sexta-feira, janeiro 22, 2016

Muito lá de casa...

Há umas semanas, publiquei este artigo. Revisito-o agora porque, creio, dele fica evidente o nome de um candidato presidencial em quem não votarei...

Um dos candidatos que estas eleições presidenciais oferecem à escolha dos portugueses é uma figura que, durante anos, entrou na nossa casa com grande frequência. Não tocou à porta, mas esteve connosco na sala, conversando sobre tudo e sobre todos, de futebol a política, de “faits divers” às finanças, da justiça aos espetáculos, da lombada de livros às questões de saúde, etc, etc.

Sobre tudo tinha ideias, de tudo parecia que sabia um pouco, num modelo a que os italianos chamam de “tudólogo”. Diz coisas certas? Claro que sim, a par de outras que são tão discutíveis como as que qualquer um de nós costuma ter. Educado, inteligente, informado, às vezes um tanto “pela rama”, outras um pouco mais profundo, o tal candidato provou que quase nada do mundo lhe era alheio. Ou parecia ser. A sua melhor definição foi-me dada um dia por um amigo: “estou quase sempre de acordo com ele, exceto quando conheço bem os assuntos!”

No cenário de fundo da vida da esmagadora maioria dos portugueses adultos, o tal candidato é uma figura que nunca esteve distante. Os mais velhos lembram-no como jornalista, outros como político ou como jornalista político, muitos outros simplesmente como professor – e nós sabemos como ser “professor” sempre por cá funciona subliminarmente como um fator de prestígio para credibilizar o que se diz. A maioria dos contemporâneos recordá-lo-á como opinador, primeiro na rádio, depois nas televisões, nestas tendo vogado entre canais. No desporto, não é do Benfica nem do Sporting, antes pelo contrário, não sendo também do Porto. Todos o identificam com um partido mas também já o ouviram criticar, sem exceção, os líderes desse mesmo partido. Todos? Todos! Mesmo que ele próprio tenha também cumprido um dia essa função…

Para muitos dos portugueses, esse candidato sugere a intimidade que temos com um primo distante, daqueles que irrompe nos casamentos ou nos batizados. Não o conhecemos bem, mas é insinuante, simpático e dialogante. Conta anedotas, é espirituoso, desenha uma presença agradável, sai-se com tiradas inteligentes, às vezes iconoclastas, as mais das vezes jogando no “mainstream” do senso comum. Algumas mulheres acham-lhe piada, alguns homens apreciam-no como divertido e eternamente bem humorado. Todos o tratamos pelo primeiro nome, claro. É muito lá de casa…

Há uma década, quando Cavaco Silva foi candidato a presidente, recordo-me do modo complacente como alguns, mesmo nele não votando, encararam com resignada aceitação a sua eleição, não obstante ser “do outro lado”. Dizia-se que era um homem “rigoroso”, “austero”, uma figura "em quem se podia confiar”. Depois, foi eleito e saiu-nos na rifa o que temos visto!

Imaginem agora que outro alguém, também “do outro lado”, mas a quem ninguém se atreverá a colar os qualificativos sossegantes que ingenuamente concedíamos ao presidente cessante, volta a ocupar Belém! Ah! “Mas este tem muito mais graça, é divertido! Vai ser um tempo interessante!” Pois, pois! Esperem pelas crises, pelos dias em que as coisas não estejam a correr bem! Depois não me venham dizer que não avisei!    

O risco


Na República em que vivemos, mesmo contando os momentos de reeleição dos quatro anteriores presidentes (Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco), nenhuma outra campanha terá contribuído mais fortemente para criar um sentimento de irrelevância da função presidencial. 

O desinteresse que se instalou na opinião pública em torno da escolha do chefe do Estado tem vários responsáveis e o principal chama-se Cavaco Silva. Foi-o pela forma como se comportou no exercício do cargo (as sucessivas sondagens são inequívocas), em particular neste segundo mandato e, muito em especial, pela sua catastrófica gestão da agenda política em 2015. 

Parte da responsabilidade cabe contudo às principais forças políticas. Habituámo-nos ao discurso de que esta eleição é unipessoal, que os partidos políticos surgem apenas como coadjuvantes da vontade dos candidatos. Mas todos sabemos que as coisas, sendo formalmente assim, na prática são diferentes. O envolvimento das forças políticas organizadas é essencial para garantir a mobilização popular que transforma a escolha de uma pessoa e na sua legitimação política pelo sufrágio. E os partidos notaram-se pela sua ausência.

A sucessão temporal entre as eleições legislativas e a campanha presidencial, cumulada com a circunstância da solução governativa ter assumido contornos atípicos, criou uma conjuntura bizarra, a que os partidos não souberam dar a volta. Isso acabou por instalar na opinião pública um alheamento que se somou também à ideia de que estávamos a escolher apenas, perdoe-se-me a simplicidade, “o sucessor de Cavaco”. E isso, percebe-se, não era a coisa mais estimulante do mundo.

Os figurantes não ajudaram? Convenhamos que a direita não tinha muito melhor para apresentar. Na esquerda socialista, as figuras com melhores condições cedo se colocaram fora da contenda e as que apareceram a jogo desempenharam o papel que as circunstâncias permitiram. Nas restante forças políticas com expressão, as escolhas foram “honorables”. E os “espontâneos” e os “cromos” são, hoje como sempre, apenas isso mesmo.

A função presidencial não sai elevada desta campanha. Ironicamente, a responsabilidade de quem vier a ser eleito será grande, porque lhe vai competir – se souber e puder – retomar a importância da instituição Presidência da República no quadro interinstitucional. Se o não conseguir fazer, o risco é claro: é a possibilidade de, no seio das principais forças políticas, vir a gerar-se um consenso no sentido de rever a Constituição, por forma a reforçar o pendor cada vez mais parlamentar do regime, passando o Presidente a ser eleito na Assembleia da República, como acontece, por exemplo, na Alemanha ou na Itália. Ou na Grécia.

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Política

É impressão minha ou, de repente, isto dá ares de estar a começar a ficar esquisito? 

É o comportamento da bolsa, são os sinais e recados de Bruxelas, são as dúvidas das agências de notação, é a conversa já seca da meninas do Bloco, é o avanço firme do Marcelo Nuno, são as rugas crescentes no discurso de Jerónimo de Sousa, são as parcelas das contas com zeros que parecem a mais, é o atenuar do discurso de observância dos "targets" europeus, é o reafirmar prioritário do "compromisso histórico" conjuntural. 

Mas pode ser só impressão minha.

quarta-feira, janeiro 20, 2016

A cunha

Aquele amigo olhou para o secretário-geral do MNE com uma cara que denunciava uma qualquer núvem de divergência entre ambos.

- Devo dizer-te que fiquei bastante desiludido por afinal não teres colocado o rapaz de quem te tinha falado naquele posto. Eu havia-te dito que tinha um grande empenho em que fosse ele o nomeado...

- Eu tinha percebido, meu caro! Só que verifiquei que todos os outros candidatos eram melhores que o "teu"...

- Ora bolas! Mas a minha "cunha" era precisamente pelo facto de se saber que os outros eram melhores... 

Pergunta e resposta

- Olha lá! O teu blogue deixou de ter fotografias? Fica mais triste...

- Já voltarão, já voltarão! O que acontece é que estou fora de Portugal há quase uma semana e, como sou um "nabo" informático, não consigo colocar fotografias nos posts, com o iPad.

terça-feira, janeiro 19, 2016

Emprego?

Numa notícia de jornal de hoje, o meu nome surge simpaticamente citado como hipótese para o lugar de próximo Secretário Executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). 

Tenho a certeza de que se trata de uma mera especulação mediática, tanto mais que, de há muito, é sobejamente conhecida, nomeadamente por parte de quem é relevante nestas coisas, a minha definitiva e irrevogável (e, no meu caso, "irrevogável" significa isso mesmo) indisponibilidade para quaisquer funções remuneradas de natureza oficial. Isto é válido para este caso como já o foi no passado para outros e o será no futuro para tudo.

Pode parecer pretensioso estar a afirmar isto desta forma, mas apetece-me cortar cerce qualquer especulação.

