foi e é o que é. Mas há que reconhecer que teve alguma dignidade, e não menor jogo de cintura, na pilotagem da transição. E não deve ter sido fácil.


* Na perspetiva do “establishment” republicano dos EUA, o preenchimento dos lugares do Supremo Tribunal feito por Trump passou a constituir uma imensa ajuda para a proteção futura da sua agenda ideológica.


*Quando ouço as marchas nas cerimónias americanas, não consigo desligar-me da “Tarde Desportiva da Emissora Nacional”: “Alô Nuno! Passo às Antas!”. Mas isso sou eu que tenho tempo para ter memória!


* Raramente vi tanta incompetência na gestão do protocolo de uma cerimónia desta envergadura. As pessoas andavam perdidas, as esperas foram imensas, até o tipo que desinfetava o podium dos oradores parecia tirado de uma comédia.


* A inabilidade política de Trump ficou demonstrada no seu patético discurso de despedida. Fazê-lo de improviso foi um imenso erro histórico. Foi uma mensagem errática, com referência ridículas e a adjetivação habitual. Não conseguiu roubar minimamente o “show” a Biden.


* O discurso de Biden foi bom, mas sem nenhum rasgo. Biden não “diz” bem, nem empolga, mas transpira decência e desejo de fazer bem. E não é Trump!


Bom senso e bom gosto


A experiência demonstra que o sistema político, instituído em 1976, privilegia a reeleição do presidente em exercício. A cada inquilino que colocou em Belém, o eleitorado concedeu sempre uma década no cargo.

A eleição intercalar nem sequer obrigou nenhum incumbente a uma segunda volta. Acaba por funcionar apenas como um retrato do estado da arte no mundo político. Estando o resultado determinado, o exercício permite, contudo, testar a fidelidade dos eleitorados partidários.

Em 1981, Eanes foi quem teve a tarefa mais complexa, ao ser confrontado por um desafio conservador que, no entanto, já havia morrido, de véspera, em Camarate. Soares viria a ter pela frente, em 1991, um Basílio Horta surpreendentemente radical. Isso nem sequer se repetiria em 2001, quando Ferreira do Amaral se prestou a marcar apenas o ponto contra Sampaio. Alguma exasperação face a esta inevitabilidade da recondução automática foi notória no confronto a Cavaco por Manuel Alegre, em 2011. Mas acabou por ter o grau habitual de sucesso, isto é, nenhum. E o mesmo vai suceder no domingo.

Por que será que as coisas se passam sempre assim? Não há a quem perguntar, mas, muito provavelmente, isso deve-se ao facto do presidente que “já” está em Belém ser visto pelos eleitores como um fator de estabilidade do sistema. Mais do que isso: pela circunstância da maioria dos votantes parecer não descortinar razões para introduzir, com a afirmação de uma nova cara, uma rutura com essa normalidade instalada.

Um observador exterior será levado a questionar-se sobre se, afinal, neste meio século, o eleitorado apenas fez escolhas quando isso se tornou constitucionalmente inevitável. No fundo - e já estamos a ver o olho guloso de alguns monárquicos a reluzir - o país dá sinais de pretender preservar o máximo de estabilidade possível na chefia do Estado.

Olhadas as escolhas feitas, o eleitorado deu sempre mostras de querer ter, nessa função superior, senadores políticos.

Eanes terá sido um caso especial, porque trazia já os galões de ser um dos fundadores militares da democracia.

Marcelo Rebelo de Sousa era, de há muito, um estadista em construção e, sem que isso seja passível da menor contestação, confirmou sê-lo, nos cinco anos que agora se concluem. A preservação da estabilidade em democracia, o primado do diálogo e um forte sentido de responsabilidade de Estado foram sempre a sua imagem de marca. Por essa razão, a sua reeleição consagra-se como um ato não apenas de bom senso mas igualmente de bom gosto democráticos.

No dia em que...



 ... até a imagem histórica de Richard Nixon sai reforçada na História.

Nem gato!


Dei a minha volta noturna. Perto de casa, claro. Lisboa está com imensa humidade, mas o frio, mesmo com algum vento, faz-me sentir bem. Estar encafuado o dia inteiro, como as circunstâncias obrigam, entre zooms e telefonemas, faz com que o fresco do ar da rua, agora bem menos poluído, me revigore. Tal como nas noites anteriores, nestas peregrinações solitárias a que já me habituei, cruzo-me com muito pouca gente, mesmo muito pouca. Quase todas essas pessoas trazem cães pela trela. Ora eu nem gato tenho, mas, se tivesse, numa interpretação extensiva da lei (como parece que está na moda incívica fazer, durante a pandemia), poderia passeá-lo? Creio que não. Pensando bem, não me lembro de ter visto alguém passear um gato, alguma vez, pelas noites de Lisboa. E, no entanto, interrogo-me: os gatos não passeiam? Tenho de perguntar à minha sobrinha, que os não dispensa por companhia, mas que nunca vi andar com eles no Jardim da Parada. Com o que a gente finge que se preocupa, quando queremos “assobiar para o ar”, a afugentar as reais questões da vida em que agora andamos! Boa noite.

terça-feira, janeiro 19, 2021

“Trump ganhou!”

Quando disse a alguém que ia publicar o texto que vem a seguir, ela tentou dissuadir-me: “Não publiques! Há pessoas que podem não perceber.” Decidi correr o risco.

Na noite de 4 para 5 de novembro de 2020, quando estava a ver os resultados das eleições nos Estados Unidos, houve um momento em que me convenci de que Trump ia ser reeleito.

Para encher o tempo, entre a irritação e alguns nervos, coloquei rapidamente no papel (falso, no iPad) um texto de comentário à “vitória” de Trump. Não o publiquei, por prudência. E fui-me deitar. Acordei, surpreendido, umas horas depois, com a possibilidade de uma vitória de Joe Biden. Mal eu sabia a “novela” que essa eleição ainda iria ser.

