sábado, maio 09, 2020
E ele regressou, claro...
Por estes dias, aqui pelas redes sociais, regressou em glória o “whataboutism”. Há um pessoal que, como se sente encostado às cordas, em matéria de coerência, não conseguindo explicar o que tem de explicar, chama logo a jogo o “outro lado”, na lógica do “Ai é? E então no caso do...?”
Centeno
Sente-se já uma satisfação evidente em certos setores, que nem cuidam em disfarçar, pela possibilidade de Mário Centeno vir a não renovar o seu mandato como presidente do Eurogrupo. Aqui pelas redes sociais, a notícia de ontem do Frankfurter Allgemeine caiu como sopa no mel. Verifiquem!
Ai restaurantes...
Nunca digo que “desta água não beberei”, mas tenho dúvidas que o meu gosto por restaurantes seja superior à estranheza que me causará a chegada de empregados mascarados, com distâncias que não permitem bocas do tipo “já viste os olhos daquela miúda?”
Lideranças (2)
Recebi vários comentários, traduzindo uma surpresa positiva, elogiosos das palavras que o novo líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, usou para denunciar a demagogia do deputado europeu Nuno Melo, na mais que provada falsa questão sobre Rui Tavares e a “Telescola”.
Pôs os pontos no is, aproveitando também para “puxar o tapete” às atordas parlamentares de Ana Rita Bessa e de Telmo Correia, mostrando assim que ninguém pode espalhar mentiras, em nome do CSD, à sua revelia.
Uma liderança revela-se desta forma, com frontalidade, ganhando o respeito democrático pela afirmação incontroversa da verdade.
Falaram-me tão bem desse texto! Alguém mo consegue encontrar?
Lideranças
Líder do CDS, hoje, ao “Expresso”: “O CDS é um partido eurocontido, não entra no exceitamento federalista, nem na negação dos valores da construção europeia”.
É difícil dizer tanto nada com tantas palavras. Mas, contudo, também consegue nada dizer, com nenhumas palavras, perante o filo-fascismo de alguns dos parceiros do seu partido no PPE.
Uma “palavra” a Franco
Nestes 75 anos da vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, convirá recordar que se deve à obstinação do ditador espanhol Francisco Franco, que, na reunião de Hendaye, terá convencido Hitler a não avançar até Gibraltar, o facto da Península ter sido poupada às consequências diretas do conflito.
Como é óbvio, se os alemães tivessem entrado em Espanha, nenhuma diplomacia “pelo meio dos pingos da chuva”, também chamada cinicamente “neutralidade colaborante”, teria evitado o envolvimento português na guerra ao lado do Eixo.
Por essa razão, que é puramente geopolítica, não tem o menor sentido o argumento de que “Salazar poupou os portugueses da guerra”, que alguns saudosistas procuram avançar, em tom atenuante, quando alguém fala, com razão, das décadas de malfeitorias do homem de Santa Comba. O qual, diga-se, anos depois, pela sua cegueira histórica, iria envolver o país em três guerras coloniais, convém já agora recordar.
O preço da vitória
Vale a pena lembrar, nestes 75 anos da vitória aliada na Segunda Guerra mundial, o preço que cada país pagou, em vidas humanas.
O dia da vitória
Estou a ver, ali adiante, a casa onde hoje vivo. Esta imagem é tirada de uma das varandas do edifício onde funcionava a embaixada britânica em Lisboa. Há três bandeiras, de três dos Aliados vitoriosos, nesse magnífico dia de 1945: Reino Unido, Estados Unidos da América e França. E houve também, como os relatos daquele dia o notam, pessoas que tinham na mão apenas um pau de bandeira, sem qualquer bandeira. Queriam simbolizar o outro vencedor da guerra, a União Soviética.
sexta-feira, maio 08, 2020
8 de maio, dia da Vitória
Onde é que eu estava a 8 de maio?
- Hoje, estou confinado...
- Há cinco anos, estava, precisamente a esta hora, a dar uma aula em Lisboa!
- Há 10 anos, estava a trabalhar em Paris.