Almeida Santos

Para a minha geração política, António Almeida Santos era um nome mítico da oposição moçambicana ao salazarismo, ligado aos "Democratas de Moçambique" que, ciclicamente, causavam engulhos à ditadura, por ocasião das farsas eleitorais a que esta não se podia furtar. Foi assim com naturalidade que, em 1974, o vi surgir como ministro da Coordenação Interterritorial, esse nome rebuscado com que a Revolução crismou um Ministério do Ultramar em transição. Depois, como não podia deixar de ser, na raiva da diabolização, vi-o colocado no pelourinho por quantos foram vítimas inocentes de uma descolonização apressada e de desfecho inevitável, uma bomba-relógio criminosamente deixada avançar pela cegueira colonial.

António Almeida Santos foi um dos mais prolíficos legisladores do regime democrático. Senhor de uma escrita límpida e rigorosa, era um jurista eminente e a República deve-lhe muito. Ministro em diversos governos e em várias pastas, não conseguiu chegar à chefia do executivo quando Mário Soares a abandonou, muito por mérito da onda cavaquista que os fundos comunitários já começavam a adubar, nesses anos 80. Também nunca foi presidente da República, um lugar que lhe cairia como uma luva, mas em que os "timings" eleitorais o não favoreceram. Mas o seu período como presidente da Assembleia da República, quando melhor o conheci, ficou gravado como um marco naquela casa da democracia.

Tinha-o como um amigo certo, um homem sereno, ponderado e sempre disponível para quem o conhecia. Era senhor de uma palavra serena, de um juízo sólido, de conselho avisado. Sabia quando e como manifestar a solidariedade devida, como eu próprio tive o privilégio de apreciar. Guardo dele muitos daqueles cartões escritos numa letra límpida (como também era a do seu grande amigo Mário Soares), alinhada, desenhando palavras amáveis, às vezes com uma sugestão, outras com uma nota de simpatia. As mesmas palavras que trocámos, pela última vez, num almoço nas Amoreiras, um pouso gastronómico que curiosamente apreciava. Disse-lhe então que, há anos, o achava "sempre na mesma", com o um aspeto físico imutável. Respondeu-me: "o meu querido amigo nem imagina como esta "máquina" se vai estragando..."

A vida trouxe-lhe algumas fortes tristezas, talvez só compensadas pelo respeito e pela muita consideração que sabia gerar e cultivar nos outros, com naturalidade e imensa simpatia. Os socialistas devem-lhe a lealdade, o equilíbrio e o testemunho de quem soube unir diferentes gerações e protagonistas.

Tenho muita pena que uma inadiável missão de trabalho no estrangeiro me impeça de lhe poder deixar o último testemunho de uma amizade que não esquecerei.

"Much ado about nothing"

Nos últimos anos, dei aulas sobre prática diplomática a estudantes universitários. Alguns deles eram estrangeiros, o que fez com que, em diversas ocasiões, tivesse de abordar o modo muito diferenciado como cada país leva à prática aquilo que Paulouro das Neves tão bem trata no livro a que, com felicidade, deu o nome de "Rituais de Entendimento".

Um dos temas que sempre verifico que suscita curiosidade nas aulas prende-se com as condecorações que são atribuídas por um país a cidadãos estrangeiros. Se há práticas diplomáticas que é tradicional serem comuns, neste domínio elas divergem de Estado para Estado e cada país é chamado a definir as suas regras próprias, feitas de um historial que lhe é específico. E que, naturalmente, compete aos profissionais de cada diplomacia nacional acatar e respeitar.

Nas últimas horas, vi na internet e na comunicação social uma estranha polémica, aparentemente pelo facto da nossa embaixada em Paris não ter acolhido a entrega de uma condecoração atribuída pelo governo francês a uma determinada personalidade portuguesa.

Atentas as últimas funções diplomáticas que exerci, compreender-se-á que aborde este assunto com extremo cuidado, tanto mais que desconheço, em absoluto, o contexto dos factos. Mas há uma coisa que não posso deixar de afirmar, com a maior clareza: eu teria ficado surpreendido se uma condecoração francesa tivesse sido entregue a um cidadão português, quem quer que ele fosse, nas instalações da nossa embaixada em Paris. Apenas porque não é essa a regra.

Nunca vi - mas admito, modestamente, que possa não ter visto tudo - uma representação diplomática portuguesa acolher a entrega de condecorações oficiais estrangeiras. Posso entender que o agraciado pudesse ter gosto nisso, admito mesmo que o país agraciante pudesse não ver inconveniente em que um território diplomático estrangeiro pudesse ser usado para esse fim. Admito tudo isso, mas um Estado não deve adaptar as suas regras protocolares às vontades pessoais, por mais respeitáveis que sejam, ou a quaisquer práticas estrangeiras. Às representações diplomáticas e consulares portuguesas compete zelar pela observância das regras que são próprias a Portugal. E elas são, nesta matéria, muito claras. Nada disto me parece, sequer, discutível.

Com toda a franqueza, tudo isto me parece "much ado about nothing", como dizia Shakespeare para significar o nosso simples "tanto barulho por nada".

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Italiano

Só tenho um livro em italiano. Comprei-o há muitos anos, era sobre um tema que me interessava bastante e, na minha ingenuidade, pensei que conseguiria lê-lo. Qual quê! O italiano é, para mim, uma língua muito difícil, quase impossível. Por muito que reconheça algumas palavras, não consigo ler longos textos, da mesma maneira que, muitas vezes, vejo-me em palpos de aranha para entender a própria língua falada, ainda que com a ajuda dos gestos que fazem parte da sua coreografia tradicional. 

Hoje, em Roma, entrei numa Feltrinelli, livraria da fantástica editora do mesmo nome. Há muitos anos que me impressiona a variedade e a qualidade da edição italiana! (Para além do próprio país, onde se venderão os livros em italiano? No Ticino suíço ou em alguns bairros de Nova Iorque?). Olhei para tudo aquilo com o ar de um verdadeiro analfabeto. A verdade é que por muito que sempre me agrade espiolhar o cenário das livrarias, em qualquer parte do mundo onde vá, saio sempre um pouco frustrado dos locais onde não consiga comprar qualquer livro. Como me acontece agora, já à saída do voo para Lisboa. 

Trivia

Adoro o conhecimento "inútil". Desde que me conheço que tenho um fascínio, talvez até um pouco adolescente, por um tipo de informação que não tem a menor utilidade, que não seja a satisfação da curiosidade própria. Tenho vários livros sobre "trivia", que tratam de tudo e de mais alguma coisa. Os mais céticos chamam a isto depreciativamente "cultura de almanaque", mas a mim é-me completamente indiferente a sua opinião. Continuo, por exemplo, nesta busca incessante de resposta para essa questão "grave" e polémica que é a origem da expressão "OK", embora já tenha descoberto a razão pela qual os barcos de turistas no Sena se chamam "bateau mouche". Eu sei que o "tio Google" hoje responde (embora às vezes com respostas contraditórias entre si) à maioria das perguntas, mas eu sou de outro (glorioso) tempo, das discussões intermináveis da mesa da Gomes em Vila Real ou da "sala verde" do velho ISCSPU da Junqueira, acabando nas noitadas do Montecarlo ou do Procópio. Nada se equipara a uma boa discussão, por tudo ou por nada, principalmente por nada.

Ontem, no final do almoço (segui o conselho do papa Francisco, o qual, do alto da janela na praça de S. Pedro, nos havia recomendado, minutos antes, "buon pranzo a tutti"), tive uma conversa com o dono de uma "trattoria" romana e, já não sei bem a que propósito, veio à baila a palavra "tedesco", estranho termo com que os italianos se referem aos alemães. Não falo uma linha de italiano (entendo alguma coisa, mas não passo do "arriverderci" ou da "buona notte"), mas andava há anos com a curiosidade de conhecer a origem da expressão. O homem, pessoa culta que falava um francês magnífico, fruto da emigração que lhe permitiu amealhar para comprar a casa, mostrou-se tão intrigado como eu. E lá andámos nós, entre um "lemoncello" que acabou por ter de duplicar-se, à procura da etimologia da palavra. E que descobrimos? Que a palavra tem origem na designação de uma língua medieval alemã, o "theodisce", utilizada popularmente, e que significava precisamente "do povo". É aliás a partir do final dessa palavra que nasce o conhecido "deusch". 