Trump perdeu, Biden ganhou. Há dias, ao fazer uma limpeza dos rascunhos que tinha “em caixa”, dei com isto. Achei que era curioso publicar este texto contrafactual, precisamente na véspera da posse de Joe Biden. É que é tão raro ficarmos felizes por nos termos enganado. 

Trump, again!

Contra o mundo, contra a pandemia, uma vez mais contra as sondagens, Trump renova o seu mandato. É obra!

Biden, mesmo com a novidade de ter Kamala Harris a seu lado, revelou-se um candidato pouco mobilizador. E vai desaparecer rapidamente, na reciclagem da História.

É a vida!, como costumava dizer um cidadão português, hoje em Manhattan, que tem razões para ver a vida da organização que dirige a andar para trás.

Com esta nova vitória de Trump, com grande probabilidade, vamos ver ruir, com fragor, um sistema multilateral no qual grande parte do mundo colocou, por décadas, as suas esperanças de paz e de progresso. Dossiês vitais para a sustentabilidade global, como o das alterações climáticas, vão ter um destino previsivelmente adverso e trágico para toda a humanidade.

Mas o que tem de ser tem muita força, e o mundo tem de se adaptar à realidade de ter de viver com Trump por mais quatro anos: com a sua megalomania, com as suas mentiras, com o seu autoritarismo, com as suas bizarras opções políticas. O anti-americanismo, que por cá tem raízes profundas, que partiram do salazarismo bafiento para chegarem ao esquerdismo auto-iluminado, vai encontrar novas razões para prosperar. 

A América pode vir a ter ainda um outro desafio: a reconstrução de uma alternativa, no período pós-Trump. É que o Partido Democrático, que tinha encontrado em Biden, conjunturalmente, um denominador comum centrista, de natureza tática, pode vir a ser tentado a uma deriva radical, o que reduzirá ainda mais as suas hipóteses de um regresso futuro ao poder.

Para o que mais diretamente nos importa, a Europa terá de fazer pela vida e aprender a conviver com a continuação de um aliado hostil na Casa Branca. Restará saber se o laço transatlântico conseguirá resistir a mais estes anos de Trump. Imagino mesmo os sorrisos no Kremlin, esta madrugada. E algo me faz pensar que os chineses preferem Trump a uma alternativa democrática, que teria uma muito maior capacidade para gizar uma frente de democracias contra os interesses da China.

Finalmente, sejamos justos: há que dar os parabéns aos populistas, aos demagogos, aos Bolsonaros e toda a casta de autoritários que, neste dia, saem reforçados nas suas agendas.

Valha-nos, porém, uma certeza: com ou sem Trump, a vida continua! Não vai ser fácil, mas na História não há becos: há sempre saídas! Pode é ser mais difícil e demorar mais tempo a encontrá-las.”

Uma pátria de sábios

O tanto que por aqui se aprende sobre o que “se deve fazer” para combater a pandemia! Terá havido cursos, nestes meses, para toda esta gente?

A minha dúvida é já a minha pena: quando a pandemia acabar, o que irão fazer estes grandes especialistas? Incêndios? Novo aeroporto? TGV?

Mesas perdidas




Foi no início deste século. Tinha tido o cuidado de telefonar para aquele restaurante, nas cercanias de Vila Real, por terras por onde Camilo tinha andado, pedindo para terem preparado um determinado prato, para ser servido logo que chegássemos.

A pressa era justificada pelo facto do levarmos connosco uma pessoa muito idosa, cujo tempo de permanência à mesa queríamos encurtar, por razões de saúde. Explicámos isso mesmo. Foi-nos prometido que tudo seria feito como desejávamos.

Chegámos, naturalmente, à hora acordada. Era um domingo soalheiro, com uma luminosidade que entrava pelo envidraçado da sala, já com alguns clientes. A nossa mesa lá estava, indicada pelo empregado que nos recebia, que constatei ser a pessoa com quem eu havia combinado as coisas. Era, aliás, o único empregado visível no restaurante.

Notei-o, desde o início, um tanto tenso. O tempo foi passando e começámos a perceber que o pedido que eu tivera o cuidado antecipado de fazer afinal não estava pronto. Chamei o empregado e fiz notar o meu desagrado. Já não sei como, percebi que comungava do meu mal-estar, com uma atitude que revelava a sua impotência.

Não tinha passado um minuto quando, entre a sala e a cozinha, entre o empregado e um cavalheiro de dava ares de dono, se criou uma altercação ruidosa. Os nossos pedidos estariam, ao que parece, no centro da polémica: o empregado havia-os transmitido, a tempo e horas, mas não fora dada sequência útil à sua indicação. Agora, era a sua cara, perante o cliente, que estava em causa. Daí a indignação, pelo descaso que afetava a imagem profissional do seu serviço.

Os olhares das mesas convergiam para a troca de argumentos, a qual, na lógica habitual destas coisas, sabíamos que acabaria por ser resolvida a favor do patrão.

Naquele dia, porém, as coisas passaram-se de forma diferente. O incidente com o nosso pedido fora, aparentemente, a gota de água que faz transbordar o copo. Mas, com toda a certeza, haveria por ali muitas coisas acumuladas do passado. A voz do empregado foi subindo de tom, sem que o que dizia o seu interlocutor acabasse por prevalecer: “Sabe que mais? O senhor não sabe dirigir um restaurante! Estou farto! Vou-me embora!” - e a sala, incrédula, viu aquele que era o único empregado atirar o avental para um balcão e sair porta fora.

O patrão, desautorizado, de cara fechada, teve de tomar conta das mesas, Da cozinha, em emergência, avançou, para o ajudar, uma figura feminina, como último recurso. Já nem recordo como se comeu, embora tenha, na memória acumulada de todas as vezes em que por ali passei, a ideia de um declínio inexorável da oferta. Há restaurantes que passam, perdidos no tempo.

Devo ser um recordista mundial de cenas similares. Por duas vezes, ambas nos anos 70, assisti a episódios com idênticos contornos, uma vez num restaurante de Loures, outra, não muito longe, na Flamenga, junto a Santo António dos Cavaleiros, onde então vivia. Da segunda vez, houve mesmo pugilato à mistura, somando uma coreografia de espetáculo à refeição. Sem preço acrescido, diga-se.