- Há 15 anos, estava a trabalhar em Brasília.
- Há 20 anos, estava a começar uma visita de trabalho à Turquia.
- Há 25 anos, estava a regressar de uma deslocação em trabalho a Itália.
- Há 30 anos, tinha acabado de chegar a Lisboa, há pouco, depois de ter dado uma volta completa ao mundo (mesmo!), juntando trabalho e férias.
- Há 35 anos, estava trabalhar em Luanda.
- Há 40 anos, estava a trabalhar em Oslo.
- Há 45 anos, estava na tropa, em Lisboa, no início do “Verão quente”, a fazer provas para entrar no MNE.
- Há 50 anos, andava a tentar estudar Ciências Sociais, em Lisboa.
- Há 55 anos, andava a fingir que estudava Engenharia, no Porto.
- Há 60 anos, andava, garbosamente, no 3° ano do liceu, em Vila Real.
- Há 65 anos, andava no escola primária “do Trem”, com o professor Pena.
- Há 70 anos, brincava na casa onde então vivia, na rua Avelino Patena, desconhecendo que aí, onde tinha nascido, haviam reunido, faz no próximo dia 5 de outubro 110 anos, os conspiradores que implantaram a República em Vila Real (já lá está a placa).
- Há 75 anos, dia da Vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, ainda não andava por cá.
A China vai dominar o mundo?
No mundo antes do surgimento do novo vírus, a afirmação geopolítica da China vinha, desde há muito, a suscitar uma forte preocupação americana, desde logo pela perceção de que isso representava uma crescente ameaça direta à sua preeminência à escala económica global. Ao contrário de Obama (e do que poderia ter sido uma administração Clinton), que tinha apostado num “cerco” de parcerias económicas, envolvendo os seus aliados vizinhos da China, a linha de Trump apontou para um diálogo bilateral tenso, apostando em como Beijing não se arriscaria a um confronto económico-financeiro no qual teria muito a perder.
No imediato, a China contemporizou, Trump ganhou tempo e procurou levar os europeus para uma frente comum contra o perigo chinês. A Europa, que começa a encarar a China como um poder adversarial, não parece assumir ainda uma linha comum que permita uma sua antagonização aberta. Porém, o modo como aliados europeus dos EUA aceitaram incluir uma inédita referência à questão chinesa no comunicado da última cimeira da NATO prova que a porta, para um futuro entendimento entre americanos e europeus, não está totalmente fechada. A acontecer, isso só poderia ser feito desde que Washington optasse por uma postura de razoabilidade, pouco provável com a administração atual.
A preocupação europeia pela tomada de posições do capital chinês em ativos seus já não é de hoje, mas a verdade é que, num mercado aberto, quem tem meios disponíveis para aproveitar as oportunidades dificilmente pode ser travado por procedimentos administrativos. A Europa queixa-se de que países como Portugal alienaram ativos para mãos chinesas? E alguém dessa Europa se “chegou à frente”, no momento certo, para o evitar? Além de que convém notar que o nosso país, ao contrário do que alguns pensam, está muito longe de ser o maior hospedeiro europeu de capitais chineses.
A pandemia trouxe novos dados a esta equação. De um dia para o outro, a Europa parece ter acordado para a imensa dependência que, ao longo de décadas, criou face à China. E logo teve um reflexo “nacionalista”, protecionista, a que até o nosso primeiro-ministro foi sensível no seu discurso europeu. Há aqui, porém, um forte equívoco: o “made in Europe” não dá garantia estratégica absoluta a ninguém, como os italianos bem perceberam no auge do seu estado de necessidade. Além de que a China, passada a pandemia, vai regressar como um mercado essencial para a recuperação da indústria europeia, por muitas preocupações geopolíticas que Bruxelas possa suscitar.
Já se percebeu que os EUA optarão por alimentar cada vez mais teorias conspiratórias contra a China, que dêem a Trump a um inimigo externo que o ajude a renovar o seu poder interno. Não parece, contudo, que esse caminho possa vir a ter muitos seguidores, num mundo ansioso por capitais que o, embora limitado, crescimento chinês proporcionará. O futuro económico global não é muito risonho, mas nada indica que nele a China não possa continuar a sorrir.