As coisas que se aprendem quando se quer saber! Estava eu a pensar nisto, para fazer a nota para este blogue, quando deparei com uma reportagem com os golos da jornada futebolística italiana na televisão. Fiquei preso ao écran por uns minutos, até que, nesta língua cheia de "is" que é o italiano, ouvi a conhecida expressão "calcio" para designar futebol. E lá vou eu à procura da razão que leva a Itália a usar uma palavra tão diferente da generalidade das línguas conhecidas, para se referir ao mais belo jogo do mundo...

domingo, janeiro 17, 2016

Comunicação social

Não aprecio muito as análises sobre a comunicação social que assentam na presunção mecanicista de que a orientação dos "media" depende quase exclusivamente das pessoas escolhidas para os dirigirem. Uma avaliação deste tipo pressupõe que o corpo redatorial desses jornais, rádios ou televisões não passa de meros "paus mandados", sem coluna vertebral deontológica, que se vergarão às determinantes que lhes vierem a ser impostas, sem um mínimo de resistência se acaso lhes vier a determinada uma inflexão enviesada na linha informativa. Também resisto a pensar que certos profissionais nomeados para lugares de chefia nesse órgãos, conhecidos pelas suas posições mais à esquerda ou à direita, tendem a que essa sua orientação ideológica se sobreponha em absoluto ao seu compromisso profissional com a verdade. 

Penso tudo o que escrevi. Mas a vida e a experiência também me ensinaram a já não ser excessivamente ingénuo neste tipo de questões, "if you know what I mean".

sábado, janeiro 16, 2016

Remunerar o trabalho

Desde que, há cerca de três anos, regressei definitivamente a Portugal, tenho vindo a ser convidado a estar presente em colóquios ou palestras, sobre temas em que, aparentemente, se considera que posso dar alguma contribuição com interesse, normalmente sobre temas de natureza internacional, mas não só. 

Na medida da minha disponibilidade, faço-o sempre com gosto, embora algumas dessas prestações deem, por vezes, bastante trabalho a preparar. Não raramente, esses eventos têm lugar fora de Lisboa, implicando deslocações, por vezes longas e cansativas. Nesses casos, quem convida prevê, muitas vezes, alojamento e, em algumas ocasiões, as refeições e o transporte. Porém, só em situações muito pontuais a presença nessas tarefas inclui o direito a uma qualquer remuneração, ainda que pequena, ou o pagamento de um qualquer per diem

A experiência mostra que, em muitos países, as coisas se passam de forma diferente: quem é convidado a falar recebe, por regra, uma remuneração por esse trabalho, por vezes mesmo uma quantia significativa, outras vezes um valor pouco mais que simbólico. Mas há quase sempre um determinado montante, às vezes umas escassas centenas de euros, como forma de retribuir o trabalho executado. Por vezes, como já me aconteceu nos Estados Unidos, na Polónia, na Coreia do Sul, na Alemanha e em outros lugares, torna-se mesmo obrigatório aceitar esse montante, não podendo os oradores dispensá-lo. 

Por que será que, entre nós, as coisas se passam quase sempre como se fosse natural que o trabalho pro bono devesse ser a regra? Será que se considera que somos nós que nos devemos sentir honrados com o convite? Nesse caso, "à la limite", talvez devêssemos ser nós a pagar alguma coisa! Ou será porque se entende que quem é convidado a falar tem recursos suficientes para dispensar ser recompensado pelo seu esforço? Conheço pessoas que, entre nós, já só se disponibilizam para falar em público mediante remuneração. E, infelizmente, também já assisti a casos em que oradores não remunerados estavam sentados lado a lado com outros pagos para a mesmíssima tarefa.

Posso perceber que, tratando-se de instituições sem fins lucrativos ou de natureza beneficente, a gratuitidade possa ser solicitada. Mas já compreendo menos bem que, quando há uma "sponsorização" dos eventos, por parte de entidades públicas ou de empresas, neles não esteja prevista uma qualquer remuneração para os oradores, repito, mesmo que não seja muito elevada. E em especial não consigo entender muito bem que, quando os organizadores desses eventos são profissionalmente remunerados para os prepararem e gerirem, possam legitimamente pedir a alguém que convidam para falar que se disponibilize a nada receber.

Lembrei-me disto ontem, aqui em Roma, onde vim falar a convite de uma determinada entidade. Transportes (mesmo em Lisboa, até ao aeroporto e no regresso a casa), alojamento e todas as horas de trabalho que executei foram devidamente compensadas monetariamente. Não foram números muito expressivos, mas representam o respeito devido pelo labor na preparação de uma conferência e em algumas horas de debate especializado.

É assim que as coisas devem ser e espero que, cada vez mais, entre nós também comecem a ser assim.

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Bola ao centro

Recomeça o jogo no CDS. Um novo líder agarra o testemunho de uma formação que o destino condenou a nunca poder ser o maior partido.

Num dia de dezembro de 1974, uma delegação do CDS expôs ao Movimento das Forças Armadas o problema existencial que afetava o partido. O CDS fora estimulado a organizar-se pelo presidente Spínola, Freitas do Amaral integrara o Conselho de Estado, mas o CDS não ingressara nos governos provisórios (não viria a fazer parte de qualquer deles, até 1976). A sua legalidade era indiscutível e o seu programa era compatível com os princípios da Revolução (teria graça relê-lo hoje). No entanto, o CDS defrontava crescentes dificuldades de organização (comícios boicotados, sedes assaltadas, militantes ameaçados), sob a aparente indiferença das forças da ordem.

Recordo bem a intervenção de Vitor Sá Machado: o CDS pretendia acolher quem não se reconhecia à esquerda (na altura, afirmar-se "de direita" era quase tabu), dar a esse setor um espaço democrático de expressão e, por essa via, "servir o 25 de abril”. Porém, para tal, necessitava de saber se as Forças Armadas estavam dispostas a dar garantias para a sua existência, se o partido poderia, ou não, ter condições de se estruturar em liberdade. Deixou subentendido que, se acaso o CDS desaparecesse, haveria o risco de determinados meios mais conservadores poderem optar por se colocarem violentamente fora do sistema

A delegação do MFA era chefiada pelo (então) tenente-coronel Franco Charais (eu estava lá como militar). Assegurou que o CDS tinha todas as condições para continuar a existir, parte das dificuldades do partido deviam-se ao facto de muitos dos seus aderentes serem antigos apoiantes da ditadura. Fixei uma frase: "Um outro partido de direita, como o PPD, também tem esse problema"...

O CDS fez entretanto o seu percurso. Enquadrou o desespero dos "retornados", escapou à "poluição" das derivas bombistas do MDLP e do ELP, conjugou verdadeiros democratas com reacionários assumidos. Integrou governos, esteve em riscos de apagamento parlamentar (fase do "taxi"), vagueou por lideranças contraditórias. Foi do federalismo europeu ao discurso eurocético radical, da democracia cristã ao neo-liberalismo. Defendeu pensionistas e justificou os cortes que os atingiram, diabolizou os impostos e subscreveu a mais violenta carga fiscal. Às vezes, as caras que titularam essas fases políticas foram diferentes, outras vezes, o mesmo figurante fez os dois papéis.

Uma coisa o CDS nunca fez: assumir causas de extrema-direita, xenófobas, racistas, ultra-securitárias ou discriminatórias, nomeadamente no plano religioso. Só podemos esperar que a nova liderança seja digna deste património.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Boa memória (2)


Há pouco, ao apanhar um táxi para o aeroporto, ainda tive a esperança do carro ser conduzido por este conhecido motorista, que chegou "à praça" lisboeta em 1989. Não era. É que, nos dias que correm, já tudo é possível...

Outros presidentes

Foto de Margarida Lima

Nesta cidade de Lisboa, há umas tertúlias simpáticas, que juntam gente muito diversa, que convida para almoçar ou para jantar uma figura pública que se dispõe a falar sobre a sua atividade ou sobre um tema específico, havendo depois um diálogo alargado com os circunstantes. 