Passaram alguns anos. Estava num grande jantar de aniversário, na sala do único hotel de Vila Real. Já tínhamos ouvido o Abreu ao piano e a refeição corria normalmente. A certo passo, o empregado que me servia perguntou-me, em tom baixo, com um sorriso: “Já não se lembra de mim, pois não?”. Olhei para ele e, de facto, a cara nada me dizia. Ele adiantou: “Não está recordado de uma cena num restaurante, aqui perto da cidade, com o empregado a ir-se embora a meio de uma refeição?” Fez-se-me luz! Era ele! Ali estava, felizmente com emprego! Fiquei com uma grande simpatia por aquele homem. Afinal, eu estivera na origem imediata de um capítulo marcante da sua vida.

segunda-feira, janeiro 18, 2021

Pandemia

Gostei bastante da prestação de hoje de António Costa. Quase tanto quanto me tinha desagradado o modo de apresentação demasiado improvisado na passada quinta-feira.

Sei que isto vai irritar muita gente, mas, numa crise desta gravidade, sinto grande segurança em tê-lo como primeiro-ministro.

Hipocrisia

Não é popular dizer isto, mas exonerar os cidadãos das suas responsabilidades cívicas, pelo seu comportamento na pandemia, fazendo do governo o bode expiatório de todas as culpas - por não forçar os portugueses a fazer aquilo que eles não querem fazer - é uma imensa hipocrisia.

Voto eletrónico

Num mundo em que a necessidade da deslocação física tenderá a ser progressivamente atenuada pelo recurso aos meios digitais, não seria sensato começar a discutir - com serenidade, sem preconceitos e sem teorias conspiratórias à mistura - a questão do voto eletrónico?

domingo, janeiro 17, 2021

Então e a reflexão?


Há anos que ando a dizer que o “dia de reflexão”, as 24 horas sem campanha antes do dia do voto, é uma coisa ridícula, um atestado de menorização da capacidade dos eleitores decidirem por si próprios.

A possibilidade do voto antecipado revela ainda melhor o contrasenso da medida.

sábado, janeiro 16, 2021

“Observare”


Nesta altura em que passam 30 anos desde a primeira Guerra do Golfo, na qual uma coligação de 35 países, liderada pelos Estados Unidos, munida de um mandato do Conselho de Segurança da ONU, reagiu militarmente à invasão do Kuwait pelo Iraque, o “Observare” convidou a professora Patrícia Galvão Teles para connosco analisar o estado do multilateralismo. E também abordaremos a diplomacia das vacinas. Por ali falarei também da tomada de posição coletiva dos chefes militares americanos e da recandidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU.

Pode ver este programa na TVI 24, de sábado para domingo, depois do noticiário da meia-noite.

Confinamento ?

Ontem, o anunciado confinamento claramente falhou.

Hoje, ao que consta, há imensa gente por aí a gozar o sol, “nas tintas” para a lei de exceção.

Quando um governo dramatiza uma situação - e bem, em função de uma tragédia coletiva cada vez mais evidente - e aquilo que esse governo determina não é cumprido, ao que parece por uma utilização abusiva das exceções que se pensava irem ser utilizadas com honestidade e bom senso, somos obrigados a concluir que estamos perante uma diluição perigosa da autoridade do Estado. 

Ao contrário do que se possa pensar, a democracia não concede aos cidadãos o direito individual de decidir sobre aquilo que devem cumprir, dentro daquilo que lhe é indicado como devendo ser cumprido. A lei não é “facultativa”.

Como cidadão, tenho o direito de ver respeitado pelos outros aquilo que a autoridade democrática - isto é, o poder legítimo, que o nosso voto coletivo escolheu - determinou que deva ser feito.

Ao contrário do que uma leitura primária - mas também saloia e egoísta - pode concluir, cada um poder fazer “o que lhe der na real gana” não significa liberdade, representa apenas o primado de um arbítrio que acaba por limitar os nossos direitos cívicos.

sexta-feira, janeiro 15, 2021

A Europa e o unanimismo


Deve uma Presidência portuguesa da União Europeia obrigar todas as forças políticas a um compromisso de lealdade, ocultando divergências, para não pôr em causa a imagem externa do país, no semestre de exercício?

Sendo desejável que todos possam remar para o mesmo lado, creio que, nos dias de hoje, num ambiente político tão tenso como o que se vive, será pedir demais que essa tendencial regra possa ser aceite como incontroversa.

Daí que não tenha ficado surpreendido ao ver a denúncia política, feita lá fora pela oposição interna, a propósito do nome de um magistrado indicado pelo governo para um cargo europeu.

Embora num registo bem diferente, decidi lembrar hoje um episódio antigo.

Há mais de duas décadas, quando, no governo, me coube coordenar a fixação do programa da Presidência europeia que iria ser exercida por Portugal, fui a Estrasburgo, para reuniões preparatórias no Parlamento Europeu.

Para além do “caminho das pedras” dos diversos órgãos da instituição, pedi para ver, em privado, os líderes parlamentares dos deputados portugueses.

Expliquei a cada um, com pormenor, a racionalidade das escolhas que o governo tinha feito, na elaboração da agenda para o semestre. (Escusado será dizer que a nossa margem de manobra era então muito maior, encontrando-se hoje as presidências mais limitadas na sua liberdade de ação).

Nas conversas, revelei que não tínhamos colocado no texto do nosso programa a realização de uma Cimeira UE-África, que era nossa intenção organizar e que, aliás, acabaria por vir a constituir um grande sucesso da nossa Presidência.

Porquê essa omissão? Porque, naquele momento, não tínhamos ainda a certeza de poder organizar esse evento. A então Organização da Unidade Africana (OUA) , interlocutor africano da UE, não admitia que Marrocos - país que estava fora da organização - estivesse presente na reunião. Para Portugal, por razões óbvias, era impensável organizá-lo sem um parceiro como Marrocos. Em confidência, dei então a conhecer as diligências que estávamos a empreender, mas não me comprometi com um eventual sucesso dessa nossa atividade.