(Artigo publicado a convite da revista “Visão”)
A oportunidade
A direita portuguesa, aquela que é democrática e quer continuar a ser decente, tem uma oportunidade de ouro para se demarcar do Chega. É que, se o não fizer, dá um bom argumento a quantos acham que, lá no fundo, ela tem a tentação eleitoral de ir colher votos racistas e xenófobos.
O Portugal de que gosto
Não alimento juízos definitivos de valor sobre o modo como os povos se relacionam uns com os outros, em termos de maior ou menor abertura para conviverem com as respetivas diferenças. Não entro na polémica, que alguns procuram trazer para a praça pública, sobre se Portugal é ou não um país racista ou xenófobo. Não faço parte de quantos acham que é útil fazer uma “sindicância” sobre o nosso passado colonial, lançando um debate auto-flagelatório sobre a nossa História. Já percebi que essa agenda anda por aí e, sobre ela, tenho a mesma teoria que as pessoas prudentes das aldeias têm sobre as queimadas: feitas sem ter em conta a força dos ventos podem dar origem a grandes incêndios.
Ao contrário do que acontece com muitos com o avançar da idade, sinto que tenho cada vez menos ideias gerais. Aprendi que as coisas são, em geral, muito mais complexas do que aquilo que uma abordagem impressionista parece indiciar. Talvez por isso, não alimento conversas de café sobre estados de alma nacionais. Vivi o suficiente para ter aprendido que se pode dizer uma coisa e o seu contrário e, no entanto, continuar a estar certo - porque a perspetiva é a do ponto a partir do qual se olha e não daquilo que está à vista.
Na vida que levei por algum mundo, representando Portugal, nunca ninguém me ouviu dizer que “os portugueses não são racistas” ou que a nossa colonização (e, já agora, a nossa descolonização) foi “exemplar”. Não é por Gilberto Freyre ser oriundo de uma antiga colónia que o “luso-tropicalismo” passou a ser uma categoria elogiosa, nem a nossa relação colonial ganhou uma suposta “bondade” graças a uma certa forma portuguesa de estar no mundo.
Somos hoje o que somos, como país. Mas de uma coisa tenho a certeza: seremos sempre um pouco mais se o nosso discurso assentar numa linha humanista e, em especial, numa firme vontade de fazer coincidir aquilo que fazemos com aquilo que, nesse domínio, defendemos.
Foi-me sempre agradável, como diplomata e como português, ver reconhecido nos fóruns internacionais, e no que os outros dizem sobre nós, a generosidade da nossa cultura de acolhimento dos estrangeiros que nos procuram, seja para melhorarem as suas condições económicas de vida, seja para se acolherem, para se refugiarem, quando perseguidos ou vítimas de situações de conflito.
Gosto muito de ver Portugal na vanguarda das atitudes internacionais em matéria de ações solidárias face aos migrantes e refugiados – da mesma forma que me envergonho ao ver certas forças políticas nacionais, com fortes responsabilidades democráticas, serem cúmplices pelo silêncio face aos comportamento miserável de alguns Estados europeus, só porque são dirigidos por partidos que pertencem à sua “família” política. Há famílias que não se recomendam!
Nesta crise da pandemia, senti um grande orgulho em ser português ao assistir ao gesto nobre, unilateral, do governo do meu país de legalizar todos os indocumentados estrangeiros. É deste Portugal que eu gosto.
quinta-feira, maio 07, 2020
Entrevista
Nenhuma questão importante deixou de ser colocada ao ministro das Finanças por Vitor Gonçalves, na Grande Entrevista que a RTP lhe fez esta noite. Será muito difícil fazer outras entrevistas assim?
