Foi há meia dúzia de anos. Eu tinha ido a Paris, numa tarefa no âmbito da Fundação Calouste Gulbenkian. Uma parte da tarde fora passada numa reunião num determinado local. Tive de sair dela disparado, porque tinha um outro compromisso, esse com hora bem marcada, na própria delegação da Gulbenkian, no boulevard La Tour Maubourg, bastante distante dali. Creio que me competia moderar ou participar num debate.
Não tinha carro. Os taxis passavam todos cheios. Os Uber, àquela hora, anunciavam-se com largos minutos de espera. O metro devia estar um inferno. De autocarro, não sabia lá chegar. E, à minha espera, estavam outros oradores do evento. Eu começava a ficar desesperado, saltitava de passeio em passeio, olhava ansiosamente em torno.
A certa altura, o meu passo rápido foi travado por duas jovens, uma com uma câmara, outra com um microfone. “Pode dizer-me o seu nome?”, perguntou em francês uma delas. Já não sei o que respondi, devo ter dito simplesmente que não, mas obviamente que não tinha nem um segundo para perder. E passei adiante, com elas a olharem, um pouco desapontadas, para mim. Em circunstâncias normais, teria parado, até por curiosidade. Naquela, era impensável fazê-lo. Esqueci o episódio, segundos depois. E, numa esquina, lá arranjei um táxi!
Passaram, entretanto, umas boas semanas. Um dia, alguém me chamou a atenção para um vídeo, que andava a circular, em que se afirmava que o anterior embaixador português em Paris teria, deselegantemente, recusado falar a duas luso-descendentes, que tinham um programa e que andavam a fazer um inquérito pela rua, em Paris, num fim de tarde. E lá estava a minha imagem, fugidia, entre os transeuntes.
Ora as senhoras tinham-me falado em francês, eu não fazia a mais leve ideia de quem elas eram (e tenho quase a certeza que elas também me não reconheceram, alguém o terá feito numa visualização posterior) ou o que representavam, além do mais estava roído de pressa, pelo que era óbvio que não podia estar minimamente disponível para um exercício que me iria fazer perder um tempo que não tinha.
E, dessa forma, ficou gravado, e explorado de forma negativa, um ato tido como de suposta deselegância face a um meio de informação da comunidade portuguesa em França, por parte de alguém que, em quatro anos de anterior trabalho por ali, podia (e pode) desafiar quem quer que seja a acusá-lo de uma deselegância, ainda que ínfima, face a essa mesma comunidade.
É assim que, às vezes, coincidências desagradáveis podem acontecer. A vida tem destas coisas!
3 comentários:
Há com cada uma...
Conheci hoje uma rapariga francesa, aqui no meu empreendimento. Chama-se Pauline e tem chamas nos olhos. É muito bela, muito simpática, muito sedutora, cabelos negros, pele tisnada, conquanto tenha idade para ser minha filha. Obviamente, cabe-me ser responsável, mas olhar não tira pedaço e ninguém é cego, como dizem os nossos irmãos do outro lado do oceano. Excelente texto, Senhor Embaixador, e que belas memórias connosco partilha.:)
Isto das entrevistas de rua é um perigo para quem se preza, pois para os outros que se pelam por isso são os 30 segundos que lhes garantem uma fama duradoura, passam a ser conhecidos durante uns bons tempos lá na rua como "aquela ou aquele que apareceram na televisão".
Nunca se sabe o que sai dali pois aquelas coisas são "editadas" e não é difundido o que foi dito mas apenas a parte que interessa aos entrevistadores que o seja, o entrevistado tem largas possibilidades de que só aproveitem algo que transmite o oposto do conjunto do que disse.
Aqui há uns anos tinha por hábito descer a Rua Garrett à hora do almoço para ír à Bertrand e à FNAC e estava por ali junto à Igreja dos Mártires (é o lado da sombra àquela hora) uma equipa de reportagem não me lembro de que canal a fazer "entrevistas de rua".
Portanto, quando não estavam ocupados a chatear alguém, lá vinham eles de câmara e microfone em punho na minha direcção e, à pergunta "Posso-lhe fazer uma pergunta?" eu respondia sempre "Não sei qual é a pergunta mas vocês não vâo gostar da resposta".
Desistiam logo mas passados uns dias lá voltavam, acabou quando finalmente me fixaram a cara.
Escusado será dizer que nunca apareci no ecrã o que porventura confirma a falta de sentido de humor daquelas gentes...
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