Faço parte de algumas dessas tertúlias. O compromisso dos convidantes é que o que por ali se disser é "sagrado", não vem a público. Até hoje, nunca vi essa regra desrespeitada.

Há semanas, jantei num desses "cenáculos" com o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Ontem, tive o gosto de almoçar com o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira.

Ao ouvi-los falar sobre as cidades que gerem, os respetivos problemas, as questões com que se confrontam e os planos que têm para elas, apetece-me utilizar a frase "histórica" do capitão Fernandes, em 1975, no auge do PREC, quando perguntado sobre o destino das armas que tinha desviado de Beirolas: "Estão em boas mãos!"

quarta-feira, janeiro 13, 2016

Istambul


Há não muito tempo, depois de fazer uma palestra em Antália e de reuniões em Ancara, tomei a decisão, antes do regresso a Lisboa, de passar um dia em Istambul.

Parti de Ancara num voo bem matutino, instalei-me num hotel perto da Aya Sofia e, durante 11 horas (é verdade!), flanei sozinho pela antiga Constantinopla (ser filho único ajudou-me sempre muito a gostar de andar comigo mesmo). Almocei no restaurante da estação tornada famosa pelo Expresso do Oriente (de onde Gulbenkian partiu, em fuga, quando jovem), comprei castanhas pela rua, visitei mesquitas (nunca tinha ido à Suleimaniye), perdi-me no mercado das especiarias, fiz o clássico passeio de barco pelo Bósforo (onde tive uma curiosa conversa com um médico iraniano, que por aqui contei), vi o sol a pôr-se à passagem pelo palácio Dolmabahce, galguei até às alturas de Galata, com pausa para um copo no bar do Pera Palace, calcorreei toda a Istiklal até à praça Taksim (lembrando os confrontos, não muitos meses antes) e não resisti ao cliché de tomar o famoso elétrico de volta. Jantei muito bem, por ali, para o tarde, num restaurante moderno, com uma livraria acoplada (tudo publicado em turco, infelizmente...), com imensa gente, música ao vivo, acompanhado de um tinto búlgaro que me soube pela vida. A noite estava quente, desci no funicular, parei uns minutos na ponte, na travessia para a cidade velha, para observar a sorte dos seus eternos pescadores. Apenas por cansaço, tomei um taxi no percurso que me restava até ao hotel, não sem antes ter bebido um sumo de limão gelado num boteco tradicional. Um dia turístico barato, numa imensa tranquilidade, numa das mais vibrantes e belas cidades do mundo.

Senti-me então em Istambul em completa segurança, como sempre me recordo por lá. A cada vez, desde a primeira visita nos anos 80, a expressão islâmica no vestuário das mulheres acentua-se a olhos vistos - como aliás acontece no Cairo, em Tunis, mas muito pouco em Argel.

Se há cidade que, sempre que posso, recomendo a todos os meus amigos para visitarem é Istambul. Ontem, um terrível atentado vitimou turistas na cidade, na zona de Sultanahmet, junto ao hotel onde fiquei. Sinto raiva ao pensar que o terror começa a retirar ao mundo o usufruto das suas maravilhas.

Educação


Em matéria de modelos educativos ou de sistemas de aferição de conhecimentos, tudo o que sei resume-se à minha experiência, letiva ou consultiva, no ensino superior. Não tenho opinião nenhuma sobre os restantes graus de ensino, até porque, familiarmente, não sofro "na pele" os efeitos das decisões que são tomadas neste âmbito.

Uma coisa sei, porém, de ciência segura: não pode estar bem um setor que anda permanentemente para a frente e para trás, onde há décadas se não estabilizam os métodos, onde o que era bom ontem passa a ser mau amanhã e vice-versa. Com os diabos: será que não é mesmo possível, pelo respeito devidos à formação das novas gerações, haver uma espécie de um "pacto" entre a(lguma)s forças políticas que estabilize o tratamento deste tipo de questões, dando à opinião pública a certeza de que as coisas permanecem "quietas" por algum tempo?

Pedro Coelho (1941-2016)


Este blogue não tem vocação para se tornar num registo obituário, mas há nomes cuja desaparição é tão marcante que se torna impossível deixar de registar.

Pedro Coelho é uma figura cuja postura me habituei a admirar, desde há décadas. Militante clandestino da Acção Socialista Portuguesa e, mais tarde, do Partido Socialista, de que foi fundador, era um democrata e um homem que faz parte da história dos socialistas portugueses. Constituinte em 1975, passou por experiência governativa e parlamentar, mas optou por manter-se ativo na vida económica privada, a que nunca deixou de ser dedicar. Era uma figura de extrema simpatia, educado, sociável e, curiosamente, aparentava ser bastante mais novo do que na realidade era. Mantínhamos uma relação pessoal de extrema cordialidade, reforçada por amigos comuns que ambos prezávamos.

Deixo aqui uma fotografia de Carlos Gil, que, seguramente, lhe dizia muito: no dia 25 de abril de 1974, falando por um megafone em frente ao quartel do Carmo, tendo a seu lado João Soares e Francisco de Sousa Tavares.

terça-feira, janeiro 12, 2016

Ana Lourenço


Ana Lourenço anunciou que vai sair da SIC Notícias.

Qualquer que venha a ser o seu futuro, apenas desejo que possa continuar a praticar o jornalismo rigoroso, sem concessões, a que há muito nos habituou. É uma jornalista por quem fui entrevistado diversas vezes e por quem tenho um grande respeito e admiração. Prepara muito bem os temas, lida com elegância e sobriedade com os seus interlocutores, não é gratuitamente agressiva ou "excitada", controla bem os debates e não permite o "enviesamento" das discussões, sem, no entanto, deixar de colocar sempre as questões essenciais. 

Tenho pena pela SIC Notícias, uma grande estação de televisão, que recentemente também perdeu António José Teixeira como diretor de informação, igualmente um profissional "de mão cheia". O que se passará em Carnaxide?

O crava do Chiado


Há quase dois anos que deixei de o ver. Lembrei-me dele há minutos, junto ao seu ponto geográfico favorito "de ataque", um pouco acima da Bertrand do Chiado. Andava na casa dos cinquenta, tinha óculos, era alto, magro, sorridente, muito bem falante, claramente culto e tinha uma técnica magnífica: não nos interrompia o passo, colava-se a nós e começava a debitar, numa voz bem audível à volta, uma nossa breve síntese curricular, bem construída e sempre exata, que durava cerca de quinze segundos (sei isto bem porque caí na esparrela, aliás consentida, aí umas cinco vezes): "Boa tarde, Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado dos Assuntos europeus, que está embaixador de Portugal em (dizia o posto certo) e escreveu há dias um artigo sobre (...)" e adiantava mais duas ou três informações, seguramente tiradas de um qualquer jornal (nem me atrevo a imaginar que tivesse acesso ao Anuário do MNE!). A maior surpresa, mais do que saber o meu nome, era ele ter dados informativos atualizados sobre mim, tanto mais que, no meu caso, que vivia então no estrangeiro, passavam-se meses em que não subia a rua Garrett. E dizia tudo aquilo em voz bem alta, o que me embaraçava um pouco perante quem nos cruzava, pelo que sempre me apressava a deitar a mão à carteira, para corresponder à frase final com que complementava o sonoro CV: "Pode deixar uma notinha para ajudar aqui este seu amigo?".

Já encontrei várias pessoas que foram objeto desta tática de abordagem pela mesma personagem. Um dia creio que alguém chegou a dizer-me quem ele era. Que será feito do homem? Não que me apeteça minimamente ser cravado de novo, mas - é da idade, com certeza! - começo a cultivar com algum carinho a memória destas figuras bizarras da fantástica cidade onde tenho o privilégio de viver. E o Chiado estava hoje com uma luz imbatível... 

António Monteiro Cardoso (1950-2016)

Um dia, numa entrevista, dei-me conta de que o António tinha, como "lugares de sonho" cidades que me eram, em absoluto, comuns: Ouro Preto, Mariana, Tiradentes e Sabará. Seria por sermos ambos transmontanos? Talvez, mas nunca falámos sobre isso. Aliás, longamente, falámos muito poucas vezes, embora comungássemos muitas outras coisas, como era o caso do futebol.