Em defesa da liberdade de expressão
No debate que por aí anda sobre os comentários racistas, surgiram certas vozes a defender que, simplesmente, se deve calar à força quem disser enormidades daquele quilate. Cuidado! Não brinquemos com a democracia! Só o incumprimento da lei deve ser limite à liberdade de expressão
A câmara baixa
Há quem ache pouco prudente centrar um debate parlamentar num tema tão nojento como o que foi introduzido por um dos deputados da direita radical. Interrogo-me sobre se, afinal, não pode ser bem pedagógico ver a casa da democracia reagir, com voz dura, àquelas isoladas baixezas.
Honra e desonra
A TSF tem um lugar de honra na história da rádio em Portugal. Quando surgiu, cumpriu um papel de vanguardismo mediático idêntico àquele que tiveram o Expresso e o Público. Hoje, ao abrir o seu Fórum a uma temática como a que escolheu, a TSF arrisca-se a que alguém possa dizer que está a caminhar para um quadro de desonra. Não é esse o lugar da TSF.
As esquinas de Lisboa
Ontem, atravessando Lisboa de carro, cruzei-me com grupos de pessoas, sem máscara, conversando em esquinas, em registo de “business as usual”, com idade não só de terem juízo como de deverem ter cuidados acrescidos, por virtude dessa mesma idade. Fiquei com um mau pressentimento.
O mito das máscaras
Parece instalado na sociedade portuguesa o mito de que, usando uma máscara comum, se pode deixar de manter a distanciação física em relação aos outros. Não sou especialista, mas é por demais evidente que a máscara apenas limita parcialmente o risco de emissão e escassamente o de inalação.
quarta-feira, maio 06, 2020
Munchau
Se eu estivesse no lugar de António Costa ou de Mário Centeno, este tweet de Wolfgang Munchau, que não é um produtor de “bocas”, mas é um observador muito atento de sinais (vitais), far-me-ia perder uns minutos de sono: “Other real bullet is the German court's explicit accusation that ECJ transgressed its competences, and is therefore to be ignored. Will open floodgates. This is the German version of Brexit.”
Igreja
Esteve muito bem o Cardeal Patriarca na questão das celebrações. Esteve presente na Assembleia da República e adotou uma atitude de sensatez quanto ao evento em Fátima.
Ai CDS...
É patético ver um partido com as credenciais históricas do CSD não se retratar abertamente, com a dignidade que deve ser a das instituições sérias, depois de ter embarcado numa acusação, que está já mais do que provada como infundada, que envolveu o historiador Rui Tavares.
Espirro
Dei um espirro (com máscara) num supermercado. Guardarei até ao final dos dias os olhares que vi à minha volta...
Pelo sim, pelo não...
Fui ao barbeiro. Coitados! Nem nos cuidados intensivos de um hospital se vive assim...
Mascarilhas
Antigamente, os homens tiravam o chapéu para cumprimentar os outros. Hoje, tiram a máscara para que os outros os reconheçam. Que raio de mundo em que estamos...
Regresso à escola
Mário Nogueira fala das condições “absurdas” para o início da aulas. Alguém que o informe que, no caso dele, pode continuar a não as dar...
Parabéns, “Observador”!
Se bem percebi, o “Observador” propõe que o governo não dê subsídios, mas que estimule que sejam feitos empréstimos às empresas de comunicação social, baseados no número de trabalhadores que esses órgãos tinham antes da crise e que não dispensaram.
Se assim é, parece uma ideia muito sensata.
... e a China aqui tão perto!
Fui a uma mercearia de bairro. À porta, um letreiro dizia que eram necessárias máscara e luvas. Eu ia de máscara. Da porta, perguntei: “são mesmo necessárias luvas?”. Lá de dentro, a resposta, sorridente, da chinesa, foi: “Nós vendemos luvas!”. Serviço completo!
O “Público”
O “Público” traz hoje (Aleluia!) uma “carta ao diretor” recomendando que o jornal adote o Acordo Ortográfico.
Se assim o fizesse, textos de um excelente jornal como é o “Público” poderiam, finalmente, passar a ser recomendados pelos professores para leitura dos seus alunos.