Tinha seguido esse procedimento - uma partilha no pressuposto do sentido de Estado dos meus interlocutores, que julguei unidos pelo desejo de ajudarem ao sucesso da Presidência do seu país - porque me pareceu ser, da minha parte, a assunção de um mínimo de lealdade: os deputados ficariam surpreendidos se um dia tal cimeira viesse a surgir e eu os não tivesse alertado para tal, naquela conversa.

Fui ingénuo. No dia seguinte, um dos responsáveis políticos da oposição em Estrasburgo não resistiu e comentou com os correspondentes da nossa imprensa que sabia que o governo português estava a ter dificuldades em organizar uma cimeira euro-africana.

Os jornalistas, claro, caíram logo sobre mim, inquirindo sobre esse ponto, do qual, na conversa que com eles tivera, eu lhes não havia falado. Felizmente que foi possível concretizar a reunião, caso contrário a grande notícia iria ser esse “falhanço” da nossa Presidência...

quarta-feira, janeiro 13, 2021

Pandemia (3)

No dia em que, em Portugal, morre uma pessoa a cada 10 minutos, vou deixar algumas frases que ouvi no último mês:

- “Mas que importância pode ter mais uma ou duas pessoas à mesa?”.

- “Então eu ia lá ter uma ceia de Natal sem os meus netos!

- “São nossos amigos, caramba! Gente que sabemos que se protege! Claro que podemos ir ao restaurante os quatro”.

- “Há limites para tudo! Alguns riscos temos de correr, senão damos em doidos!”.

- “É pá! Desculpa lá, mas é um exagero estarmos aqui na sala com máscara!

- “Não queres ir no carro connosco? Nem com máscara? Estás paranóico!

Pandemia (2)

É muito curioso que se diga que o governo errou ao tornar mais flexível o regime de deslocações e reuniões no período de Natal e, ao mesmo tempo, as autoridades sejam acusadas de não permitirem comportamentos com implicações positivas no funcionamento da economia. Em que ficamos? Confia-se ou não na auto-regulação?

Pandemia

Sente-se alguma desorientação oficial na questão da pandemia, aliás um pouco como acontece por todo o mundo. Para o comum dos cidadãos, resulta uma imagem de hesitação, que não favorece a aceitação das medidas. E o governo é "preso por ter cão, preso por não ter".

Militares americanos


Ver os comandos militares americanos a afirmarem o que afirmam neste comunicado é uma óbvia garantia para a democracia americana.

Porém, o facto de assumirem uma posição coletiva precisamente neste momento, quando a posse já não parecia oferecer quaisquer dúvidas, dada a consonância de todas as instituições, pode parecer desajustado a um corpo que está sujeito à tutela civil - e não o contrário.

O debate que faltou


Não foi uma surpresa constatar que a política externa está quase ausente do debate eleitoral. E não se diga que o papel do Presidente da República, no modelo constitucional semi-presidencialista que temos, não comporta uma dimensão externa importante, quer na área dos Negócios Estrangeiros, quer como comandante supremo das Forças Armadas.

Penso que é interessante poder garantir um largo consenso em torno das questões que se prendem com a dimensão internacional do país, retirando-as do terreno da polémica fácil. Nelas incluo a temática europeia, mas, igualmente, o papel das Forças Armadas e a nossa política de alianças.

Devo, contudo, dizer que acho bastante empobrecedor para o nosso debate político que as grandes questões que envolvem o lugar de Portugal no mundo, e as políticas públicas que lhe servem de suporte, escapem, por sistema, a uma análise substantiva de fundo. Porque isso só facilita que, por falta de uma consciencialização amadurecida sobre essas opções, esses temas sejam regularmente capturados por discursos marcados por uma ligeireza demagógica.

Os consensos, por muito desejáveis que sejam, não devem ser formados em torno de silêncios, mas devem surgir como a decantação de um debate plural, sobre se se deve seguir um caminho e não outro.

Nestas eleições presidenciais há um recandidato com larga experiência das questões externas, que maneja com grande facilidade. Há uma diplomata com uma vasta prática profissional e política. Estão igualmente presentes dois candidatos com assento no Parlamento Europeu.

Teria assim sido muito interessante ouvi-los discutir, desde logo, sobre se o modo como tem vindo a ser exercido, pelos sucessivos chefes do Estado, a competência de que dispõem na ordem externa é o correto ou se, afinal, essa intervenção deveria assumir outro formato.

Teríamos ganhado bastante se tivéssemos ouvido os candidatos falar do modo como Portugal deve atuar na Europa, do modelo institucional desta, da forma como olham a compatibilidade das soberanias nacionais com o projeto europeu, ligando isto às questões da livre circulação, à atitude perante os refugiados e os migrantes económicos.

E, como já se percebeu, não é indiferente quem esteja em Belém quando se trata de pensar nas nossas alianças preferenciais, num tempo de Brexit, nas prioridades a dar ao laço transatlântico, no maior ou menor empenhamento no espaço lusófono, mas também nesse eterno tema polémico que é o modo de enquadrar institucionalmente a vontade política da nossa diáspora.

terça-feira, janeiro 12, 2021

O Porto, claro!


Por razões lúdicas e profissionais, sou, de há muito, um utente da hospedagem portuense.

Às vezes, já tenho perguntado a mim mesmo onde é que, por lá (por aqui, porque estou hoje no Porto), já dormi. Hoje, decidi responder.

É claro que, noutros tempos, havia a casa do tio Óscar e da tia Maria, na Ramada Alta, quando vínhamos “aos especialistas” ao Porto.

Noutras vezes, houve a moradia do Eduardo Sá Carneiro, na Antunes Guimarães, com coleções do Tintin pelas estantes, que me faziam adormecer ao acordar do dia.

E também a casa do sogro dele, o professor Pedro Carvalho, e a dona Guiomar, em Oliveira Monteiro, com pequenos almoços cerimoniosos.

Desconto, naturalmente, o meu lar universitário por um ano na rua da Torrinha, umas noites avulsas, e convulsas, no lar Gomes Teixeira, na rua do Rosário, ou o ano passado na “casa da velha”, na Miguel Bombarda, no quarto alugado a meias com o Albano Tamegão.