Já não sei como nos conhecemos. Terá sido nos anos 80, creio. Seguramente, através da Ana e, depois, também da Joana. Recordo que lhe escrevi um dia, a felicitá-lo pelo excelente (e surpreendente) "Boas fadas que te fadem". Guardo uma troca de notas sobre isto.

Ontem, regressado a Lisboa, a meio de um jantar, fui surpreendido pela notícia da morte de António Monteiro Cardoso. Sabia-o doente. Não nos víamos há bastante tempo, porque as nossas vidas são o que são e, às vezes, só as mortes nos juntam.

Recordo o António como um homem caloroso, de sorriso aberto, por onde perpassava sempre alguma ironia. Saído dessa escola agitada que foi Direito de Lisboa em 1975, ex-MRPP, depois de se deter no Direito da Informação, ao tempo em que trabalhou com o Alberto Arons de Carvalho, o António passou posteriormente a dedicar-se à Historia, onde fez uma obra diversa mas muito interessante, chegando mesmo a colaborar com o António Pinto da França, no tratamento da reedição das suas "Cartas Baianas".

Era um homem de uma grande cultura, de palavra fácil e sólida, escrevia muito bem e tinha uma visão algo "renascentista", que a sua e minha geração (o António, contudo, era mais novo do que eu) foi a última, entre nós, a cultivar.

O António desaparece agora. É hoje enterrado em Freixo de Espada-à-Cinta. Tenho pena de nunca ter discutido com ele o seu conterrâneo Guerra Junqueiro. Tenho a certeza de que iria aprender bastante e, tenho para mim, ele estaria seguramente de acordo com o meu pai, que sempre se recusou a considerá-lo um "poeta menor".

Neste dia triste, deixo um beijo sentido para ti, Joana.  

segunda-feira, janeiro 11, 2016

Memórias


Numa livraria do aeroporto de Madrid, acabo de deparar com as memórias de Jorge Dezcallar, um diplomata espanhol que conheço pessoalmente e que teve um percurso profissional muito interessante, com uma passagem pelos serviços de "intelligence" do seu país. 

Comprei o livro, claro, e vou lê-lo logo que possa. Para colegas de profissão, é sempre curioso tentar perceber o que cada um retirou da sua experiência, o modo como "leu" o seu papel na execução das políticas dos seus governos e, muito em especial, as "learned lessons" dos contactos e das histórias vividas, nos diversos países onde operou. 

Pela minha experiência de leitor compulsivo deste tipo de obras, o saldo destes exercícios é muito variado. Já li memórias fascinantes de diplomatas que ficaram longe de atingir o topo das respetivas carreiras, mas que foram capazes de produzir relatos interessantes e instrutivos. E também já tive grandes deceções em face de escritos de colegas, que embora altamente qualificados, não conseguiram "decantar" nada de especial daquilo que testemunharam ou vivenciaram. 

Há dois defeitos tradicionais neste tipo de memórias. 

O primeiro prende-se com a qualidade da escrita: em todo o mundo, nem sempre os melhores embaixadores são os que melhor escrevem e até se suspeita que alguns grandes diplomatas não arriscam escrever relatos da sua experiência profissional por não terem a certeza de conseguir produzir um trabalho que se situe à altura do prestígio que conseguiram. Muitos diplomatas não têm uma escrita apelativa para um público fora do "métier", por se terem entretanto aculturado a um "oficiês" pouco interessante. E isso pode inibi-los de meterem mãos à escrita.

O segundo liga-se ao bom-senso. Como se diz na minha terra, alguns diplomatas, aliás como ocorre com muitos outros profissionais, "não se enxergam", isto é, não conseguem relativizar o seu papel e tendem a colocar-se "em bicos de pés", não percebendo que, na esmagadora maioria dos casos, são apenas atores secundários, quando não meros figurantes, por melhores profissionais que sejam, de uma "peça" em cujo cartaz figuram em letra necessariamente pequena. O equilíbrio é uma arte difícil, não sendo fácil ter o sentido da medida. Uma coisa é clara: nunca seremos os melhores juízes de nós próprios.

Diplomata ... de carreira!


Nem sempre as viagens regulares que, por décadas, fiz entre Lisboa e a minha terra, Vila Real, se passavam placidamente em belas autoestradas, como hoje acontece. Nos dias que correm, quaisquer três horas e pouco são suficientes para o percurso. Nos anos 60, cinco horas era já um verdadeiro "record" do Guiness.

Um dia do início dos anos 80, ao tempo em que vivia na Noruega, li num jornal que a companhia de transportes coletivos nortenhos sedeada em Vila Real, a nossa clássica "Cabanelas", inaugurara uma nova carreira "expresso", anunciada como podendo fazer o percurso a partir de Lisboa em bastante menos de quatro horas. Tratava-se de uma viagem sem paragens e, como imensa novidade para a época, a viatura tinha televisão (é uma força de expressão: só se viam fugazes e difusas imagens, logo entrecortadas por imensos riscos) e uma casa de banho, sendo que esta última era inovação era rara em transportes coletivos do Portugal de então. Numa das minhas deslocações a Portugal, decidi experimentar este "expresso".

Em Lisboa, ao entrar no autocarro, deparei com um motorista conhecido, junto de quem procurei inteirar-me da verosimilhança da informação sobre o "fabuloso" tempo de decurso da viagem. Perguntei então ao homem se sempre era verdade" que faríamos aquele horário ambicioso. O motorista, em voz baixa, foi muito claro: "nem o Sidoninho, se estivesse aqui sentado, conseguiria fazer esse horário". O "Sidoninho" era o Sidónio Cabanelas, conhecido corredor de automóveis, filho do proprietário da empresa, pessoa de quem eu era amigo e que viria a falecer, pouco tempo depois, num cobarde atentado à bomba.

A viagem confirmou-se, realmente, tão rápida quanto a qualidade das estradas de então o permitia. O condutor fez mesmo algumas verdadeiras "loucuras", tentando não se distanciar demasiado do impossível "target" horário que a publicidade da "Cabanelas" promovia. Já a viagem ia adiantada, decidi ir à tal casa de banho  um cubículo ínfimo, que implicava una coreografia complexa, para os motivos que ali nos conduziam. Não atentei, porém, em que parte do percurso estávamos. Ora nós tínhamos entrado, precisamente, numa zona hipercurvosa, à saída do Buçaco. Assim, de pé, naquele estreito espaço, vi-me de repente atirado contra uma das paredes. Mal acabara de conseguir equilibrar-me, logo me senti projetado em sentido precisamente contrário. Fiquei meio zonzo! Não entro em mais pormenores, para que o meu embaraço de então não fique por aqui mais sublinhado...

À chegada a Vila Real, uma hora e tal depois, vinha enjoado, nervoso e cansado, pelo incómodo da viagem e pela angústia que que constantemente sentira, pela pouco razoável velocidade utilizada.

Na cidade, ao sair do autocarro, aguardava-me o meu pai. Viu o meu estado destroçado, sorriu e saiu-se com esta "tirada" que guardei para sempre: "ora aqui está um verdadeiro "diplomata... de carreira"!

Ontem, numa viagem bastante rápida num pequeno autocarro por montanhas da Colômbia, lembrei-me, por qualquer razão, daquele ambicioso "expresso" da saudosa "Cabanelas", a empresa de transportes que, por muitos e bons anos, nos abria as portas de Vila Real para o mundo. Aproveito para enviar um abraço à Márcia, acabado que foi o ano em que perdeu o seu pai e fundador da "Cabanelas" e quando se aproxima a data em que, há 27 anos, perdeu também o seu irmão Sidónio.

domingo, janeiro 10, 2016

América Latina


Dentro de menos de uma semana, a convite do Colégio de Defesa da NATO, vou a Roma proferir uma palestra sobre as questões de segurança na América Latina. Por uma curiosa coincidência, passei estes últimos quatro dias em outras tantas cidades deste subcontinente. Por mais curtas que sejam estas experiências, mas se estivermos bem atentos, conseguimos sempre extrair destes contactos, em especial das conversas que aqui ou ali vamos tendo, elementos úteis que nos ajudam a refletir sobre as perceções que já temos sobre esta muito complexa realidade.