A vigarice mediática
Continua, nas edições on-line da comunicação social portuguesa, mesmo em alguma com prestígio profissional que a obrigaria a uma atitude de maior responsabilidade, a prática desonesta de colocar títulos sobre temas chocantes, sem identificar a origem dos factos, apenas para provocar o “clickbait”, isto é, suscitar a abertura do ”link” pelo leitor enganado, como forma de contabilizar visitantes e assim vigarizar os seus anunciantes.
É para sustentar esta imprensa sem ética que é pedida ajuda através dos nossos impostos?
Os portugueses e o medo
Julgo que o comportamento dos portugueses, sob pressão desta pandemia, quer no modo como auto-regularam de imediato o seu quotidiano, quer na sua posterior interação com as determinações saídas do poder político, é talvez, a grande distância, o melhor retrato coletivo que o país deu de si mesmo, desde há muitos anos. Posso imaginar a “mina” que isto pode vir a ser para os nossos cientistas sociais.
Muitos de nós temos relutância em aceitar, sem a questionar, a ideia generalizadora de que “os portugueses” são “ assim” ou “assado”, embora também não resistamos, de quando em vez, a cair nessa caricatura, em especial por contraponto a outras nacionalidades - e os espanhóis são os que estão, quase sempre, mais à mão para essa comparação. Esse escrúpulo em fugir à generalização baseia-se na constatação de que essa imagem assenta bastante em preconceitos, o que os franceses qualificam com a bela fórmula de “ideias recebidas”.
Essa leitura estática do modo de “ser português” não beneficia, por exemplo, da influência das novas gerações, sujeitas a uma exposição sem precedentes às ideias exteriores, a referenciais e modelos cada vez mais comuns, através de um mundo digital que entra por todos os poros da sociedade. Teoricamente, essa influência, porque é transportada por uma linguagem idêntica, assente nas mesmas plataformas de informação, deveria tender a ser uniformizadora e a conduzir a formas de reação basicamente similares, independentemente das fronteiras, em especial em sociedades marcadas por padrões civilizacionais com grande aproximação.
Ora não foi isso que aconteceu. Nesta crise, cada país reagiu de forma diferente, as suas estruturas políticas tiveram atitudes e hesitações muito variadas, o mundo mostrou que, por muito que a sociedade global tenha hoje uma grande força, o modo de agir nacional continua ainda a ser, no final de contas, o referente essencial para o comportamento dos povos, em especial quando expostos a medos existenciais.
Entre nós, esta pandemia, mesmo que tenha carreado para o dia a dia atitudes em alguns casos contrastantes, desde um tropismo para a submissão temerosa até a atos de rebeldia libertária, projetou, no entanto, um modelo comportamental maioritário muito claro, do qual - aí sim! - podem extrair-se, com inteligência e métodos sociológicos apurados, conclusões muito interessantes sobre o que são, afinal “os portugueses”.
Será que é sob a influência dos medos coletivos que acabamos por nos conhecer melhor?
Os livros da vida (10)
Depois da sua implosão, a União Soviética deu origem a 15 diferentes Estados. Por motivos profissionais, tive o privilégio de visitar quase todo esse mundo que, nos dias de hoje, tem com Moscovo relações muito diversas - de algum amor a um imenso, e até crescente, ódio. Dos Bálticos aos Cáucasos e à Ásia Central, a antiga URSS deixou um mar de nacionalidades díspares. Um dia, sabendo do meu grande interesse por esta área do mundo, alguém me falou deste livro de uma autora bielorrussa, que havia sido, em 2015, Prémio Nobel da Literatura. O livro foi, para mim, um verdadeiro “murro no estômago”. É difícil classificá-lo. Nele se cruzam conversas com vítimas e nostálgicos da União Soviética, trazendo-nos a memória (ia escrever “sofrida”, mas a palavra não chega) dos tempos de Stalin, da 2ª Guerra Mundial, da invasão nazi, dos horrores, das fomes, das humilhações, mas também das grandes e pequenas alegrias de um povo muitas vezes mártir, outras vezes bárbaro, hoje “apátridas” de um passado, ao mesmo tempo glorioso e trágico, que o fim da Guerra Fria transformou num magma de frustrações e num palco de oportunismos. Fica a perceber-se melhor, acabada a leitura, a razão pela qual a Rússia é hoje dirigida por Putin. Saí deste livro, que me marcou imenso, com um respeito muito grande pela tragédia de quem passou pelo inimaginável. Lê-lo foi uma experiência única. E não digo isto de muitos livros.