E já nem conto, claro, a casa da Mariita e do Manel, na Senhora da Hora, de que cheguei a ter chave!

Ou a do meu primo Rui, na Foz, quando nos apetece, porque a família é “estar em casa”.

Apenas aqui quero falar das casas “tarifadas”, com contas redondas ao fim-da-manhã, sem afetividades nem confianças. Coisas de papel passado, com NIF e tudo!

A primeira casa desse género, de que me lembro, terá sido, porventura o “Solar da Conga”, no Bonjardim, uma sugestão (sinistra, diga-se) do Eurico Gama.

Tenho também uma leve memória de uma pensão nos Aliados, à direita de quem sobe, mas pode ter sido apenas um pesadelo.

Houve também, ao que vagamente recordo, uma albergaria (lembram-se do tempo das “albergarias”?), numa rua aos Poveiros, perto daquele estacionamento feiíssimo que por ali há.

Passados muitos anos, nos idos de 80, regressado de Angola, lembro-me de me ter alojado no “Méridien” (em que os portuenses teimam em acentuar a segunda sílaba), agora crismado de “”Crown Plaza”. Foi, ao que julgo, o primeiro sítio “sério” onde me alojei, pagando, no Porto.

Depois, a partir daí, foi uma imensidão!

Estive algumas vezes no “Hotel da Boavista”, tendo alternado entre uma ala antiga (“délabrée”) e uma ala nova (sem a menor graça).

A sorte levou-me depois, em diversas ocasiões, ao “Sheraton”, quer na sua encarnação na avenida da Boavista (hoje “Porto Palácio”), quer à sua (excelente) forma atual, ali ao pé, com o envidraçado algo erótico das casas de banho sobre o quarto.

Ainda na zona da Boavista, descontando o simpático mas incaraterístico “Bessa Hotel” e um (então abaixo do razoável, só com a vantagem de ter uma loja de chocolates Arcádia no rés-do-chão) “Portus Cale Boavista”, preferi várias vezes o quase vizinho “Hotel da Música”, integrado no mercado do Bom Sucesso, francamente bem melhor do que o “Hotel Tuela”, um clássico (muito triste, convenhamos) espaço ali “à beira”.

Não muito longe, no Campo Alegre, fiz os dois Ipanemas: o “Park”, uma das minhas hospedarias costumeiras (ainda na passada semana lá dormi), e o Ipanema Campo Alegre, simpático “ma non troppo”, apenas com a vantagem de ter o “Capa Negra” à mão de semear.

Mais junto ao Douro, o “Pestana”, frente ao cubo, já foi, durante anos, o “meu” hotel na cidade, não obstante o estacionamento quase impossível. Até lá tive um quarto preferido! Depois, o hotel “endoidou” nos preços e eu disse-lhe adeus.

A esse nível de dispêndio, passou a valer a pena o clássico “Infante de Sagres”, a que não voltei desde que foi remodelado, com medo de que mantenham o bar tão mal-tratado como da última vez em que por lá dormi: um susto!

Se quiserem uma experiência diferente (e mais não digo!), ali pela Restauração, quem desce do Hospital de Santo António para o Rio, experimentem a diversidade do “Torel”! Um chá na sala envidraçada, ao fim da tarde, pode ser um belo momento.

Outras experiências? O “Dom Henrique”, junto ao Silo Auto, sem o menor interesse, para além da vista magnífica do bar.

Cómodo, mas sem qualquer graça, é o “Vila Galé” da Fernão de Magalhães. Várias vezes lá fiquei, numa delas no andar de topo, com uma vista soberba sobre a cidade. Mas foi tudo o que dali me ficou.

Numa das ocasiões em que dormi no “Intercontinental”, no passeio das Cardosas, no fundo da Praça Dom Pedro IV, no fundo dos Aliados, recordo que me saiu em rifa um quarto de esquina (sobre a estação de São Bento, a 31 de janeiro/Santo António e a praça), com uma vista deslumbrante. Mas aqueles corredores sem gente lembravam-me, sinistramente, o “Shinning”!

E mais? Dormi também num “Porto Trindade”, bem simples, numa noite em que cheguei inopinadamente de Paris.

Também pernoitei num “Vila Galé Ribeira”, de que me não queixo, entre a Alfândega e Massarelos.

E de duas noites no Eurostars Centro, junto à Brasileira (avisaram, mas eu não acreditei, que, a partir das oito horas, a classe operária entrava em ação numa obra vizinha!).

Mais recentemente, tive uma experiência, bastante agradável, no renovado Grande Hotel do Porto, em Santa Catarina.

Mas é isso “apenas” que conheces do Porto, estarão a perguntar-se os meus amigos, alguns “da onça”? 

Mas há coisas que ainda não conheço, desculpem lá! Confesso que ainda não dormi no luxuosíssimo Monumental dos Aliados, no Pestana da Brasileira, no Porto Bay das Flores (nem no Porto Bay Teatro, não obstante o clamor do meu amigo e proprietário Bernardo Trindade), nem no Vila Foz, na Foz, de que muito me falam agora.

Imperdoável, já sei!, é não ter nunca ficado do Yeatman, em Gaia, onde já refeiçoei algumas vezes, mas que acho muito caro.

Mas, já que falamos em “arredores”, anoto que pernoitei várias vezes no “Palácio do Freixo”, no dito Freixo, e, para nunca mais, no “Sea Porto”, em Matosinhos, um falso “quatro estrelas”.

Mas o que é que estás a fazer agora no Porto?, perguntava-me um amigo curioso, há pouco. Onde estás a dormir?

Muito simplesmente, no “Eurostars Heroísmo”, na rua com o mesmo nome, naquele que é o meu pouso preferido no Porto, sem arrebiques nem pretensões, um quatro estrelas que, de há muito, considero a melhor relação qualidade-preço da cidade e arredores. E não me fazem o menor desconto por estar aqui a fazer publicidade deles! A sério!

