quinta-feira, agosto 04, 2022

Gravatas



Começa a ser patente uma crescente desabituação no uso da gravata. Nota-se isso em alguns contextos profissionais onde, até há poucos anos, tal era impensável. Ao que li, a indústria do adereço estará mesmo a declinar, um pouco por todo o mundo. Não por minha causa: continuo, ainda que só de quando em quando, a comprar gravatas, a somar às largas (mesmo muito largas) dezenas que há lá por casa (ofereci um número considerável, há tempos, à portaria do Círculo Eça de Queiroz, local onde o uso da gravata continua a ser um imperativo - e acho muito bem!) Gosto de usar gravatas, embora, cada vez mais, apenas quando me apetece.

Há mais de duas décadas, em Chipre (e não “no Chipre”, porque também não é “na Malta”…), numa conversa com um ministro, ele fez-me uma curiosa revelação. Nos anos 60, depois de independência do país, tinha ali sido introduzida oficialmente a dispensa do uso da gravata. A justificação dada para a adoção dessa moda “levantina” seria o clima local, embora também pudesse haver, por detrás da decisão, a assunção de um subliminar contraste com o formalismo da anterior administração britânica. Mas a nota mais interessante, para justificar o facto de então estarmos a ter essa conversa de fato e gravata, foi a de que tinha sido a posterior generalização do ar condicionado nos escritórios que tinha levado à retoma de um maior rigor no traje.

Em inícios de 2012, logo após ter assumido funções na Unesco, acumulando com a chefia da embaixada em Paris, a ministra que tinha a seu cargo o Ambiente e a Energia, Assunção Cristas, pediu para me ver, por razões de trabalho. Dias antes, a imprensa tinha dado grande destaque a uma instrução da ministra, tida então por insólita, de dispensar, nas instalações do seu ministério, o uso da gravata, por razões de alegada poupança energética. 

À entrada da audiência, a que naturalmente fui de gravata, recordo ter perguntado à ministra, em tom de brincadeira, se não "levava a mal" que eu usasse o adereço. Ela riu-se, claro. Ali estava um embaixador, com fama de socialista, a adotar um hábito "reacionário", que uma governante democrata-cristã dispensara.

Há dias, vi a notícia de que o presidente do governo espanhol (é este, por ali, o nome dado ao cargo de primeiro-ministro) tomou a decisão de abolir oficialmente o uso da gravata, não percebi bem em que âmbitos. No fundo, acaba por ser uma vingança póstuma de Pablo Iglesias, antigo líder do Podemos (e, vá lá!, também do desaparecido Tsipras, do Syrisa, grego como os de Nicosia).

A ministra Assunção Cristas pertenceu a um "infamous" governo, do qual não guardo a mais ínfima saudade. Mas, com justiça, devemos creditar-lhe alguma presciência na medida de contemporaneidade que então determinou - e foi há mais de uma década, caramba!

11 comentários:

Luís Lavoura disse...

Evidentemente a ministra tomou a decisão correta. Não se compreende nem se aceita que para trabalhar num ministério se tenha que andar de gravata, ou com qualquer outro traje especial.

Anónimo disse...

"Há mais de duas décadas, em Chipre (e não “no Chipre”, porque também não se diz “na Malta”…), numa conversa com um ministro, ele fez-me uma curiosa revelação."

Não percebo a lógica. Diz-se na Islândia e na Austrália. Percebo que o correto seja "em Chipre" mas não por haver uma regra.

David Caldeira disse...

Já em 2005 o governo japonês lançou um conjunto de regras de vestuário, para o verão,que incluía a dispensa do uso de gravata. Por razões ambientais.

Francisco Seixas da Costa disse...

Claro, Luis Lavoura. Até de cuécas, se a alguém apetecer…

Anónimo disse...

Fernando Neves
Também a IL, esse retrógrado partido , não usa gravata.

Flor disse...


No nosso país não vejo necessidade de prescindir de fato e gravata em muitos locais de trabalho. Abrandando essa exigência corre-se o risco de por exemplo alguns profissionais utilizarem calções, t-shirt de alças e chinelos nos pés. Não me estou a referir a altos cargos :)

Sr.Embaixador, cuecas não leva acento. Desculpe.

carlos cardoso disse...

O anónimo das 11.29 não percebe a lógica simplesmente porque não há lógica nenhuma. Ele há países masculinos (o Brasil, o Botswana, o Canadá, o Luxemburgo ou o Afeganistão), países femininos (a Colombia, a Bélgica, a Namíbia ou a Malásia) e países neutros (os já citados Chipre e Malta, mas também Portugal, Angola). Para complicar mais um pouco diz-se «na Bélgica » mas «em França », apesar de serem os dois femininos.

João Cabral disse...

O uso da gravata foi abolido temporariamente no executivo espanhol como uma forma de refrigerar mais os corpos, dado que os ares condicionados vão andar com temperatura limitada por causa da crise energética do gás... Sim, a ausência de gravatas vai supostamente servir de arejamento. Do que se haviam de lembrar, senhor embaixador. E tomam as pessoas por parvas. Mais valia começarem todos a usar (mini)saias.

Rui Franco disse...

A "Flor" não vê necessidade porque não é ela, nem as suas "colegas de género" que são obrigadas a viver encafuadas num fato. As "senhoras", aliás, têm todo o direito de irem para o trabalho de chinelos (embora os comprem em sapatarias finas), de calções, saias, minissaias, calças largas, t-shirts, peito ao léu, pescoço à mostra, cabelos compridos e ao vento... É como muito bem quiserem e não é por isso que a sua respeitabilidade e qualidade profissional são postas em causa.

E aos homens ainda se pede que não só sejam escravos dos ditames estéticos das Flores deste mundo, como diminuam a intensidade do AC porque as suas valiosas colegas estão cheias de frio, com tão pouca roupinha que levam para a labuta, as pobres.

Ele há com cada uma!

Luís Lavoura disse...

Francisco, eu escrevi

Não se aceita que para trabalhar num ministério se tenha que andar com qualquer traje especial

Ou seja, eu disse que não pode haver trajes obrigatórios. Mas pode, evidentemente, haver trajes proibidos. Por exemplo, é legítimo proibir que se vá trabalhar de calções curtos ou de minissaia. Ou que se vá trabalhar com os ombros ou o ventre destapados.

disse...

Ainda sobre a questão "no Chipre vs em Chipre" deixo alguns links para os interessados:

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/na-espanha--em-espanha/15744

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/espanha-franca-italia-e-inglaterra-preposicao-com-artigo/27854

https://www.dosalgarves.com/rev/N16/9rev16.pdf



25 de novembro