Robert Sherman foi, com toda a certeza, o mais popular embaixador que os Estados Unidos alguma vez tiveram em Portugal. Com uma forma atípica e muito descontraída de atuar, no segundo mandato de Barack Obama, entre 2014 e 2017, Sherman tornou-se imensamente conhecido pelo modo como exteriorizou, em pequenos vídeos muito difundidos, o seu apoio à seleção de futebol que ganhou o campeonato europeu, em 2016.
Conheci Robert (Bob) Sherman pouco tempo depois de ele chegar a Lisboa. Convidou-me para um almoço a dois na residência americana, em 2014. Dei-lhe os conselhos que achei úteis a um colega estrangeiro de um país amigo: nomes de pessoas que devia conhecer, instituições que lhe conviria contactar, erros que era importante não cometer e outras indicações úteis. Imagino mesmo que alguns restaurantes... Um dia, convidei-o para falar a um grupo fechado de empresários e figuras relevantes de vários setores. Foi um sucesso, exceto para o próprio almoço: praticamente não parou de falar, perdendo a refeição. Mas, como sempre, foi de uma extrema simpatia e disponibilidade.
Em 2015, Robert Sherman “assustou-se”, ou de Washington mandaram-no reagir publicamente, perante a possibilidade de vir a ser criado um governo minoritário do PS, com apoio do PCP e do BE. A forma e o que, a esse propósito, disse desagradou-me e decidi publicar no “Diário de Notícias” um artigo que intitulei “Durma bem, Bob!”. Ele aqui fica, para se ver quem tinha razão:
“Leio que, enquanto embaixador americano em Portugal, se mostrou “preocupado” com o apoio parlamentar de “partidos anti-NATO” a um possível governo socialista. Congratulo-me que tenha notado o “compromisso” de António Costa e do seu partido “com a NATO, com a UE e com organizações semelhantes”, mas lamento que considere que “o ponto vai ser sobre o que vai ser feito, não sobre o que vai ser dito”.
“Leio que, enquanto embaixador americano em Portugal, se mostrou “preocupado” com o apoio parlamentar de “partidos anti-NATO” a um possível governo socialista. Congratulo-me que tenha notado o “compromisso” de António Costa e do seu partido “com a NATO, com a UE e com organizações semelhantes”, mas lamento que considere que “o ponto vai ser sobre o que vai ser feito, não sobre o que vai ser dito”.
A palavra das pessoas sérias não pode ser posta em causa sem razões sólidas. António Costa não merece essa sua desconfiança. Acho que o conhece mal, que não sabe que ele tem um compromisso com a democracia que data de há quase cinco décadas, que esteve sempre do lado certo da História nas grandes lutas que, entre nós, foram travadas pela liberdade. E não foram lutas fáceis, caro Bob. Se tiver dúvidas, pergunte a Mário Soares ou a Jorge Sampaio, a Vitor Constâncio ou a António Guterres.
Não sou um entusiasta desta possível solução governativa, mas as minhas razões são muito diferentes das suas. Por mim, não alimento a mais leve dúvida que, aconteça o que acontecer, um eventual governo socialista se manterá fiel a todos os compromissos internacionais de Portugal, da NATO à UE, passando pelas “organizações semelhantes”, como você com graça as qualifica. O PS tem um historial de responsabilidade no quadro internacional que não aceita lições de ninguém, de dentro ou de fora.
Reconheço, contudo, o seu direito de se pronunciar sobre as escolhas internas no meu país, embora, como diplomata, eu sempre me tenha abstido de o fazer nos postos onde estive colocado. Mas agora que entrei numa reforma que é mesmo “irrevogável” – quem proclamou um dia esta palavra merece-lhe mais confiança? - confesso-lhe que também estou preocupado pela possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito presidente dos EUA. E pode crer que continuo muito triste com Guantánamo.
Quanto a nós, pode dormir descansado, caro Bob”
Reconheço, contudo, o seu direito de se pronunciar sobre as escolhas internas no meu país, embora, como diplomata, eu sempre me tenha abstido de o fazer nos postos onde estive colocado. Mas agora que entrei numa reforma que é mesmo “irrevogável” – quem proclamou um dia esta palavra merece-lhe mais confiança? - confesso-lhe que também estou preocupado pela possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito presidente dos EUA. E pode crer que continuo muito triste com Guantánamo.
Quanto a nós, pode dormir descansado, caro Bob”
Anteontem, numa livraria, vi um livro recém-publicado de Robert Sherman “Dez milhões e um”. Comprei-o e já o li. É um relato curioso das suas impressões sobre Portugal e sobre os portugueses, feito por alguém que gosta genuinamente do nosso país, que aqui teve iniciativas muito meritórias e que, do início ao final do seu mandato, se defrontou em permanência com a questão das Lajes e do modo como Portugal reagiu à decisão americana de reduzir a sua presença na base dos Açores. Não será, aliás, por acaso que, num livro em que o antigo embaixador praticamente só tece comentários elogiosos para os nossos compatriotas que nele são citados - e também é interessante notar alguns que o não são - a figura política portuguesa que surge menos bem tratada é, precisamente, o presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro.