sábado, novembro 24, 2018

“Estrela solitária”


Gosto muito da escrita de Ruy Castro (por cá, podemos lê-lo no “Diário de Notícias”, aos domingos, numa feliz opção editorial do “mestre” Ferreira Fernandes), alguém que domina a crónica com a maestria de um Nelson Rodrigues, naquele jeito único, misto de simplicidade e imaginação, com que as palavras são articuladas, como se de poesia se tratasse.

Mas o meu gosto pelo Ruy Castro cronista é, confesso, suplantado pelo Ruy Castro biógrafo. Leia-se a sua biografia de Nelson Rodrigues, intitulada “O Anjo Pornográfico”, ou a história de Carmen Miranda ou ainda o “Chega de Saudade”, uma “biografia” da Bossa Nova - e digam-me se não tenho razão. E não se perca um livro mais curto, que passou despercebido, o “Era no Tempo do Rei”, uma ficção em que se inventam as divertidas aventuras do então príncipe dom Pedro, ainda criança, com um amigo, pelo Rio dos dias de dom João e Carlota Joaquina.

Todo este intróito é para falar do “Estrela Solitária”, a biografia de Garrincha, que Ruy Castro assina e que acabo de ler. Abordar a vida de um jogador de futebol pode parecer um tema fútil. Mas Garrincha não foi um jogador qualquer, foi verdadeiramente “a pátria em chuteiras” (de que um dia falou Nelson Rodrigues) e a sua existência esteve muito longe da banalidade de um qualquer “craque”. No retrato que dele traça, Ruy Castro projeta, de algum modo, um certo Brasil, um país de altos-e-baixos, de grandezas e de misérias, de sucessos e de derrotas.

Através daquelas páginas, quase que “vemos” Garrinha a jogar as partidas que a carreira lhe trouxe e aquelas que a vida lhe pregou. As aventuras e desventuras amorosas do jogador, a intensidade da sua relação com Elsa Soares, a rivalidade com Pelé, o mundo sórdido e glorioso do futebol, o poder destrutivo da bebida, a fantástica ligação com os amigos Pincel e Swing - é tudo isso e imensamente mais que Ruy Castro nos traz, numa linguagem ágil, fílmica, colorida. Um belo livro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Acabei de ler Estrela Solitária e li Carnaval no Fogo, Chega de Saudade e O Anjo Pornográfico.Acontece que ainda tenho uma caderneta de cromos de futebol que eles chamam Album das Balas de Futebol de 1954 e onde aparece o Garrincha na equipa do Botafogo. É uma raridade que tenho e está bem conservada.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...