O “Eurostars Heroísmo” (na imagem) tem uma garagem soberba, fica bem perto da da estação ferroviária de Campanhã e a dez metros (juro!) de um dos melhores lugares para se comer no Porto - a “Cozinha do Manel”, do meu amigo José António. O hotel fica também a cinco minutos de carro do meu local de trabalho no Porto.

E, se quiserem, há outras opções restaurativas por ali, como a “Casa Nanda”, na rua da Alegria. E ainda sobram saudades da “Casa Aleixo”, no fundo da rua.

Se acaso ainda não estiverem satisfeitos, peçam-me mais: poderei dar ainda alguma dicas mais sobre onde dormir bem no Porto! Conheço “mal” esta bela cidade, como repararam, mas farei um esforço!

segunda-feira, janeiro 11, 2021

François Mitterrand


François Mitterrand morreu há 25 anos, depois de 14 anos consecutivos como presidente da França. Homem da IV República, onde teve cargos de governo, foi um dos mais ferozes opositores de De Gaulle, a quem forçou a uma segunda volta numas eleições presidenciais.

Desprezava a V República, mas esta assentou como uma luva ao seu estilo “royaliste”. Manipulador, sedutor, excelente escritor, cínico, culto, inteligente e matreiro, entre tantas outras muitas qualidades e grandes defeitos, veria o termo do seu tempo político marcado por acusações de ligação premiada ao colaboracionismo, ele que, paradoxalmente, também tinha “medalhas” de resistente, bem como pela revelação da existência de uma filha tardia, fora do casamento, o que acabou por humanizá-lo.

Há dias, pela Amazon, encomendei um livro sobre Mitterrand, editado em 1988, que ainda não conhecia. Não me canso de ler sobre ele e sobre o tempo que protagonizou. Visitei a terra onde foi eterno presidente da Câmara e estive no seu túmulo, mas, estranhamente, estou muito longe de ser um admirador fascinado dessa que foi uma das figuras mais complexas da vida política francesa.

Um dia, na única viagem que fiz com o casal Mário Soares, durante cerca de uma semana, em finais de 1995, com Mitterrand fora do Eliseu e já muito doente, o seu nome veio à conversa. Mário Soares, que o tinha como amigo, disse dele coisas muito simpáticas, contando algumas histórias, que infelizmente esqueci. Notei então a cara fechada de Maria Barroso. Claramente, não comungava a leitura que o marido fazia da personalidade de Mitterrand.

Passaram uns anos, oito ou nove. Uma noite, em Viena, tive Maria Barroso a jantar, em minha casa. Entre vários assuntos, falou-se de Mitterrand. Constatei, de novo, que a sua atitude não era muito positiva sobre a personagem. No final da refeição, puxou-me à parte e, com a firmeza de quem tinha ideias muito próprias e não gostava de deixar dúvidas sobre elas, disse-me o que pensava sobre François Mitterrand. Só posso dizer que não coincidia com a perspetiva do seu marido. E explicou-me porquê. Mas isso não vem aqui para o caso.

A terminar, deixo uma frase de Mitterrand, uma curiosa leitura do “mosaico” francês, num improviso de 1987, onde “nós” também estamos: “Nous sommes français, nos ancêtres les gaulois, un peu romains, un peu germains, un peu juifs, un peu italiens, un petit peu espagnols, de plus en plus portugais, peut-être, qui sait, polonais, et je me demande si déjà nous ne sommes pas un peu arabes."

domingo, janeiro 10, 2021

Bom senso?

Parece que faz parte do discurso político afirmar que se “confia” no bom-senso dos portugueses, para gerirem, com a necessária prudência, o seu comportamento social neste tempo de pandemia.

É uma perfeita hipocrisia estar a dizer isto! Todos sabemos que isto é falso!

No que me toca, e pelo que tenho visto por aí, não tenho a mais pequena confiança no bom-senso ou na prudência dos portugueses. Mais: os números mostram-me que tenho todas as razões para não confiar. E quem me está a ler sabe que isso é assim.

Mas todos já percebemos que não há coragem, por parte do poder político - do presidente ao governo e aos partidos - para dizer, alto e bom som, esta simples verdade: há imensos cidadãos portugueses que são uns completos irresponsáveis, que, por egoísmo ou inconsciência, adotam comportamentos que põem em risco a sua saúde e a dos outros, assim contribuindo para a crescente pressão sobre os serviços públicos de saúde, atrasando a recuperação da normalidadade da vida social e económica do país.

“Observare”


Quem se interessar pode ver aqui a edição desta semana do programa de relações internacionais “Observare”.

Em menos de 40 minutos, analisamos a situação nos Estados Unidos e o acordo entre a União Europeia e a China. Em termos mais breves, falamos de outros seis temas de relevância internacional e até deixamos uma sugestão de um filme.

Quem quiser contactar-nos, com críticas, ideias ou até elogios, esteja à vontade para o fazer para observare@tvi.pt

O avental do “Petróleo”


Não recordo onde é que o José Guilherme Stichini Vilela, “ministro-conselheiro” na embaixada em Luanda, terá desencantado a figura do “Petróleo”. A verdade é que foi ele o cozinheiro que passou a trabalhar no apartamento que, a partir de 1982, o Zé Guilherme ocupou na avenida 4 de fevereiro, em frente à baía de Luanda. O Zé Guilherme, um querido amigo, já se foi há alguns anos.

O “Petróleo”, nome cuja origem também desconheço, era um homem sempre sorridente, o que não era de estranhar: o Zé Guilherme pagava-lhe muito bem, acima da “tabela”, oferecia-lhe imensas coisas e, por isso, ele andava imensamente contente. Falava muito mal português. Como alguns dos nossos jogadores de futebol, identificava-se na terceira pessoa: “O ‘Petróleo’ foi ontem ao mercado...” Ensinado pelo Zé Guilherme, o “Petróleo” fez-se, com o tempo, um excelente cozinheiro.

