Foi numa conversa na Noruega, com o embaixador Fernando Reino, o meu primeiro chefe no exterior, que ouvi falar, também pela primeira vez, dos “valedictory despatches”. Explicou-me ele, nesse longínquo ano de 1979, que era uma tradição dos embaixadores britânicos, no último dia do seu último posto, enviarem para Londres “um bem elaborado telegrama” (aproveito aqui uma fórmula tradicional das Necessidades) em que faziam uma espécie de balanço dos ensinamentos (as “lessons learned”) que tinham retirado dos seus anos de experiência. Outras carreiras diplomáticas tinham seguido o exemplo britânico e, ele próprio tinha a intenção de vir a fazer isso.
Não sei se Fernando Reino o fez ou não, quando saiu de Nova Iorque para o seu pouso final na Azóia, mas recordo ter lido alguns exemplos dessa espécie de “testamentos”, subscritos por alguns embaixadores portugueses, à medida que se iam aposentando. Mas não foram muitos. Alguns tinham qualidade e até graça, outros revelavam apenas desencanto e azedume. Nada que não fosse expectável, à medida do que sabia de cada um.
Devo dizer que, por alguns anos, alimentei intimamente a ideia de, no termo do último posto da minha carreira, preparar um “valedictory despatch”. Com o tempo, contudo, fui perdendo a vontade de o fazer. E já se verá porquê. Disse-o “a Lisboa”, ao meu último ministro, Paulo Portas, na comunicação em que fazia a minha despedida da embaixada em Paris, na véspera de ter atingido o limite de idade para servir no exterior.
Não tenho comigo esse texto (não guardei documentos das minhas quatro décadas de funcionário diplomático), mas tenho uma vaga ideia (quem quiser pode ir conferir) que escrevi qualquer coisa como isto: tinha chegado a pensar em enviar a Lisboa um “valedictory despatch”, mas decidi não o fazer, por duas razões: por um lado, porque não tinha tido tempo para o exercício e, por outro, por ter quase a certeza de que a vida agitada de trabalho “na Secretaria de Estado” (como, no MNE, se chama às Necessidades) dificilmente permitiria que tivessem tempo para o ler Assim, limitei-me a transmitir ao ministro os meus “respeitosos cumprimentos”. Portas retorquiu-me com um “despacho telegráfico” (os telegramas oriundos da capital chamavam-se assim) em que agradecia o meu trabalho ao longo de 38 anos. E assim “encerrámos as contas”, a contento das partes.
Por que refiro isto hoje? Porque trouxe para férias um delicioso livro organizado pelo excelente jornalista que é Matthew Parris, onde ele compila e comenta dezenas de “valedictory despatches” dos arquivos do “Foreign Office”. Muitos são banais, mas sempre curiosos, outros são magníficos de graça, de finura, inteligência, argúcia, sentido de serviço público e outras qualidades que se apuram no melhor serviço diplomático do mundo - o britânico. Já tinha lido páginas do livro, intitulado “Parting Shots”, que uma pessoa amiga me tinha oferecido em 2010. No sábado, à saída de casa, ao vê-lo numa estante, juntei-o à vintena que trouxe (com a esperança vã de, entre eles, conseguir ler quatro ou cinco). E estou a divertir-me imenso. Livros para férias é isto!
4 comentários:
Boas férias!
O humor e a perfídia da velha Albion são inigualáveis. Reparei agora que "Parting shot" deverá ser também uma alusão ao "Parthian shot", uma habilidade dos cavaleiros Partos que conseguiam em pleno galope virar-se para trás e enviar uma flecha contra o inimigo que os perseguia.
Boas férias!!! Cuidado com o sol;)
Quanto a livros de férias. 4 ou 5? Vá lá 2 ou 3. O Sr. Embaixador não é costumeiro das filas do papel? Só isso, já é limitativo. Desejos de muito boas e merecidas férias.
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