quinta-feira, novembro 29, 2018

Diplomacia americana


Robert Sherman foi, com toda a certeza, o mais popular embaixador que os Estados Unidos alguma vez tiveram em Portugal. Com uma forma atípica e muito descontraída de atuar, no segundo mandato de Barack Obama, entre 2014 e 2017, Sherman tornou-se imensamente conhecido pelo modo como exteriorizou, em pequenos vídeos muito difundidos, o seu apoio à seleção de futebol que ganhou o campeonato europeu, em 2016. 

Conheci Robert (Bob) Sherman pouco tempo depois de ele chegar a Lisboa. Convidou-me para um almoço a dois na residência americana, em 2014. Dei-lhe os conselhos que achei úteis a um colega estrangeiro de um país amigo: nomes de pessoas que devia conhecer, instituições que lhe conviria contactar, erros que era importante não cometer e outras indicações úteis. Imagino mesmo que alguns restaurantes... Um dia, convidei-o para falar a um grupo fechado de empresários e figuras relevantes de vários setores. Foi um sucesso, exceto para o próprio almoço: praticamente não parou de falar, perdendo a refeição. Mas, como sempre, foi de uma extrema simpatia e disponibilidade.

Em 2015, Robert Sherman “assustou-se”, ou de Washington mandaram-no reagir publicamente, perante a possibilidade de vir a ser criado um governo minoritário do PS, com apoio do PCP e do BE. A forma e o que, a esse propósito, disse desagradou-me e decidi publicar no “Diário de Notícias” um artigo que intitulei “Durma bem, Bob!”. Ele aqui fica, para se ver quem tinha razão:

Leio que, enquanto embaixador americano em Portugal, se mostrou “preocupado” com o apoio parlamentar de “partidos anti-NATO” a um possível governo socialista. Congratulo-me que tenha notado o “compromisso” de António Costa e do seu partido “com a NATO, com a UE e com organizações semelhantes”, mas lamento que considere que “o ponto vai ser sobre o que vai ser feito, não sobre o que vai ser dito”.

A palavra das pessoas sérias não pode ser posta em causa sem razões sólidas. António Costa não merece essa sua desconfiança. Acho que o conhece mal, que não sabe que ele tem um compromisso com a democracia que data de há quase cinco décadas, que esteve sempre do lado certo da História nas grandes lutas que, entre nós, foram travadas pela liberdade. E não foram lutas fáceis, caro Bob. Se tiver dúvidas, pergunte a Mário Soares ou a Jorge Sampaio, a Vitor Constâncio ou a António Guterres.

Não sou um entusiasta desta possível solução governativa, mas as minhas razões são muito diferentes das suas. Por mim, não alimento a mais leve dúvida que, aconteça o que acontecer, um eventual governo socialista se manterá fiel a todos os compromissos internacionais de Portugal, da NATO à UE, passando pelas “organizações semelhantes”, como você com graça as qualifica. O PS tem um historial de responsabilidade no quadro internacional que não aceita lições de ninguém, de dentro ou de fora.

Reconheço, contudo, o seu direito de se pronunciar sobre as escolhas internas no meu país, embora, como diplomata, eu sempre me tenha abstido de o fazer nos postos onde estive colocado. Mas agora que entrei numa reforma que é mesmo “irrevogável” – quem proclamou um dia esta palavra merece-lhe mais confiança? - confesso-lhe que também estou preocupado pela possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito presidente dos EUA. E pode crer que continuo muito triste com Guantánamo.

Quanto a nós, pode dormir descansado, caro Bob”

Anteontem, numa livraria, vi um livro recém-publicado de Robert Sherman “Dez milhões e um”. Comprei-o e já o li. É um relato curioso das suas impressões sobre Portugal e sobre os portugueses, feito por alguém que gosta genuinamente do nosso país, que aqui teve iniciativas muito meritórias e que, do início ao final do seu mandato, se defrontou em permanência com a questão das Lajes e do modo como Portugal reagiu à decisão americana de reduzir a sua presença na base dos Açores. Não será, aliás, por acaso que, num livro em que o antigo embaixador praticamente só tece comentários elogiosos para os nossos compatriotas que nele são citados - e também é interessante notar alguns que o não são - a figura política portuguesa que surge menos bem tratada é, precisamente, o presidente do governo regional dos Açores, Vasco Cordeiro.

2 comentários:

Joaquim de Freitas disse...

Quando sabemos que a diplomacia americana sempre considerou Portugal como “chasse gardée” , que justificou a presença da Navy na costa portuguesa aquando da Revolução dos Cravos, e a acção do embaixador americano da época em Lisboa, não é de admirar o que o Senhor Embaixador nos conta.

Faz parte do ADN americano de interferir no mundo inteiro. A política Monroe era a “América para os Americanos”, afim de justificar a sua interferência permanente na América do Sul, mas hoje, o manto imperial cobre o mundo inteiro.

E os Europeus que o digam. O projecto de sanções aprovado recentemente em Washington contra a Russia, prevê a interdição de acesso aos bancos e mercados americanos para qualquer empresa, inclusive as europeias, que contribuam para o desenvolvimento e a manutenção dos gigantescos gasodutos russos. Os mesmos gasodutos que abastecem a Europa de energia.

Até o momento, Washington e Bruxelas haviam delimitado uma espécie de linha vermelha, a fim de impedir que as sanções afectassem o abastecimento energético da Europa. Com as novas sanções, o projecto poupou, no entanto, os gasodutos do Cazaquistão, que apenas atravessam o território da Rússia.

Com um Donald na Casa Branca, a decisão de punir a Rússia, tomada unilateralmente pelos Estados Unidos, chega a agradar a Putin. Afinal, as novas sanções sinalizam uma divergência na política internacional que até então unia os Estados Unidos e a União Europeia no G7.
Putin celebra, assim, a fragmentação do poder diplomático do bloco Ocidental, dividido pelas medidas unilaterais da administração norte-americana.
Aprecio a “independência” do Senhor Embaixador no caso Sherman . Muitíssimo bem dito! Embora eu permaneça ferozmente hostil à NATO na Europa. A Europa para os Europeus.

Anónimo disse...

Sempre detestei ver as intervenções deste homem. O seu entusiasmo tinha muito de apalhaçado para o meu gosto.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...