Há quatro temas que, em permanência, vêm ao de cima neste tipo de contactos. 

Desde logo, as perspetivas sobre os diferentes modelos democráticos da região, o modo como se comportam no enquadramento de realidades históricas, económicas e sociais mutantes e muito diferentes entre si. É curioso observar, nos dias que correm, o modo como estão na agenda das preocupações as disfuncionalidades do modelo político brasileiro, a quase exaustão do formato venezuelano e a grande curiosidade que rodeia o modo como no sistema argentino se vão enquadrar as novas tendências emergentes na Casa Rosada de Buenos Aires.

Um segundo tema é, como não podia deixar de ser, o "parceiro" permanente de todo o subcontinente: os EUA. O "amigo americano", por muito "amigo da onça" que seja para alguns, é um dado incontornável neste complexo puzzle. Por essa razão, não é por aqui indiferente se Trump se afirma como candidato republicano e são naturalmente lidos com muita atenção todos os sinais que permitam antecipar atitudes de uma possível administração Clinton.

A segurança, por estas áreas, tem menos a ver com o papel (sempre relativo) da América Latina nos grandes equilíbrios mundiais - não há por aqui armas nucleares ou de destruição maciça, nem graves conflitos potenciais à vista - e muito mais nos riscos em matéria de "segurança humana" decorrentes das grandes desigualdades, da pobreza e das tensões sociais. Mesmo o tráfico de droga terá já descido uns furos nessa agenda de preocupações.

Finalmente, a crise económica mundial, o papel dos emergentes na ordem institucional que a enquadra no plano multilateral está muito presente nas conversas. Por onde vamos? Que futuro para os intercâmbios comerciais com a Europa? Que efeitos colaterais trará a parceira transatlântica, se vier a ter "pernas para andar", para uma América Latina que já vive polarizada, em termos comerciais, por uma promissora Aliança do Pacífico e um Mercosul que parece imitar, em termos de resultados, o triste destino do "ciclo de Doha" da OMC?

sábado, janeiro 09, 2016

"Reformar a Administração Pública"


O "Público" de hoje insere uma reflexão sobre o tema em epígrafe, para a qual gostaria de chamar a atenção dos leitores deste blogue. São autores do texto Fernando Bello, João Ferreira do Amaral, João Costa Pinto, João Salgueiro, José Manuel Felix Ribeiro, Miguel Lobo Antunes e eu próprio.

Este documento é resultado do aprofundamento daquela tema, feito com a audição de diversas personalidades altamente qualificadas no setor, sendo que o texto apenas vincula os seus subscritores.

Desde há mais de três anos que o grupo que deu origem a este documento tem vindo a organizar, com o apoio da Culturgest, um conjunto de iniciativas, algumas das quais com expressão pública, em torno de grandes questões que atravessam a sociedade portuguesa e o papel do Estado no seu seio.

Leia o texto aqui

Dos apoios

Durante o debate de ontem com Maria de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito das negociações europeias, mencionou o meu nome, referindo a minha suposta qualidade de apoiante de Maria de Belém.

A verdade dos factos é muito importante. E a verdade é que, até hoje, eu nunca assumi apoio a qualquer um dos candidatos a estas eleições presidenciais, entre os quais se inclui a minha amiga Maria de Belém.

Os anglo-saxónicos chamam a isto "to set the record straight". É o que agora aqui faço.

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Presidência?


A Holanda assume a presidência semestral da UE. Alguém vai notar? Berlim saberá? 

As artes & ofícios do professor Marcelo


Foi pena que Sampaio da Nóvoa, quando Marcelo Rebelo de Sousa, durante o debate de ontem, referiu, por diversas vezes, que as suas opiniões eram conhecidas do país, ao contrário do "silêncio" do seu opositor sobre os temas políticos mais especiosos da vida democrática passada, não lhe tivesse lembrado que essas posições públicas foram emitidas, por décadas, em canais públicos e privados, de rádio e televisão, principescamente remuneradas, sem o mínimo de contraditório e que funcionaram como uma espécie de pré-"tempo de antena" que preparou esta sua tentativa de sucessão do seu candidato preferido de sempre, que aliás o nomeou para o Conselho de Estado, o qual dá pelo nome, tão "popular" nos dias que correm que MRS tenta a todo o custo dele demarcar-se, de Aníbal Cavaco Silva. 

Acaso Sampaio da Nóvoa ou qualquer dos outros candidatos tiveram o privilégio desses milhares de horas de exposição para os exercícios de "tudólogo" - aquele que fala de tudo - de que MRS beneficiou? E o facto de não terem sido beneficiados com essa presença perante câmara e microfones retira-lhes qualquer legitimidade na expetativa de serem escolhidos pelos portugueses para ascenderem à Presidência da República?

O mundo está perigoso


A tensão há muito latente entre a Arábia Saudita e o Irão teve expressão, por estes dias, em alguns graves incidentes, provocados por Riade e reagidos por Teerão. Há riscos de que as “cabeças” das duas grandes obediências islâmicas (respetivamente sunita e shiita) possam vir a protagonizar um novo conflito na região. E, talvez mais importante do que isso, a limitar a concentração dos esforços internacionais no combate ao Estado Islâmico. 

A destruição política do Iraque como Estado unitário, pela ação irresponsável da administração Bush, fez desaparecer um contraponto a um Irão que, nesse vazio, descortinou uma oportunidade de afirmação da sua histórica ambição. Se o programa nuclear iraniano parece hoje controlado, na vertente militar, graças ao acordo obtido por força das sanções, alguns Estados da região - a começar pela Arábia Saudita e a acabar em Israel – continuam muito pouco sossegados com os respetivos termos.

O Irão, se bem que ainda debilitado e com o preço do crude a não ajudar, começa a fazer o seu caminho de regresso ao estatuto de potência regional. Ao afirmar a liderança da corrente shiita entre os muçulmanos, que está presente em vários tabuleiros políticos da área - do "novo" Iraque à Síria, do Hezzbolah libanês ao Iemen e ao Bahrein, Teerão reassume a sua capacidade de influência. E o seu estatuto de novo “parceiro” no conflito na Síria, que os países ocidentais parecem tender a reconhecer-lhe, irrita os seus tradicionais inimigos locais.

O principal dentre eles é a Arabia Saudita, país que se sentiu, por muitas décadas, sob uma espécie de "guarda-chuva" ocidental. Decisivo fornecedor de petróleo, com influência em grande parte do Golfo, sabia-se protegida pelos amigos americano e europeus, que, por “realpolitik”, sempre fecharam os olhos a um regime de práticas medievais, mas que lhes abria as portas a grandes negócios e lhes assegurava a energia para o seu desenvolvimento.

Entretanto, as prioridades energéticas mudaram, os EUA retraem-se na área e os aliados europeus, com a crise económica a bater à porta dos seus orçamentos militares, já não chegam para as encomendas em matéria de crises. 

Os sauditas, jogando a cartada nacionalista e religiosa para atenuar tensões internas, e a atravessar um momento económico menos brilhante, deram-se conta de que tinham de "fazer pela vida" e federar a resposta sunita às ambições regionais iranianas. 

A grande questão que preocupa a comunidade internacional é saber até onde estarão dispostos a ir.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Aeroporto de Lisboa

Nos últimos três anos, não viajo por via aérea a partir de Lisboa todas as semanas, mas, em média, utilizo o aeroporto da Portela no mínimo umas duas vezes por mês. Posso estar enganado, mas creio que nunca encontrei o aeroporto sem um estaleiro de obras. Não sei se isto é bom ou mau sinal, mas a verdade é que, quer à partida quer às chegadas, tudo tem mudado, nem sempre com a comodidade dos passageiros assegurada, muito embora seja óbvio ser esse o objetivo de alguns dos trabalhos - o outro é "meter-nos" lojas pelos olhos e no meio do nosso percurso, de uma forma que começa a tornar-se algo escandalosa. Um passageiro não tem o direito de entrar no aeroporto e tomar o caminho mais direto para o seu avião, visitando as lojas apenas se quiser?

quarta-feira, janeiro 06, 2016

Clotilde Câmara Pestana


Ontem, o presidente da República condecorou várias personalidades que, em diferentes cargos e funções, estiveram ligadas à atuação de Portugal no quadro da política europeia. Vários amigos e pessoas que muito respeito receberam esse reconhecimento. Infelizmente, não pude estar nessa cerimónia para felicitá-los. Considero que, sem uma única exceção, se tratou de distinções muito justas.