Uma noite, o Zé Guilherme organizou, na sua sala com varanda sobre a avenida, um largo jantar para alguns dos muitos amigos que tinha em Luanda. Para além dos “habitués” da embaixada, com o embaixador Pinto da França à cabeça, dessa vez era gente um pouco mais velha do que o habitual, com alguma cerimónia, casais da antiga sociedade portuguesa que permanecia nessa Luanda recém-independente - Pedro da Cunha, Chico Neto, etc. E, claro, o Fernando Valpaços, a Lacas, a Ana Poppe, com certeza também o Vasco Correia Mendes.

O “Petróleo” servia pela sala, envergando nessa noite um belo avental, com o clássico moto “Kiss the cook” (beije o cozinheiro), então muito em voga nos países anglo-saxónicos, uma oferta que o Zé Guilherme tinha recebido conjuntamente com uma assinatura anual da “Time”.

Não sei em que ponto do jantar é que começaram os sorrisos. À passagem do “Petróleo” entre as mesas e os sofás, notaram-se, a certa altura, alguns sussurros. De início era murmúrios, com risadas, ao ouvido dos vizinhos. Partiu de uma das mesas, depois a onda sorridente espalhou-se pela sala, acelerando a cada passagem do empregado. Algumas das senhoras presentes, da Lilita à Sofia ou à Maria do Céu, notavam os rumores, mas, aparentemente, não entendiam o que se passava. Outros, os alertados, optavam por nada lhes dizer. A certa altura, avisado por alguém, o Zé Guilherme zarpou para a cozinha, na peugada do “Petróleo”. E lá resolveu o “assunto”!

Mas, afinal, o que é que se tinha passado? Nada de mais, na minha opinião! Um dos convidados, de que a História não acolheu o nome, numa sortida à cozinha, terá convencido o bom do “Petróleo” a deixar fazer, no seu avental, uma pequena e rápida operação, com um daqueles sprays brancos para tirar nódoas, promovendo uma ligeiríssima alteração na segunda letra “o” da palavra “cook”, transformando-a num “c”. Apenas isso!

Não me consta que, nessa noite, se tenha descoberto quem foi o autor da marosca. A mim, o “Petróleo” tinha-me prometido não revelar o nome do “artista”...

sábado, janeiro 09, 2021

Graça


Há dias em que podemos achar alguma graça aos “fachos”.

Saudades de Trump


Vou ter saudades do Trump: teve o considerável mérito de me pôr de acordo, nos últimos quatro anos, com gente de quem discordo em praticamente tudo o resto.

“Observare”


Com o confinamento, não há desculpas para não verem, na TVI 24, deste sábado para domingo, como habitualmente depois do noticiário da meia-noite, a edição desta semana do “Observare”, programa de análise das questões internacionais. Lá estarei, com Carlos Gaspar e Luis Tomé, sob a moderação de Filipe Caetano.

Como é evidente, começaremos pela situação americana, mas daremos igualmente destaque ao acordo económico entre a União Europeia e a China. Pela minha parte, falarei da crescente repressão às liberdades em Hong Kong e da distensão em torno do Qatar, depois de três anos de bloqueio por parte do seus vizinhos, liderados pela Arábia Saudita.

A partir de agora, o programa passa a ter uma “caixa” para comentários, sugestões e críticas. Quem nos quiser contactar pode fazê-lo através do endereço de email observare@tvi.pt .

Samuel Pisar


Há dias em que, por precipitação, falamos demais. Em 2012, num jantar em Paris (alguns comentadores acham que a vida dos diplomatas é feita de jantares: é verdade, os diplomatas têm o hábito, quiçá excessivo, de jantar uma vez por dia), fiquei sentado próximo de um cavalheiro, já de certa idade, que, em determinado momento, e tendo sabido que eu era português, se referiu a uma homenagem que iria ser prestada, na UNESCO, a Aristides de Sousa Mendes.

Revelou-me estar envolvido na organização e eu congratulei-me com isso, tanto mais que, como o informei, tinha acabado de acumular o lugar de embaixador português em França com o de representante junto da UNESCO e, naturalmente, também ia colaborar no evento. Porque, à mesa, havia uma senhora de permeio e porque ele falava em voz bastante baixa, não tinha ouvido bem o seu nome.

A certo passo da conversa, ainda sob o tema Portugal, passando a voz à frente dessa senhora, perguntou-me por Mário Soares e pela sua "simpática esposa", que ele conhecia bem. Disse-lhe as últimas notícias que sabia de ambos (eram vivos, à época), tendo ele acrescentado: "Um livro meu tem um prefácio de Mário Soares".

Com um orgulho algo adolescente (cada vez mais me convenço que "adolescemos" com a idade), saiu-me de imediato: "Tem graça! Eu também tenho um livro prefaciado por Mário Soares". Sorrimos e o jantar lá prosseguiu.

Minutos depois, perguntei discretamente à senhora que se interpunha entre mim e o tal cavalheiro, já octogenário: "Tem ideia de como se chama o seu vizinho do lado? Não consegui ouvir o nome dele...". A senhora, creio que olhando para o pequeno papel que, na mesa, identificava o conviva, disse, baixo: "Samuel Pisar".

Tive um baque! Samuel Pisar? "O" Samuel Pisar, nascido na Polónia, que estivera detido em Auschwitz e em vários outros campos de concentração, que escapou miraculosamente das garras de Mengele e de outros cenários de horror, cujo pai fora morto pela Gestapo?

"O" Samuel Pisar que, no fim da guerra, se formara em Oxford e na Sorbonne, e que, naturalizado americano, dera aulas em Harvard e fora assessor económico de John Kennedy?

Olhei de viés e, com uma curiosidade acrescida, procurei estar atento a algo que ele dizia para o outro lado da mesa. Nada de decisivo: apenas elogiava a textura dos espargos que estavam a ser servidos, porque então era a época deles.

A casa era magnífica, de um galerista, cujo nome perdi, um conhecimento que herdara do meu antecessor, António Monteiro. Era um andar perto no Quai d’Orsay, curiosamente com um grande quadro de Paula Rego, uma pintora que Paris teima em desconhecer. No final do jantar, num canto da sala de estar, aproximei-me de Pisar. Falámos, recordo, da Europa e do lugar de Portugal nela. Nada de que tenha guardado a menor nota.