terça-feira, maio 05, 2020
Os livros da vida (9)
Tenho uma memória “canina” àcerca dos locais onde compro os meus livros. Havia uma pequena livraria francesa, que parece já ter desaparecido, junto do Rockfeller Center, em Nova Iorque, onde, numa hora de almoço, em 2001 ou 2002, vi à venda este “L’écriture et la vie”, com a bela capa clássica da Gallimard. Enfarpelado de embaixador, com uma sanduíche e um Coca-Cola, sentado num murete, passei uma boa hora a ler, na cidade mais livre do mundo, o relato trágico da saída de um prisioneiro do inferno nazi de Buchenwald. Conhecia várias coisas de Semprún, mesmo bastantes (descubro agora que me falta ainda imensa coisa!), começando pelas que referenciaram o seu afastamento do comunismo espanhol. O livro que hoje refiro é dos que mais me tocou, pelo seu humanismo e pela solidez e maturidade da escrita, que voltamos a recuperar no “Adieu, vive clarté”, que aliás trata de um tempo cronologicamente anterior. Um livro “menor” de Semprún, de onde transparece o seu imenso desprezo por Alfonso Guerra, é o que relata a sua frustrante experiência como ministro da Cultura de Gonzalez, “Federico Sanchez se despide de ustedes”, uma das poucas obras de Samprún escritas originalmente em espanhol. Mas é um bom retrato da Espanha pós-franquista. Tenho muita pena de não ter conhecido Semprún, quando vivi em Paris. Mas, quem o conheceu, diz-me que nem sempre era uma figura agradável. Mas as figuras geniais, ao que parece, raramente o são.
segunda-feira, maio 04, 2020
Bolsonaro e Moro
Bolsonaro é o que é - não gastemos adjetivos. Em parte, é presidente graças ao ambiente político criado pela gestão habilidosa do Lava-Jato feita por Moro. Mas um ministro sair de um governo e começar a contar segredos do serralho define um caráter. Estão bem um para o outro!
Brasis
No Brasil há sinais de que pode ocorrer uma rutura formal da ordem constitucional, com o executivo a recusar-se, com eventual respaldo militar, a cumprir determinações do poder judicial. Se tal acontecer, estará em causa o Estado de direito democrático. E isso tem um nome.
As nossas “Mayas”
Acho fantástico como os comentadores portugueses olham para a realidade política. Será que o que se passou nos últimos anos, dos incêndios à pandemia, não os ensinou a ver que as coisas podem variar radicalmente em curto espaço de meses?
Os livros da vida (8)
Um dia, recém-colocado em Londres, adquiri um dos poucos “audio-livros” que tive em toda a minha vida: foi “Tinker, Tailor, Soldier Spy”. Num passeio pelo sul de Inglaterra, ouvi essas “cassettes” (julgo que eram ainda cassettes). Porquê? Porque, durante algum tempo, confesso que tive alguma dificuldade em conseguir ler, no original, as obras de Le Carré. “Ouvir” o livro ajudou-me assim a “entrar” na narrativa do autor, de quem julgo conhecer hoje praticamente toda a obra - e não é pequena. (Já tenho saudades de quando lia muita ficção, coisa que hoje não acontece). Le Carré é, a meu ver, o mais notável cultor de um estilo de romance de espionagem que assenta, precisamente, naqueles serviços secretos que sempre me interessaram mais: a “intelligence” britânica, que continua a ser para mim o mais fascinante desses mundos de “sombras”, a que o fim da Guerra Fria colocou um (apenas relativo) ponto final. O “Tinker, Tailor, Soldier, Spy” é, a meu ver, o romance mais bem construído da chamada “trilogia de Karla”, dentro de uma série bem mais longa, em que surge a extraordinária figura de George Smiley. Voltar a obras já lidas de John Le Carré é algo que tento fazer com regularidade e, como me acontece com outros bons romances, não é que continuo a descobrir por ali coisas que antes me tinham escapado?