Permito-me, contudo, destacar um nome de entre todas essas pessoas: Clotilde Câmara Pestana.

Há dias, falei aqui da primeira equipa que acompanhou a integração europeia de Portugal. Foi nesse início de 1986 que conheci a Clotilde e dela fiquei para sempre amigo. Foi minha colega na "Visconde Valmor" e na "Cova da Moura" (os locais do Portugal europeu). Mais tarde, foi minha adjunta e chefe de gabinete, quando tive funções de governo na área dos Assuntos europeus. Nessa altura, o meu gabinete - entre pessoal diplomático, técnico e administrativo - e para além dos motoristas, chegou a ser composto apenas por mulheres.

A Clotilde é uma figura humana muito rara, para além de ser uma profissional dedicada, competente, de uma extrema lealdade e com um elevado sentido de serviço público. Sempre serena, muito "boa onda" e com grande sentido de equipa, é uma admirável criadora de consensos. Mas é, principalmente, uma notável mulher de família - mãe e orgulhosa avó de quase 11 netos! - com um empenhamento constante em causas religiosas e de voluntariado, ao lado do Rui, seu marido.

Deixo aqui um abraço de felicitações à minha querida amiga e recém comendadora Clotilde Câmara Pestana.  

terça-feira, janeiro 05, 2016

A cretinice é uma raça que se não extingue


Chinesices


A conversa ia solta, no carro daquele embaixador, algures no mundo. 

Mário Soares, então líder da oposição, tinha acabado de participar numa reunião da Internacional Socialista, de que era um dos vice-presidentes. Ciente do seu dever de acolher um ex-primeiro-ministro, o embaixador fora buscar Mário Soares e Maria Barroso ao hotel e, na viatura oficial da embaixada, com um jovem diplomata, conduzia-o agora de volta ao aeroporto. 

O embaixador era um diplomata à antiga. Criado na ditadura e pouco sossegado com o novo regime, olhava os socialistas como "avis rara". Claramente, apreciava a coligação conservadora no poder em Portugal, nesse início dos anos 80 do século passado. Mas, com sentido de Estado e do lugar que ocupava, colocara-se à disposição de um antigo primeiro-ministro. Soares estava satisfeito e foi simpático com o homem, que, intimamente, devia reconhecer que se tinha comportado como um bom profissional.

Apenas para fazer conversa, Soares inquiriu:

- O senhor embaixador conhece a China?  Daqui a duas semanas, vou a Pequim. É a primeira vez que os chineses convidam a Internacional Socialista para uma visita e, digo-lhe, fico contente em poder ter esta deslocação. Estou com uma grande curiosidade sobre a China.

- A China é muito importante, de facto, retorquiu o embaixador, em tom tipicamente formal. Conheço razoavelmente bem a China. Tem prevista alguma ida a Nanquim? 

Soares não tinha ideia de que Nanquim estivesse no programa.

- É pena, porque se fosse a Nanquim, por esta altura, veria os campos de flores, que são magníficos. 

Mário Soares não pareceu muito entusiasmado com a eventual extensão floral da sua visita. E, sobre o tema, nada disse. Mas, nem por isso, se calou o embaixador.

- O senhor doutor vai-me perdoar, mas, indo à China, posso dar-lhe um conselho? 

- Ó senhor embaixador! Por quem é! Claro que sim, tanto mais que já me disse que conhece a China e os chineses.

- Então, se me permite que lhe diga, deixo-lhe um alerta para a sua conversa com os chineses: não lhes fale de política!

Diz quem assistiu que o carro pareceu atingido por uma lomba que lhe afetou a suspensão. Soares explodiu:

- Não lhes falo de política? Ora essa, senhor embaixador, não tenciono falar-lhes eu é de outra coisa!

E Soares, farto da conversa do homem, entrou num quase mutismo até ao aeroporto.

Despedido o político português, o embaixador, que sempre usava a expressão "mais uma lebre corrida!" quando deixava aquela capital algum visitante português de peso, virou-se para o jovem diplomata e comentou:

- Este Mário Soares ainda está muito "verde". Falar de política aos chineses, imagine você!

O jovem não comentou o comentário do chefe. Estava a começar a carreira e, nela, o que verdadeiramente se pensa só pode começar a ser dito a partir de certa altura. Há um tempo para tudo, até para criticar as "chinesices" de certos embaixadores. Foi isso que sempre "li" por detrás de alguns silêncios, aparentemente respeitosos, dos muitos colaboradores que tive...

segunda-feira, janeiro 04, 2016

Árvores


- Olha lá, como é que conseguiste que o "Público" te desse capa e entrevista?

- Ando no ramo há muito tempo...

Eduardo Lourenço


A Eduardo Lourenço, uma figura por quem tenho uma crescente admiração, pela contínua lucidez com que nos interpela ao procurar interpretar-nos como povo e como país, foi ontem atribuído o prémio Vasco Graça Moura. O júri era presidido por Guilherme Oliveira Martins.

Um dia, quando era embaixador em Paris, organizei na residência um grande jantar em honra de Eduardo Lourenço. Curiosamente, entre os presentes estavam Vasco Graça Moura e Guilherme Oliveira Martins.

O Eduardo chegou já sobre a hora, depois dos restantes convidados. Pediu-nos imensa desculpa pelo atraso (que, na realidade, não existia) e explicou que acabava de chegar de Saint-Denis, nos arredores de Paris, onde fora encontrar Manoel de Oliveira, que aí filmava num estúdio onde se reproduzia uma rua do Porto (!). 

Um de nós perguntou-lhe a razão da deslocação. Curiosidade de ver Oliveira a filmar? Eduardo Lourenço deu uma daquelas gargalhadas contidas que lhe são típicas e, com uma jovialidade que só se ganha com a idade, revelou: "A verdade é que me tinham dito que o Oliveira estava, hoje, a filmar com a Jeanne Moreau e a Claudia Cardinale. E eu tinha curiosidade de ver, ao vivo, as duas senhoras". E viu?, perguntámos. "Não, já tinham ido embora e acabei por pagar uma conta calada de taxi..." 

Michel Galabru


Com a morte de Michel Galabru, desaparece o último membro do magnífico sexteto que, em 1964, inaugurou a série de filmes dos patuscos "gendarmes" de Saint-Tropez, cuja figura central era Louis de Funès. Galabru "fazia" de chefe de Funès, que titulava as principais confusões e situações divertidas.

Vistos hoje, os "gags" da trupe dos "gendarmes" ainda divertem, mas, no que me toca, acabam por cansar um pouco. Fazem parte de um outro tempo da comédia "trapalhona", que teve os seus cultores em todos os países e que, nos EUA, continuam a prosperar.

Acabaram assim os "polícias de Saint-Tropez". Não seriam tão famosos na localidade como foi Brigitte Bardot, mas a verdade é que da primeira vez que visitei a cidade, fui logo à procura do local (falso) onde aqueles "gendarmes" brilharam durante seis filmes.

domingo, janeiro 03, 2016

António Barreto


Na sua coluna dominical no DN, António Barreto afirma hoje isto: (Jorge Sampaio) "fez o que pôde para afastar António Guterres da liderança socialista, já agora também do governo. Depois de o conseguir, entregou o poder ao PSD".

Tudo isto é rotundamente falso, como bem sabe quem viveu as coisas por dentro. Melhor: como sabe qualquer pessoa minimamente informada, quanto mais António Barreto. E, no entanto, isto surge escrito com um ar de verdade incontroversa.

Havia necessidade? Vale tudo?

Passeio de domingo


Dizia uma para a outra:

- E tu, em quem votas?

- Deixa-os pousar...

