O "jet lag" não ajudava nada. Naquele primeiro dia em Seul, mais do que seguir o calendário de eventos daquele seminário, eu morria de cansaço, por todos os lugares por onde era obrigado a andar.
Mas o "dever" chamava-me: cabia-me co-presidir a um exercício que pretendia retirar, da experiência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), lições para a gestão das tensões na península da Coreia.
Eu era então o embaixador português junto da OSCE e presidia ao grupo de contacto com os parceiros asiáticos da organização. A convite desta, coordenava, por esses dias, uma delegação multinacional à República da Coreia, ida de Viena. Tinha como meu contraparte o secretário de Estado coreano dos Negócios Estrangeiros, velho amigo de outros postos.
O programa de uma das noites incluía assistir uma peça de teatro coreano, a que se seguia um jantar num restaurante típico. Estafado como estava, passei "pelas brasas" no espetáculo, aproveitando a redução das luzes.
Chegados ao restaurante, um espaço tradicional, percebi que nos íamos sentar "à coreana", em almofadas e com as pernas cruzadas sob uma mesa baixa, o que iria pôr à prova os meus sacrificados joelhos. Mas, pronto!, era serviço!
Por feitio, não sou muito dado a experiências gastronómicas radicais e, muito em especial, sou habitualmente avesso a culinárias étnicas. Por isso, à vista dos pratos locais, fui fazendo uma seleção criteriosa sobre aquilo que neles me apetecia comer. Até que chegou o prato principal. Não consigo recordar o que era. Só sei que era qualquer coisa "sinistra", pela prova. Com alguma arte, fui afastando a comida pelo prato, enquanto alimentava a conversa com o meu contraparte, sentado à minha frente. A certo passo, notando que eu já não comia e muito do que fora servido já estava disperso, o anfitrião coreano perguntou, preocupado:
- Não gosta da comida?
Senti-me culpado pelo facto de não estar a corresponder à sua gentileza, pelo que me saiu qualquer coisa como isto:
- De forma nenhuma! Estava muito boa! Gostei imenso.
O que eu fui dizer! O meu amigo coreano, temeroso que eu não tivesse ficado saciado, e apoiado no meu pronto elogio à sua comida nacional, logo mandou vir para mim uma nova dose, idêntica àquela que eu tinha dispersado com tanto cuidado pelo prato. E lá tive eu que comer aquela mistela, desta vez com escassa capacidade de disfarce.
Foi uma noite bem penosa, confesso! A educação diplomática, às vezes, tem um elevado preço. É uma profissão onde não se engolem só elefantes!
3 comentários:
A culinária da Coreia do Sul foi das que me deixou menos saudades e tenho alguma pena, confesso. Talvez seja pelo uso de fermentados, talvez por ter tido uma má reação a algo que comi. Tem alguns pratos interessantes - ainda me lembro dumas noodles que se mexiam como se tivessem pequenos vermes e se revelaram saborosas.
Isso de comidas muito fora do esquema também não vai lá comigo, embora hoje em dia eu já coma muita coisa que quando era miúdo nem me atrevia a experimentar.
Ainda bem que não sou diplomata! Não sei se aguentaria comer uma refeição contra a minha vontade. Talvez que o guardanapo escondesse a comida rejeitada.😉😮
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