domingo, maio 03, 2020
Jornalismo
Tempos houve em que fazer jornalismo consistia em apresentar factos, com rigor, precisão e sem o menor viés opinativo por parte de quem redigia o texto. Os leitores, com base nessa informação, formavam então a sua própria opinião.
Era mesmo assim, acreditem ou não. Ainda alguém se lembra?
Silêncios
Este não é um silêncio “são”. Eu sei. Mas está-me a saber muito bem este silêncio de fim de tarde lisboeta, com alguma passarada em fundo.
Os interruptores
Imagem genérica dos entrevistadores televisivos que encavalitam perguntas ou não deixam acabar as respostas dos entrevistados, com o argumento de que não “temos” muito tempo.
Das mães
Há bastantes anos, telefonei a um amigo para lhe dar um abraço de pesar pela morte da sua mãe. Recordo-me de ele me ter dito que uma das coisas de que mais se arrependia era do facto de não ter conversado com ela, até ao fim, tanto quanto deveria ter feito. Fiquei com isto na cabeça e prometi a mim mesmo vir a ter isso em atenção, no futuro. Não tive. A minha mãe morreu há quase vinte anos. Até hoje, penitencio-me regularmente por não ter falado com ela tudo aquilo que deveria ter feito, o que sempre ponho à conta da vida algo errante (e, quando o não era, muito ocupada) que fui tendo. Mas, pensando melhor, esta é talvez uma ideia sem sentido: falamos com as pessoas, antes delas partirem de nós, exatamente aquilo que teria de ser. Alterar isso, forçar conversas só para as ter, seria artificializar o que, afinal, é apenas a coisa mais natural das nossas vidas.
Há uns meses, associei-me a uma iniciativa pública onde cada pessoa lia um poema sobre mulheres. Na altura, escolhi um texto de Eugénio de Andrade, chamado “Pequena Elegia de Setembro”, que aqui publiquei.
Repito-o, lembrando-me bastante, neste dia (embora, para mim, o dia da Mãe continue a ser o 8 de dezembro), da minha mãe:
Repito-o, lembrando-me bastante, neste dia (embora, para mim, o dia da Mãe continue a ser o 8 de dezembro), da minha mãe:
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Os livros da vida (7)
Foi naturalmente a carreira diplomática o motivo pelo qual alguém, um dia, me recomendou que lesse o “Les Ambassades”, de Roger Peyrefitte. O romance tinha ligação com um anterior, que só vim a conhecer mais tarde, “Les Amitiés Particulières”, uma obra de muito melhor qualidade literária. Peyrefitte escrevia primorosamente, embora muitas suas obras posteriores (como “Les Clés de Saint Pierre”, “Les Juifs”, “Les Fils de la Lumière” e, em especial, “Les Américains”, dentre os poucos mais que dele li) acabassem por fazer cedências a um modelo deliberadamente escandaloso, que o transformaram num “escritor maldito”, que a sua assumida pederastia bem justificava. O “Les Ambassades” é um romance divertidíssimo. Passado na Atenas pré-Segunda Guerra, ali se caricatura, com ironia e maestria, o microcosmos da embaixada de França, com os conflitos internos entre os titulares das várias funções internas. Quando entrei para a diplomacia, e por bastantes anos, aquele modelo tinha ainda algumas similitudes com a nossa própria realidade. Peyrefitte viria a escrever uma sequela, “La Fin des Ambassades”, já sem o mesmo fôlego e graça.
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Bernardo Pires de Lima
Leio no "Expresso" que Bernardo Pires de Lima vai para Bruxelas, reforçar a equipa de António Costa. É uma excelente notícia. O pr...