Henrique Neto


Em 23 de março de 2015, escrevi por aqui isto:

"Pronto! Começou a corrida. Henrique Neto é candidato declarado à presidência da República. O primeiro.
Com 78 anos, um passado digno de anti-fascista, "self-made man", industrial, homem de palavra frontal, Henrique Neto não é um homem "fácil". Tens ideias próprias, diz sempre o que pensa e di-lo com palavras fortes, às vezes ácidas. No seio do Partido Socialista, ao olhar para as últimas décadas, verifica-se que quase sempre foi uma figura incómoda, incontrolável, crítica. 
Deixo daqui um sincero abraço de simpatia pessoal a Henrique Neto, pessoa que me merece respeito, com quem tenho trocado impressões esparsas e francas, ao longo destes anos. Um respeito que é agora reforçado pela coragem que teve para entrar nesta aventura, a qual nem por ser impossível deixa de ser nobre. Estarei algures, mas só lhe posso desejar um valente combate."

Na ocasião, não foram poucos os amigos que me criticaram por ter colocado a público esta nota de simpatia pessoal, não obstante o meu "estarei algures" deixasse explícito que Henrique Neto não poderia vir a contar com o meu voto.

Ontem, vi, por mera casualidade, o seu debate com Sampaio da Nóvoa. Não foi a "nobre" aventura e o "valente" combate que eu esperava que ele assumisse. Foi um espetáculo tristíssimo de ressabiamento e agressiva acrimónia,  que foi ao ponto de convocar a cumplicidade do falso "moderador", que funcionou como seu "compère" (ou seria o contrário?).

É com muita pena que digo que aquilo a que ontem assisti não está à altura do passado de Henrique Neto. Pelo menos, do Henrique Neto que eu julgava conhecer mas que, pelos vistos, os meus amigos conheciam melhor que eu.

Presidenciais

Tinha prometido a mim mesmo não ver debates televisivos nas eleições presidenciais. Mas "a carne é fraca" e, anteontem, não resisti a observar o anunciado espetáculo de Tino de Rans com Marcelo Rebelo de Sousa. O show foi antecedido do "número" de um senhor grave que, "à Santana Lopes", abandonou a cadeira. Havia ainda um outro senhor cujo nome (ainda) não decorei e cujo fascinante currículo vou pesquisar no LinkedIn, e que disse umas coisas notáveis. Um ponto comum a todos os candidatos foi terem proferido afirmações da maior "sensatez" - a acreditar em Marcelo Rebelo de Sousa, qualidade não acessível a todos os mortais.

Há pouco, noutra distração - apenas porque no "zapping" tinha achado graça ao "ticket" -, assisti ao debate entre Henrique Neto e Sampaio da Nóvoa, "moderado" por Rodrigues dos Santos. Este pareceu possuído pela diabolização de Sócrates e, subitamente, deixou de tentar ser jornalista moderador e passou a atacar Sampaio da Nóvoa, como se a este não bastasse o facto de Henrique Neto já o ter tomado como alvo, nem que para tal tivesse sido obrigado a dizer bem de Passos Coelho. Nóvoa, coitado, correto mas claramente sem "killer instinct", fez de "punching bag" de ambos, acabando despedido secamente por um deliciado Rodrigues dos Santos, dono do gong.

José Rodrigues dos Santos, que em tempos longínquos estagiou na BBC, esforça-se há anos por fazer de Jeremy Paxman da paróquia, mas nem na qualidade das gravatas consegue aproximar-se. E - uma vez mais! - fez passar uma vergonha ao diretor de informação, Paulo Dentinho. Não foi "Serviço Público", foi "Serviço Correio da Manhã".

sábado, janeiro 02, 2016

Mundo islâmico

Quando os americanos, sob o falso pretexto da existência de "armas de destruição maciça"*, atacaram o Iraque, muitos comentadores responsáveis alertaram para o risco de uma desagregação desse país poder ter consequências catastróficas para toda a região e, muito em particular, poder afetar o equilíbrio entre Bagdad e Teerão. Viu-se que tinham carradas de razão. A noção de que as grandes "obediências" muçulmanas - shiitas e sunitas - pudessem vir a agravar a sua tradicional conflitualidade estava também presente nesses avisos, que a "intelligence" americana desprezou, por irrelevante.

Se se olhar para a tensão nas últimas horas entre o Irão e a Arábia Saudita pode perceber-se que essa realidade está cada vez mais presente e sabe-se lá até onde poderá chegar.   

(*a propósito: à época, um opinador luso disse que, se acaso não houvesse "armas de destruição maciça" no Iraque, se passearia nu pelo Rossio. Creio que ninguém é "demandeur" do espetáculo, mas será que nunca mais voltou a opinar sobre o assunto?)

Vamos lá, rapaziada!


Futeboys

A nossa diligente imprensa de investigação, que tão afoita se mostra quando lhe dá para cuscuvilhar a vida de um qualquer cidadão, não tem a mesma curiosidade sobre a vida financeira (nomeadamente dívidas à banca e situação fiscal) das grandes agremiações futebolísticas. 

Aí, sim! Os números seriam importantes, quase a contarem para o défice...

Seria bonito, mas a cobardia, pelo medo ao boicote organizado dos adeptos das várias cores, atenua o escrúpulo profissional e não permite o empenhamento, não é?

Boa memória (1)


A sério: valeu mesmo a pena tudo aquilo?

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Foi assim...


Não éramos muitos. Apenas algumas dezenas. Na maioria, especialistas nas áreas económica e jurídica, além de uns quantos diplomatas, numa convivência pouco habitual mas que, com os anos, se foi tornando cada vez mais natural e frutuosa. Grande parte vinha da estrutura que havia representado os interesses sectoriais portugueses no processo de adesão às então chamadas "Comunidades europeias". Alguns haviam sido destacados de outros departamentos técnicos. Outros ainda, provinham do núcleo que, nas Necessidades, tinha sido responsável pelas negociações. Eu vinha... de Angola! Juntámo-nos todos naquele edifício da Visconde de Valmor, para dar início à grande aventura que começou a fazer-se há precisamente 30 anos.

O "know-how" português sobre as questões europeias era considerável, mas algo lacunar. No MNE, no Ministério das Finanças e em vários outros departamentos do Estado, havia já gente com forte experiência em alguns dossiês, em particular dos que haviam sido objeto de negociação mais intensa. Porém, a globalidade do universo bruxelense era algo que ainda nos transcendia.

Sabíamos bem o que era essencial para os nossos interesses, aquilo a que deveríamos estar atentos em prioridade. Essa era a agenda “defensiva” a que estávamos aculturados. Mas havia um conjunto de temas que, por não serem relevantes para essa nossa agenda nacional, não suscitavam então a nossa reação.

As instituições europeias são uma "fábrica" de papelada, se bem que, à época, a sua "produção" fosse bem mais limitada do que hoje sucede. Não obstante, lembro-me de aterrarem então sobre as nossas secretárias resmas de documentação sobre cujo tratamento nos interrogávamos, com “deadlines” para eventual resposta que nos angustiavam e que, passadas que fossem, nos deixavam “aliviados”.

Depois dos primeiros meses de 1986, tudo começou a ficar mais claro: os assuntos coneçavam a ser hierarquizados com maior realismo e, pouco a pouco, o que sentíamos como alheio passou a mobilizar a nossa atenção. Porém, muitas das vezes, os departamentos técnicos que consultávamos não eram capazes de manifestar nenhuma opinião e, recordo, a perplexidade sobre a atitude que devíamos assumir podia ser imensa. 

Interessante passou a ser a nossa participação nas reuniões de Bruxelas, onde à timidez inicial de alguns sucedeu o “atrevimento” de outros, quando ousavam pronunciar o “Portugal pensa que…” Éramos todos aprendizes de uma arte nova, alguns já com experiência internacional anterior, outros dando os primeiros passos num terreno em que todos tínhamos a consciência de ir assentar muito do nosso futuro.

Foi assim. Correu bem, mesmo muito bem, essa magnífica aventura iniciada a 1 de janeiro de 1986.

Adeus, "Expresso"!

O "Expresso" considera que declarações "mesmo que feridas de ilegalidade" têm "um fundo de justiça". Estava à ...