quarta-feira, novembro 21, 2018

Missão impossível


Todas as gerações diplomáticas portuguesas foram habituadas a lidar com a máquina oficial britânica, principal e incontornável parceiro de Portugal nos últimos séculos. Pertenço àquela que assistiu a uma mudança muito significativa, quase diria que histórica: daquilo que chegou a ser uma dependência tutelar quase humilhante até uma forte autonomização da nossa capacidade decisória, derivada da adesão do nosso país às estruturas europeias, com a nossa opção por uma linha integracionista que, a partir de certo momento, passou a estar quase nos antípodas da orientação do parceiro na "velha aliança".

Durante os anos em que trabalhei em Londres, testemunhei momentos muito tensos na relação do Reino Unido com Bruxelas, violentos ataques às posições, tidas por centralistas, tituladas por Jacques Delors, chefe de uma Comissão Europeia que nunca deixou de ser a mais diabolizada das instituições. Vi os britânicos exultantes com o que consideraram ser uma imensa vitória no termo da negociação do Tratado de Maastricht, a sua rejeição da moeda única, o orgulhoso isolamento que a não aceitação de Schengen representou, entre outros "opt out" tidos por sucessos protetores do interesse de Londres.

Lidei com diplomatas e alguns políticos do Reino Unido ao longo de quatro décadas e, em todo esse período, adquiri duas certezas: os britânicos nunca abandonariam a sua condição de parceiro europeu fortemente relutante (afinal, foram mesmo mais longe do que isso), ao mesmo tempo que sempre trouxeram, para dentro da União, cujo funcionamento sustentadamente punham em causa, um profissionalismo de primeira água, ao nível do seu notável "civil service", com uma diplomacia que pedia meças a qualquer outro país. O Reino Unido sempre negociou bem, na sua peculiar perspetiva nacional, nos diferentes tempos da vida europeia, levando quase sempre, no essencial, a água ao seu moinho. Às vezes, é verdade, adotando posições que roçaram a perfídia e uma frieza cínica - talvez um revisitar do "Yes, Prime Minister" possa ser educativo.

Olhando o resultado bem pífio que o Governo britânico agora apresenta, no termo do penoso processo negocial com os "vinte e sete", não posso deixar de ter um pensamento de simpatia para com os diplomatas que nele estiveram envolvidos. Se uma diplomacia tão capaz como a britânica foi incapaz de produzir um resultado razoável, só podemos concluir que se tratava de uma missão impossível.

5 comentários:

Anónimo disse...

"...I keep being asked by Swiss and Norwegian MPs what the devil we think we’re doing. They are as close to the EU as it is possible to be without becoming full members. Yet no one in their countries seriously wants to join the customs union and forfeit their trade deals with China and the rest....". Daniel Hannan.

Volta EFTA, estás perdoada. Com óbvia aplicabilidade ao RU e a Portugal.

Deixemos franceses e alemães resolver, entre eles, os seus (pseudo-imperiais) históricos problemas.

Anónimo disse...

Lido com muito gosto.

Despacho:
Bem analisado.
Poucas conclusões para quem diz conhecer e apreciar bem o aparelho diplomático britânico.
O que é um facto incontestável vai passar a ser que os países da UE podem sair dela se para isso tiverem a sua população desagradada e a sua força de trabalho organizada para isso.
E isto era impensável para os históricos da fundação da UE que devia contentar todos por igual. Enfim.... massificações que os países de Leste faziam mas já não dão resultados.

Não deferido.

Luís Lavoura disse...

Tratava-se de uma missão impossível dados os constrangimentos políticos existentes: não criar uma fronteira entre as Irlandas, nem entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Desunido. Não estivessem os unionistas da Irlanda do Norte a sustentar o governo e os constrangimentos políticos seriam outros, e então a missão seria bem mais possível.

Reaça disse...

Os ingleses conseguiram trancar as portas ao Shengen, o resto que vier é só lucro.

A última batalha será sempre dos bifes.

Anónimo disse...

O MNE espanhol andou a fazer umas declarações provocatórias. Se tivesse sido o Trump, não faltaria mas, como foi o amigo do amigo que é patrão do amigo que é acionista de não sei o quê, a coisa passa...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...