Samuel Pisar era, à época, um senador de uma vida que, como poucos, soube recriar a partir da barbárie e que um dia, escreveu: "Hoje, sobrevivente dos sobreviventes, sinto uma obrigação de transmitir algumas verdades que aprendi na minha passagem pelo mais baixo da condição humana e, depois, por alguns dos seus momentos altos". Li isto num livro dele, que comprei, dias depois.

Nunca me perdoarei do facto de, inadvertidamente, ter "rivalizado" com Samuel Pisar, ao reivindicar ter, como ele, um prefácio de Mário Soares. Ou melhor, e pensando bem, talvez tenha a obrigação de ficar contente por poder ter, com ele, esse honroso ponto em comum.

Por que razão falo agora de Samuel Pisar, que morreu já em 2015? Porque, há dias, dei-me conta de que era padrasto de Anthony Blinken, que vai ser o futuro Secretário de Estado americano, isto é, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Joe Biden. Até saber isto, perguntava-me por que luas Blinken falava tão bem francês. Agora percebi: a sua mãe, Judith, vivia em Paris e foi a segunda mulher de Pisar. A senhora devia estar do outro lado daquela mesa, nesse jantar. 

sexta-feira, janeiro 08, 2021

America! America!

 


Conversa com António Freitas de Sousa para o “Jornal Económico”. Aqui

Um caracol


“Eu, pelos olhos, topo logo”. Imerso no iPhone, não percebi. “O senhor está cansado, não está?” Olhei, pelo retrovisor dele, o motorista do Uber, no Porto, com curiosidade. O trajeto era pequeno, mas via-se que estava ali um filósofo, daqueles que não se calam.

Há dias em que estou com paciência para conversar com motoristas, em que sou mesmo eu quem puxa a conversa, outros há em que, depois da saudação de entrada, fico na minha concha e cumpro os mínimos na interlocução. No Porto, já aprendi que ganho sempre em falar com eles.

O da manhã de ontem, simpático e tagarela, tinha uma teoria: “As máscaras não deixam ver as caras, as bocas e os lábios. Mas eu ando-me a ‘especializar’ em olhos. Já notei que, quando as pessoas estão chateadas ou preocupadas, os olhos fecham-se mais, não acha?”

Disse-lhe que não tinha nenhuma doutrina sobre isso, mas, à laia de comentário intimista, disse que, a mim, este tempo de máscaras criava-me, cada vez mais, a curiosidade em tentar perceber, pelos olhos, se uma mulher era bonita ou não.

O que eu fui dizer! O motorista filósofo deu um salto de contentamento, lá no banco da frente, ao ter tema comum comigo. E contou-me: “Há dias, apanhei uma senhora no Bolhão para o Palácio. Já nem era nova. Mas que olhos! O senhor nem imagina! Passei a viagem a olhar para ela, pelo espelho. Até fiquei preocupado que ela notasse. Quando a deixei, fiz de propósito e fiquei parado. Vi-a tirar a máscara. Afinal não valia um caracol!”

quinta-feira, janeiro 07, 2021

O frio de Vila Real


Dizem-me que esteve ontem um forte chiasco, em Vila Real. Lembrei-me então desta história.

Um dia de março de 1971, ao passar pela Place da la Nation, em Paris, onde tinha aportado por uns dias, num turismo baratucho que conseguia fazer nesse tempo, dei de caras com um antigo colega de Vila Real, que sabia ter saído “a salto” de Portugal e a quem tinha perdido, por completo, o rasto.

Era um tipo alto, com raízes em Bragança e com quem, curiosamente, me cruzara também em algumas férias em Viana do Castelo. Não éramos íntimos, mas éramos amigos.

Fizemos aquela festa tradicional, típica de dois transmontanos que se prezam. Generoso, convidou-me a ir beber uma cerveja à sua casa, ali perto.

Foi-me contando que tinha um emprego em que lavava janelas a partir das seis da manhã (“não é nada mal pago, sabes?, mas é muito chato ter de sair de casa às quatro!”). Em fins de tarde, aproveitava para assistir a uns cursos livres na Universidade de Vincennes. “A vida há-de mudar!”.

Sem dizer expressamente, deu-me a entender que era militante de um partido político português (na clandestinidade, claro, porque todos o estavam), o que conteve a minha curiosidade inquisitiva sobre mais aspetos da sua vida em Paris. Anos mais tarde, encontrei-o numa bancada de vendas, numa Festa do Avante.

Subimos ao apartamento onde vivia, uma sala e um quarto, num 4.º andar sem elevador, com uma cozinha a meias com um argelino, de onde chegava um cheiro menos convidativo a comida, que se espalhava por toda a parte.

O problema é o frio. A casa não tem aquecimento. Temos de pôr aquecedores, mas a eletricidade é cara. Às vezes, vou para a cama mais cedo, só para me aquecer.

E, num tom mais triste, com aquela saudade que a minha presença lhe trazia, acrescentou: “Queres saber uma coisa? Lá em Vila Real, parece que o nosso frio era diferente.

Pois era. O frio da terra portuguesa, para quem sofria a distância e a tragédia da emigração e do exílio, tinha outro calor.

quarta-feira, janeiro 06, 2021

Juan Carlos


Fez ontem 83 anos. A Espanha deve-lhe a inesperada sabedoria com que geriu a transição, que pode ter evitado uma sangrenta tragédia. Alguns dirão: mas o que ele fez, mais tarde, foi de imensa gravidade, maculando essa imagem. É verdade, mas cada tempo é um tempo, uma coisa não apaga a outra. Eu, que não sou espanhol, pelo que me não cabe conferir os saldos dessas contabilidades históricas, quero apenas recordar o grande amigo de Portugal que Juan Carlos sempre foi. E deixo esta imagem, bem elucidativa, que, há dias, passou nas televisões, de um dia em que entregou a Taça do Rei a Futre. No que o rei ali disse, está tudo dito. Que é apenas o que me interessa, a razão por que aqui o trago.

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...