quinta-feira, agosto 11, 2022

Educação diplomática



O "jet lag" não ajudava nada. Naquele primeiro dia em Seul, mais do que seguir o calendário de eventos daquele seminário, eu morria de cansaço, por todos os lugares por onde era obrigado a andar.

Mas o "dever" chamava-me: cabia-me co-presidir a um exercício que pretendia retirar, da experiência da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), lições para a gestão das tensões na península da Coreia.

Eu era então o embaixador português junto da OSCE e presidia ao grupo de contacto com os parceiros asiáticos da organização. A convite desta, coordenava, por esses dias, uma delegação multinacional à República da Coreia, ida de Viena. Tinha como meu contraparte o secretário de Estado coreano dos Negócios Estrangeiros, velho amigo de outros postos.

O programa de uma das noites incluía assistir uma peça de teatro coreano, a que se seguia um jantar num restaurante típico. Estafado como estava, passei "pelas brasas" no espetáculo, aproveitando a redução das luzes.

Chegados ao restaurante, um espaço tradicional, percebi que nos íamos sentar "à coreana", em almofadas e com as pernas cruzadas sob uma mesa baixa, o que iria pôr à prova os meus sacrificados joelhos. Mas, pronto!, era serviço!

Por feitio, não sou muito dado a experiências gastronómicas radicais e, muito em especial, sou habitualmente avesso a culinárias étnicas. Por isso, à vista dos pratos locais, fui fazendo uma seleção criteriosa sobre aquilo que neles me apetecia comer. Até que chegou o prato principal. Não consigo recordar o que era. Só sei que era qualquer coisa "sinistra", pela prova. Com alguma arte, fui afastando a comida pelo prato, enquanto alimentava a conversa com o meu contraparte, sentado à minha frente. A certo passo, notando que eu já não comia e muito do que fora servido já estava disperso, o anfitrião coreano perguntou, preocupado:

- Não gosta da comida?

Senti-me culpado pelo facto de não estar a corresponder à sua gentileza, pelo que me saiu qualquer coisa como isto:

- De forma nenhuma! Estava muito boa! Gostei imenso.

O que eu fui dizer! O meu amigo coreano, temeroso que eu não tivesse ficado saciado, e apoiado no meu pronto elogio à sua comida nacional, logo mandou vir para mim uma nova dose, idêntica àquela que eu tinha dispersado com tanto cuidado pelo prato. E lá tive eu que comer aquela mistela, desta vez com escassa capacidade de disfarce.

Foi uma noite bem penosa, confesso! A educação diplomática, às vezes, tem um elevado preço. É uma profissão onde não se engolem só elefantes!

3 comentários:

AV disse...

A culinária da Coreia do Sul foi das que me deixou menos saudades e tenho alguma pena, confesso. Talvez seja pelo uso de fermentados, talvez por ter tido uma má reação a algo que comi. Tem alguns pratos interessantes - ainda me lembro dumas noodles que se mexiam como se tivessem pequenos vermes e se revelaram saborosas.

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Isso de comidas muito fora do esquema também não vai lá comigo, embora hoje em dia eu já coma muita coisa que quando era miúdo nem me atrevia a experimentar.

Flor disse...

Ainda bem que não sou diplomata! Não sei se aguentaria comer uma refeição contra a minha vontade. Talvez que o guardanapo escondesse a comida rejeitada.😉😮

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Tal como vários dos seus contrapartes já fizeram, seria interessante que Luís Montenegro anunciasse que, se Benjamin Netanyahu puser um pé e...